Capítulo III - Espada em sangue (Parte I)
Os olhos leitosos e completamente nebliados olhavam para o teto da caverna. A boca chamava quase que involutariamente por Medusa, que deitava quieta ao seu lado.
Era um pesadelo. Os pensamentos vagavam totalmente sem forma e foco dentro da mente, que debatia-se para acordar. Os olhos se encheram de água, o que fizesse com que a face ficasse banhada pelo gosto salgado do choro. As mãos tatearam o chão até achar as de Medusa, que acordou sonolenta com o toque.
— O que lhe tirou o sono Praxila? — A voz sonolenta e embargada atingiu os ouvidos da garota, que tremia de medo pelo pesadelo insólito que teve.
— Imaginei-me lhe perdendo.
Medusa mirou as íris perdidas na face inocente de Praxila. Perdendo-se na imaginação ao relembrar de momentos muito distantes e belos a qual passou junto a Safo.
A mão repousou sobre o ombro de Praxila, que se estremeceu com o toque. A outra foi para a face, e aproximando beijou-lhe as têmporas, tirando a mão que repousava na pele do rosto para de encontro aos fios bagunçados do cabelo.
— Não precisa temer isso. — Pronunciou, mesmo que um pouco disso fosse para ela mesma.
Praxila afastou-lhe dos afagos e tornou a segurar o corpo da outra pelos braços para que nao se afastasse totalmente, olhando-a com os olhos intensos e gentis.
— Quero que prometa que não irá me abandonar.
Medusa se assustou a princípio com o pedido, mas lembrou a muito tempo do dia que pediu para que Safo desse fim a própria vida. E faria o mesmo por Praxila, decidindo deixar os medos para serem sentidos em outra ocasião.
— Prometo.
E a boca de Praxila repuxou para os lábios, formando um sorriso sereno e quase ladino. Os olhos leitosos sorriam também, pelo menos de sua forma. As íris pálidas e sem vida brilhavam com o júbilo que sentia.
— E sabe o que mais irei-lhe prometer? — Medusa repousou a mão sobre a da outra.
— O que você ira me prometer? — Inquiriu ingênua. A mão repousada sobre a da outra, subiu afoita e delirante sobre a pele escurecida. As unhas afiadas arranhavam e lhe causavam calafrios que percorriam seu torso e espinha.
As mãos dela cobiçavam segurá-la, inteiramente, ao mesmo tempo. E apesar de ela estar nos braços de Praxila, ela ainda não acreditava nisso, e temia que aquele sonho acabasse apressado, assim como ocorrerá antes. E o tempo apesar de ter sido muito, ainda não havia curado o que lhe causava tanta dor e agonia. Os segundos pausaram naquele instante. A duração do beijo nectaréo, os lábios quase roxos pelo esforço, e os sentimentos inebriantes e sinceros enchiam a caverna inteira.
E então a mão chegou ao colo do vestido, e o olhar lubricioso de Medusa cobriu o corpo de Praxila totalmente libertino.
A mulher reptiliana seguiu a viagem da mão até a base do pescoço, repousando um beijo ardente na região. As veias quase arderem sobre a pele dos lábios, fazendo o corpo se avoluptuosar.
— Eu te amo. — Enunciou, e as duas se entregaram a afeição, a paixão e ao grande desejo.
No outro dia Praxila saiu para caminhar solitária por entre os caminhos das arbóreas. O vento planava violento sobre os cabelos crespos, sentindo a pele absorver a energia do sol que nascia no céu. Os passos bem vagarosos avistaram uma clareira proxima a um riacho, aproximou-se tateando as pedras e enfiou as mãos na água doce do rio, para lavar seu rosto. Usava uma bengala de madeira feita por Medusa, ela a ajudava em deslocar-se mais rápida por entre a mata.
Os ouvidos bem aguçados ouviram um farfalhar peculiar nas folhas. Bem vagaroso o som aumentava, chegando mais perto da clareira onde ela banhava o rosto. Segurou a bengala próximo ao corpo e esbravejou:
— Se chegar mais próximo eu lhe parto em dois.
A criatura parou, provavelmente analisando a situação. Um som de um suspiro enorme vindo da caixa torácica mostrava que estava cansado, muitos dias viajando ou vagando na região.
— Nunca esperei tantas condolências em minha chegada. — Disse a criatura ironicamente. A voz grossa e alta desmostrava a valentia que possivelmente no homem havia, Praxila moveu seu corpo em direção a voz.
— O que procura forasteiro? Presumo que não veio colher frutas.
O homem riu com o deboche devolvido.
— Procuro por uma espécime mais peculiar que frutas, se consegue entender.
Praxila enrugou a testa por breves segundos, para novamente olhar desacreditada para o homem.
— Se veio caçar escolheu uma péssima época, a região é desabitada nessa fase do ano. Tem apenas peixes e algumas aves grandes.
O homem agora gargalhou, tirando dos trajes a imensa espada de ouro imperial a qual guardava. A espada tirada da bainha tintilou quando o retirou, e se pudesse descrever em cores, ela brilhava tão quanto o sol, e era de aparência tão imponente e rígida quanto os deuses.
— Sabe, deuses não costumam presentear mortais. Mas a poucos dias a saudosa Atena me encantou com essa beldade. — Disse, soberbo pelo presente que a deusa havia lhe dado.
— Isso não é de meu interesse, deixe-me em paz. — Pronunciou nervosa, sabendo a quem aquela espada forá feita. O homem usurpava por matar a sua amante, a próprio mando da divindade Atena.
— Refletida em uma mulher jovem e de aparência lascívia, Medusa carregava sobre os fios enormes serpentes no couro e possuía também presas de bronze afiadas na boca carnuda. As lendas e mitos gregos contavam que ela tinha o poder de transformar em estátuas de pedra as pessoas que trocassem qualquer olhar com a víbora... — Falou excitado, quase cantarolando os versos. O mito Praxila já havia ouvido de Medusa varias vezes em outros momentos, sobre o quanto a sua imagem forá injuriada, marcada por uma história que a colocava como megera sem sentimentos, mas tudo era uma grande farsa.
Medusa forá de fato sacerdotisa do templo de Atena, deusa da sabedoria. Forá também conhecida pela beleza exuberante, especialmente do cabelo. E como toda sacerdotisa, deveria manter-se casta.
Todavia, o que não foi compartilhado sobre essa fabula forá sobre o detalhe mais asqueroso de toda a lorota. Quando Poseidon, deus dos mares e dos oceanos, quis que ela fosse dele e, para isso, a atacou e violentou dentro do templo dedicado a deusa atena.
Atena, brava pelo fim de sua castidade, tomou este ataque como uma ofensa e puniu Medusa a maldição petrificante. Praxila não conseguia ouvir nunca o mito inteiro. Sempre enchia-se de uma cólera descomunal pela impunidade do deus, odiava todo o olimpo pela desgraça que causaram a Medusa, e prometerá um dia trazer sua vingança á amante.
A espada voou para o seu pescoço sem que ela ouvisse a sua aproximação. A veia pulsou acelerada e ela sentia o coração quase pular pela boca, o homem ameaçava mata-la ali mesmo.
— Me diga, achas que essa arma seria suficiente para matar aquela aberração? — Perguntou, e Praxila sentia o bafejar hediondo de sua boca proximo ao seu rosto.
— Vai aniquila-la com certeza. — Ela forçou um sorriso amarelo em seu rosto assustado, afastando-se sua garganta da arma frente ao corpo.
Colocando novamente a espada na bainha em um movimento ágil ele a ajeitou nos quadris. E tirando-lhe as forças quase extinguidas das cordas vocais para falar, ela ergueu a cabeça e disse:
— Qual seu nome?
E ele, que provavelmente a olhava de relance analisando constantemente a floresta, falou:
— Perseu.
E seu último pensamento era de que deveria correr para Medusa.
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