CAPÍTULO 3 - Ideias sorrateiras
Masha rodou a chave inglesa com força, fazendo a porca começar a afrouxar e fazer mais uma peça do motor se soltar, a botando de lado para a examinar. Ela havia estendido o lençol sobre o chão de madeira do estúdio e botava cada parte desmontada sobre o pano para evitar arranhar o piso.
Mais um idiota que havia negligenciado a troca da correia dentada e que havia travado todo o motor. Masha puxou outra peça, a posicionando sobre o lençol com cuidado antes de tirar os fios de cabelo da testa, as mãos sujas de graxa.
Estava ali a mais tempo do que deveria, ela notou ao encarar o brilho na tela do celular com uma mensagem de Violet dizendo que ela iria se atrasar. Masha franziu o cenho antes de correr até o banheiro, lavar as mãos que continuaram sujas, jogando a mochila sobre as costas e ir até o carro as pressas depois de fechar o estúdio.
O caminho até em casa estava ajudando ao seu atraso e, sabendo que levaria xingos de toda forma, aceitou a derrota, chegando em casa quinze minutos depois do que disse que estaria. Natasha ergueu uma das sobrancelhas perfeitas para Masha assim que ela botou os pés dentro de casa e a mulher encarou James com as mesmas sobrancelhas.
— Você transformou nossa princesa em um ogro, está contente agora? — fez careta e James ergueu o rosto, encarando Masha com um sorriso.
— Eu não a ensinei a rodar no meio ao lixo, Nat, isso provavelmente veio do seu lado da família — respondeu e a mulher arremessou uma almofada nele, o fazendo rir.
— Imagino que o motivo da sua demora para nosso super jantar em família tenha algo a ver com o seu carro quebrando de forma irrecuperável, filha — Nat disse enquanto a menina ignorava os comentários e se aproximava e beijava a testa da mãe.
Assim como o pai, ela não parecia ter envelhecido nada. Nem um único dia, ainda que seu olhar parecesse mais maduro, Natasha Vakroneviks Stark estava maravilhosamente linda, sendo vitima do tempo com apenas algumas rugas finas ao redor dos olhos, quase imperceptíveis. Nem um fio de cabelo branco, nem mãos enrugadas, nada.
Talvez os dois fossem tão conservados exatamente por conta dos avanços que Natasha fazia na medicina, ou simplesmente porque tinham dinheiro para se alimentar da melhor forma possível, ou talvez fosse realmente estática, até porque Tom Cruise tinha quase 60 anos e ninguém falava nada sobre ele.
Era essa a desculpa que os dois sempre davam quando alguém falava sobre idade naquela casa. Idade ali não era relevante.
— Não o meu, felizmente — respondeu se encolhendo — Desculpa, eu acabei perdendo a hora em um projeto, vou tomar banho e já venho?
— Ah, não se preocupe, demore o tempo que quiser — James disse com tanta ironia que Masha revirou os olhos — Não estamos com fome, Mash, fica tranquila.
— Talvez você possa fazer um chá para a mamãe, pai, quem sabe na xícara de cérebro? — Masha lhe deu uma piscadela e James a encarou sentindo o golpe da traição. Natasha arremessou outra almofada contra ele.
— Eu sabia que tinha sido você! — Natasha gritou e Masha acelerou o passo, correndo para o quarto e fechando a porta para abafar os sons da discussão no andar debaixo.
Ela jogou a mochila no canto do quarto, indo até o banheiro para lavar as mãos com solvente de graxa que deixava estrategicamente no canto do armário. Assim que se viu limpa da gordura da graxa, ela se enfiou no chuveiro e tomou um banho que a deixou decentemente apresentável para um jantar com os pais.
Masha abriu a mochila, puxando a embalagem que havia guardado lá dentro, notando a pasta de Lorelay enfiada ali dentro como um lembrete. Masha a observou por um instante antes de colocar sobre o notebook e descer as escadas.
James cochichava algo no ouvido de Natasha que parecia em uma luta entre ceder e se manter firme, mas ele se afastou quando ouviu os passos da garota e a olhou de forma feia, pelo menos até ela jogar o embrulho em seu colo e ocupar seu lugar em frente a mãe.
Ele observou o que quer que ela tivesse botado em seu colo e sorriu, antes de erguer sobre a mesa e empurrar para Natasha, beijando sua têmpora.
— Desculpa ter quebrado sua caneca, Nat — falou baixo, colocando o exemplar novo que Masha havia comprado no caminho de casa. A lutou contra o sorriso que acabou vencendo antes de alisar o rosto do marido com afeto e virar os olhos azuis para Masha.
— Obrigada, filha — Masha respondeu com uma piscadela antes de começar a se servir.
Masha havia passado quase dois anos longe dos pais e apesar de estar falhando nos últimos tempos, passar um tempo com eles era o que fazia sua semana ser minimante agradável. Havia ido até Minsk para supervisionar a sede da Star-teck no país, ficando muito mais tempo com os avós e com os primos.
Ela não suportava ninguém, ninguém exceto Vanya, que nem era sua prima, mas filha do ex-namorado da sua mãe, Igor Egorovitt e Alina Smith, que trabalhou com ele na américa antes de se mudarem novamente para Minsk.
Por mais que ela voltasse para Boston periodicamente, não era a mesma coisa do que saber que poderia sair do laboratório e chamar a mãe para tomar um café ou deitar no seu colo enquanto ela lia alguns dos seus livros enquanto Masha mexia no celular ou fazia qualquer coisa inútil.
Não era como poder entrar na sala do pai e mostrar um projeto novo que havia acabado de concluir e vê-lo feliz por aquilo ao lhe dar um abraço.
Mas lá ela tinha os avós, que também sentia falta, mas não conseguiria ficar tanto tempo longe novamente, principalmente quando em Minsk havia pessoas que ela realmente queria se manter longe, pelo menos uma que ela quisesse realmente manter um oceano no meio – ainda que a comida fosse algo que realmente a fazia querer voltar.
Violet cozinhava muito bem, mas havia parado de fazer algumas coisas devido a idade e a nova cozinheira não era muito fã do estômago de Masha, que sempre atacava um pouco sua gastrite.
Talvez se Masha se desse ao luxo de ao menos conversar com ela por dois minutos para pedir para que ela não botasse pimenta na comida ou simplesmente descobrir seu nome, talvez já fosse um bom avanço, mas ela já estava mais do que esgotada quando terminou de tomar o suco e afastou a cadeira.
— Pode deixar aí, eu tiro – James disse ao ver que os olhos da menina já estavam cansados ao ver que a sua parte da conversa havia morrido em meio a bocejos.
— Obrigada pai — ela se aproximou, beijando seu rosto antes de fazer o mesmo na mãe, sendo envolvida pelo seu cheiro capaz de fazer seu coração se acalmar — Amo vocês, durmam bem.
— Spi spokoyno, ya lyublyu tebya — Durma bem, eu amo você, Natasha disse fazendo Masha sorrir.
— YA lyublyu tebya bol'she chem chto-libo — Te amo mais que tudo, respondeu fazendo Natasha lhe devolver com um sorriso enorme enquanto James terminava de comer.
— Ya lyublyu tebya também! — Eu te amo também! Gritou ele para a menina antes de ela se afastar, subindo as escadas para o quarto, se enfiando no banheiro de novo para lavar o rosto e escovar os dentes.
Masha esfregou o rosto antes de seguir de volta para a cama, sentindo o sono pesar em suas pálpebras, porém seus olhos pararam sobre a ficha de matricula de Lorelay sobre o computador e ela a puxou, sentada na cama enquanto observava os dados da menina, encarando o nome da mãe por um instante antes de puxar o notebook para perto e o abrir.
Ela normalmente não faria algo assim, obviamente, mas não podia negar que havia aprendido a fazer aquilo no primeiro semestre da faculdade quando sua única amiga iria ficar retida em uma matéria por conta de 0,25 e ela "sem querer" acabou entrando no site da faculdade para poder alterar sua nota.
E havia feito isso algumas outras vezes para descobrir alguns dados sobre pessoas específicas e se tornado quase uma expert. Não que ela não pudesse ser considerada um hacker, mas preferia manter o título longe.
De toda forma, assim que conseguiu o nome da mãe de Lorelay, ela pode ter invadido o site da receita a fim de conseguir o nome da mãe dela, então, os descendentes e visto que ela era a única menina de dois irmãos.
O primeiro, Robert Lewis era um contador de Kentucky que, aparentemente, estava sonegando impostos. Pelas poucas informações que Masha conseguiu encontrar, ele não parecia ser a melhor pessoa do mundo, na verdade, estava bem longe disso.
E o outro, o filho mais novo entre os três, Colin Lewis era... Bom, ele não era nada. Ele havia concluído o ensino médio e prestado par algumas faculdades, sendo até aceito em... Harvard! Ele havia sido aceito em Harvard, conseguido até mesmo uma porcentagem de bolsa, mas por algum motivo ele havia desistido da faculdade e agora trabalhava em uma oficina em Roxbury.
Masha mordeu os lábios antes de decorar o nome dele e fechar o site e abrir um novo. Seus dedos foram automaticamente sobre as letras e ela prometeu – de novo – que aquela seria a última vez que faria aquilo, ainda que soubesse que era mentira, ao digitar o site da faculdade e conseguir acessar os dados de admissão de alguns alunos.
Ela conseguiu com pouquíssimo tempo encontrar a Aplicação de Colin e quando ela abriu a prova... OK. Talvez ele fosse inteligente, bem inteligente. Sendo sincera, ela havia ido muito bem em seu SAT, ACT e SAT II, principalmente no SAT II, mas Colin havia ido espetacularmente bem em todas. As provas de conhecimento específico eram tão boas quando a de Masha e ele havia conseguido até pontos a mais em sua prova de inglês.
Surpresa, Masha baixou os documentos de Colin de forma segura e antes que pudesse fazer mais alguma coisa após observar sua foto no arquivo, ela desligou o computador e foi dormir, já sabendo o que faria no dia seguinte.
***
Masha ajustou-se atrás do volante do carro e se encarou no espelho, arrumando os cabelos de forma que parecesse mais despojada e inocente. Se a visse de longe, com certeza acharia que não se passava de uma patricinha metida que não faz a mínima ideia do que estava fazendo.
Ela deu partida no carro com muito custo e avançou até a oficina com mais dificuldade do que esperava.
Assim que estacionou, desceu do carro pulando e fez uma careta que, na sua cabeça, parecia confusa ao se aproximar da entrada.
— Oi – falou mais alto para chamar atenção por cima da música que tocava. Ela conseguia ver as pernas de alguém debaixo do carro erguido pelo macaco. — Com licença!?
Os pés da pessoa fincaram no chão e com um impulso, ele apareceu. Bem, ela sabia quem ele era, a foto na inscrição da faculdade era de uma pessoa limpa e talvez alguns anos mais nova, mas era ele.
O peito estava desnudo, ele usava um jeans surrado, sujo de graxa assim como quase todo seu corpo, uma pequena película de suor envolvendo sua pele e a fazendo brilhar. Ele era bronzeado, os cabelos loiros pareciam refletir o sol, além dos olhos que se destacavam em meio a tanta sujeira, duas luzes brilhantes e azuis.
— Pois não? — a voz de Colin era arrastada, com um sotaque que ela não conseguiu identificar de cara. Havia visto aquela informação na aplicação? Não se lembrava.
Masha se remexeu, apertando as mãos.
— Ah, oi! Você pode me ajudar? Meu carro, ele... — apontou para a BMW parada em frente à oficina. — Eu não sei bem o que aconteceu com ele, mas não parece normal.
Colin a encarou com certa desconfiança e Masha manteve o sorriso inocente no rosto, os olhos verdes brilhando pelo sol da tarde.
— Aquele é seu carro? — ele apontou para o veículo com uma chave inglesa na mão. Masha mordeu os lábios e concordou. — O que você estava fazendo aqui com um carro desses? — a pergunta pareceu mais um questionamento interno, mas ela deu de ombros mesmo assim ao responder:
— Eu estava procurando a casa de um amigo – mentiu, mas ele pareceu entender. Uma patricinha no meio de Roxbury parecia ser algo bem comum para não gerar desconfiança.
Colin coçou o nariz, antes de assentir uma vez e ficar em pé. Ele era grande, bem grande, tinha pelo menos uns 20cm a mais do que ela facilmente, além do abdômen brilhante e cheio de músculos. Provavelmente seus braços eram maiores que sua coxa, ainda que, de certa forma, não parecesse exagerado.
Ele se aproximou, saindo de dentro da oficina e ela esperou afastada enquanto ele puxava o capô, observando o motor do carro.
Masha o observou com atenção.
Colin enfiou a mão em meio às ferragens, se curvando para observar alguma coisa e encontrou o fio que ela havia acabado de soltar. Ele piscou algumas vezes antes de virar-se para ela, apoiado no carro.
— Você sabe o que aconteceu? Alguém mexeu no carro? – Sim! Eu mexi no carro! pensou, mas ao invés disso apenas negou de novo, inocente.
Ele ergueu uma das sobrancelhas antes de se afastar de novo, voltando para a oficina e pegando alguma de suas ferramentas.
Colin voltou a mexer no motor do carro e, em menos de cinco minutos, ele reconectou a fiação de forma correta e virou-se para ela, gesticulando para o carro.
— Está pronto? – ela soou animada, sorrindo feito nunca. Havia interpretado aquele papel vezes demais para errar agora, quando algum de seus namoradinhos insistiam em fazê-la de idiota e ela deixava apenas para saber até onde aquilo iria.
— Sim.
— E quanto custa? – Se ele fosse inteligente ele iria cobrar bem caro por aquilo, levando em consideração tanto ela quanto o carro. Masha puxou a carteira, já esperando por isso, mas sua resposta a deixou surpresa.
— Nada – disse dando de ombros e indo para dentro da oficina de novo. Ela franziu a testa, confusa.
— Nada? Como assim nada? – sua voz soou mais séria do que pretendia e ela pigarreou, antes de o encarar com sua falsa inocência. Ele de ombros.
— Você parece ter bastante dinheiro e, como disse que ninguém mexeu em seu carro, provavelmente tem alguém querendo te matar para ficar com sua herança. Aceite como um presente do seguro de vida – deu um breve sorriso, sem realmente lhe encarar.
— Mas você fez o serviço...
— Fica tranquila, não foi mais do que um minuto – sorriu de novo e Masha cruzou os braços.
Colin entrou na oficina e ela sorriu.
Bingo!
_____
²SAT, ACT e SAT II são provas de admissão em faculdades dos EUA, por exemplo. SAT engloba matérias que avalia habilidades de raciocínio em matemática, interpretação de texto e escrita em inglês. Já o ACT é composto por quatro seções: inglês, matemática, interpretação de texto e raciocínio científico, além de uma seção optativa de escrita. Já o SAT Subject Test (ou SAT II), que serve para avaliar o seu conhecimento em uma área específica. É possível fazer o SAT II em 20 áreas diferentes. As universidades mais concorridas podem pedir duas ou três provas desse tipo, além do SAT I.
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