Capítulo 2
Na noite em que você dançou como se soubesse que nossas vidas
Nunca mais seriam as mesmas
Você manteve sua cabeça erguida como um herói
Em uma página de um livro de história
Era o fim de uma década
Mas o começo de uma era
Long Live - Taylor Swift
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Jiwas (criação própria): Também conhecidos como Sacerdotes, são seres que podem ter o poder de clarividência, mas são poucos os que a possuem. Também podem firmar contratos entre almas e essências. Dom que permanece no ser até mesmo depois da morte, transformando-os em seres sobrenaturais. Também possuem o dom de romper barreiras espirituais ou selos, lançar maldições e criar proteções usando amuletos ou outros meios. Qualquer ser pode ser um Jiwa/Sacerdote, mas é mais comum para um ser humano.
Younkee (criação própria): são espíritos viajantes, o papel deles é bem simples: levar o conhecimento mínimo de um universo a outro, permitindo que de alguma maneira cada sociedade avance, mas fazemos isso de maneira que pareça natural.
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Professor Yakumo: um Younkee pertencente a história "Hanshas" e com breve participação na história Kitsunes e Malphas.
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Acordei em um pequeno salão, perto de uma lareira. Sentia o corpo dolorido, o que significava que eu não estava morta.
Tentei levantar e escutei a voz reconfortante da Lucy falando para eu ficar deitada. Obedeci por poucos segundos, mas senti algo estranho. Eu estava de fato sentindo a presença dela quando eu claramente pedi para que ela ficasse em casa.
Abri os olhos e levantei num sobressalto que me fez cair do sofá em que eu estava.
– Hannah, eu falei para você ficar deitada – ela repetiu.
– O que você está fazendo aqui, Lucy?
– Você achou que eu fosse te deixar simplesmente?
– Mas porque você está realmente aqui!?
– Ah, isso... precisei vir. Você não lembra de ontem?
– Lembro de pouca coisa... lembro do Apollyon, de uma dor terrível. Tinha moradores no orfanato e eu tentei fugir. Depois disso eu não lembro de mais nada.
– Hannah... acho melhor você ficar calma para eu poder te explicar...
– Lucy, pela sua cara a história não é boa... quero um pouco de whisky.
– Tá bom, vou ver se consigo para você, está bem? – ela disse saindo do pequeno salão.
"Não gostei disso, ela nunca aceita simplesmente que eu beba, foi muito fácil". Ela voltou pouco tempo depois e disse que teria que buscar na cidade, agora não tinha nada por perto, mas que ir até a cidade demoraria muito, disse que tentaria achar um pouco de conexão de energia para poder trazer mais rápido.
– Eu tenho o chip não tenho? – falei indicando um ponto de conexão, mas quando eu coloquei a mão atrás da orelha, além de não encontrar o chip ainda senti um pequeno ferimento no meu pescoço, comecei passar a mão por aqueles dois furos um pouco mais altos que o normal e aquilo foi me deixando em pânico.
A Lucy que me conhecia bem já começou a falar antes que eu desse qualquer ataque.
– Hannah, as coisas saíram um pouco do controle, por favor, não faça nada. Eu vou trazer seu whisky o mais rápido possível.
Antes que eu pudesse falar alguma coisa, alguém bateu na porta do pequeno salão e perguntou se podia entrar.
– Entra Aruna – Lucy disse um pouco apreensiva.
Vi que um homem alto e com os músculos bem definidos entrava devagar na sala, ele tinha cabelos castanhos avermelhados e olhos da mesma cor do cabelo. Abaixei a cabeça instintivamente para não olhar nos olhos dele... ainda estava morrendo de medo da situação, por mais que eu não quisesse admitir.
– Calma, não vou te fazer nenhum mal – ele falou com uma voz agradável e eu me senti um pouco mais tranquila – Lucy, temos essa garrafa de brandy aqui, não sei se resolve. Não é whisky, mas acho que pode servir.
– Mmm, conhaque? Acho que serve certo, Hannah? – Lucy dirigiu a pergunta para mim.
– Serve, pode me dar um pouco?
– Pode ficar com a garrafa se quiser, não temos serventia para essa bebida em dias normais.
Tentei não imaginar o que seria um dia normal na vida deles, mas aceitei a garrafa, abri e bebi a goles largos da própria garrafa.
Vi que o tal de Aruna não estava acostumado a ver alguém beber desse jeito, já que me olhava com uma certa curiosidade.
– Tudo bem – Lucy disse tentando tranquilizá-lo – Ela é muito forte pra bebidas – notei a vergonha que ela sentia ao falar isso enquanto usava um tom de desculpas – Vou conversar com ela agora..., mas talvez fosse melhor o Rafael estar aqui, não?
– Não sei se ele vai ficar muito à vontade, mas posso chamá-lo se você quiser.
– Ele faz parte disso, assim que seria melhor explicar com ele junto. Eu não sei os detalhes, sei o básico só.
– Ei, eu ainda estou aqui sabia? – falei com a voz irritada antes de dar mais um longo gole no conhaque que tinham me dado.
– Uff... isso vai ser muito complicado – vi que a Lucy resmungava e pedia para o novo amigo dela sair de lá.
– Desembucha – falei olhando para ela – Vai ser mais fácil você falar de uma vez e sem esse tal de Rafael.
– Hannah, sei que você está irritada e não parece nada bem com a situação toda.
– Jura? Estamos cercadas de vampiros que não nos mataram não sei o porquê, mas que podem fazer isso em um piscar de olhos.
– Eles não são ruins, bom... são vampiros e precisam do sangue, mas eles te salvaram e fizeram um juramento de não nos matar – ela disse com um pouco de vergonha tentando defendê-los.
– Nossa, que consolo – respondi em um tom muito mais irônico do que eu desejava.
– Hannah chega! – Lucy falou de uma maneira firme. O que me deixou extremamente surpresa, ela não se alterava com facilidade – Você vai ficar aí quietinha e vai me ouvir. Bebe essa garrafa inteira se quiser, contanto que me escute e não me interrompa, entendeu?
– Entendi – disse realmente muito sobressaltada com essa mudança nela. Eu que era irritadiça e arrumava encrenca sempre, não esperava isso dela.
Ela então começou a narrar os acontecimentos da noite anterior desde o ponto de vista dos moradores do antigo orfanato e o que ela viu. Não demorou para eu encaixar as peças do ocorrido, mas como eu poderia estar viva ainda?
– Mas depois que eu apaguei, o Apollyon não se levantou mais?
– Claro que levantou, mas já era tarde demais para te levar.
– Tarde para me levar... – resmunguei colocando de novo a mão nas duas pequenas feridas do meu pescoço – mas eu não sou uma vampira, sigo sendo uma humana, sei que sigo estando igual. O que aconteceu então?
– Bom, agora vem a parte que eu não sei te explicar direito. Sei que o Rafael fez algum símbolo no chão, depois te deu um pouco do sangue dele pra você, te mordeu e logo em seguida surgiu esse símbolo no lugar da mordida.
– Símbolo? Que símbolo? – falei em pânico tentando sentir esse tal símbolo.
– Acho melhor você mesma ver – falando isso ela tentou me mostrar meu reflexo em um pequeno dispositivo eletrônico que estava com ela. Parecia uma espécie de tablet, mas eu não tinha certeza.
Tentei apertar os olhos para ver se eu enxergava melhor e foi quando eu vi claramente do que se tratava. Os dois furos que eu sentia estava ali no centro de um símbolo preto, como se fosse uma tatuagem que preenchia uma parte do meu pescoço. Uma triquetra tia Shao, um símbolo da eternidade. Eu havia sido ligada com o Rafael para sempre enquanto ele quisesse que essa ligação durasse. Como eles sabiam sobre esse símbolo?
Acho que minha expressão vazia e minha cara pálida foram muito visíveis.
– Maldição... – falei baixinho enquanto a Lucy olhava preocupada para mim – Com quem? Com esse Rafael?
– Sim, foi ele que te salvou. Hannah, o que esse símbolo significa?
– É um símbolo de ligação, pode ser feito de muitas maneiras. É uma magia Jiwa, os jiwas nem existem nesse mundo...
– E como você conhece isso então, Hannah?
– O professor Yakumo me falou sobre isso.
– Por que você permitiu Lucy? – voltei a perguntar.
– Eu não tinha o que fazer, eu tinha que te salvar e você mostrou nosso segredo pra ele.
– Eu fiz o quê!? – perguntei espantada e já não aguentando a tensão toda – Por que eu fiz isso?
– Acho que queria convencê-lo a te ajudar. Eu não sei... Tentei falar para você não fazer isso, mas não adiantou – ela estava claramente triste – Você sabe que eu confio em você. Com isso eu pude conversar com eles e eles fizeram o juramento de nunca nos atacar e nos permitiram ficar aqui. Vamos poder seguir a investigação e ... – antes que ela terminasse de falar o pequeno aparelho que parecia um tablet começou a apitar – Hannah, temos problemas!
Levantei sentindo o corpo pesar, mas tentei manter a postura.
– O que aconteceu? – eu me sentia sufocada, não tinha descanso e não tinha conseguido nem digerir a informação anterior.
– Acharam a casa que estávamos.
– O quê!? Como isso é possível! Mal chegamos aqui... – peguei a garrafa de bebida, eu precisaria dela, dei uma ajeitada no cabelo – Vamos Lucy, temos trabalho a fazer... agora!
– Hannah...
– Agora Lucy, não temos tempo para nos lamentar de nada, depois vou conversar com esse tal Rafael.
Fui indo em direção a porta tentando andar rápido apesar da dor e segui rumo ao salão grande e para a minha surpresa todos os 4 estavam na sala. Tinha alguma coisa errada com o meu pequeno "radar", ou eu estava realmente muito cansada, mas eu não tinha tempo para pensar naquilo.
Reconheci o homem do bar vindo na minha direção.
– Olha só, a boneca está de pé finalmente.
Dei mais um gole no conhaque que já estava um pouco abaixo da metade encarando-o.
– Don Juan, não tenho tempo para isso agora. Preciso de um poste de energia agora. Depois você continua com as suas gracinhas – falei passando pelo lado dele.
– Bem que você disse que ela era muito difícil – ele falou para Lucy.
– Sim... eu sinto muito – escutei Lucy se desculpando atrás de mim.
– Lucy, tenta achar esse maldito poste logo! – sentia todos os olhares para mim... eu não fazia ideia de qual deles era o Rafael, sabia o nome de apenas um deles, o tal do Aruna.
– Sinto muito te atrapalhar moça, mas para que você quer um poste de energia.
Olhei para quem estava falando, um jovem com o cabelo platinado e olhos tão azuis quanto o céu. Tinha uma vaga lembrança dele no sótão.
– Bom, acho que não faz sentido eu esconder nada aqui depois de tudo. Precisamos explodir uma casa que está sendo invadida e apagar qualquer rastro que me ligue a esse maldito orfanato que vocês chamam de casa.
– Orfanato? – perguntou o outro que estava quieto até então. Um homem bonito, como todos os demais (típico da espécie), cabelos castanhos claros, bem longos e lisos, com algumas mexas que caíam pelo rosto, preso em um rabo de cavalo baixo. Tinha os olhos castanhos claros e muito atentos. Olhando bem, tinha uma semelhança enorme com o Axl Rose quando ainda era jovem, tirando a parte do cabelo que era muito mais longo e as roupas, já que esse mantinha um traje muito formal para os dias de hoje. Os outros eu não sabia bem com quem comparar.
– Acho que essa explicação pode ficar para depois – respondi tentando não ser muito ríspida na resposta.
– Posso mostrar um gerador de energia aqui próximo – O jovem dos olhos azuis voltou a dizer.
– Obrigada – Lucy agradeceu antes de alguma resposta minha. Acho que ela sabia que eu não iria agradecer então aproveitou a situação.
Todos resolveram nos acompanhar. Acho que a curiosidade deles estava realmente grande, ou estavam tentando garantir que não íamos fazer nenhuma besteira.
Assim que chegamos no gerador, Lucy colocou seu aparelho no chão, fez um selo para puxar a energia do gerador ligando a energia no aparelho e usou as duas mãos para abrir uma tela no ar. Pudemos ver todas as câmeras da casa. A bomba estava em contagem regressiva já, e tinha duas mulheres tentando desconectar os computadores.
– São elas Lucy, elas realmente nos acharam. Explode a casa.
– Hannah, é a Kalimy e elas estão lá dentro.
– Eu sei – levei os olhos pra cima na tentativa de manter as lágrimas no lugar, eu havia crescido com a Kalimy, mas infelizmente, eram elas ou nós – Lucy se elas saírem vão sair com toda a informação e acredite, a cidade inteira estará em perigo. Explode a casa. Prefiro ter o sangue delas nas mãos do que de milhares de jovens depois.
Ela apenas acenou com a cabeça e deu o comando para a explosão instantânea. Assim que eu ouvi a conclusão da explosão e vi que as câmeras foram desativadas eu não aguentei mais meu corpo. Abaixei na tentativa de conseguir respirar melhor e fazer com que a tensão me abandonasse.
Apesar dos vampiros não terem nada a ver com o que tinha acabado de acontecer, vi que todos eles estavam muito interessados em saber o que tinha acontecido ali e enchiam a Lucy de perguntas. Ela tentava esquivar das perguntas falando que não poderia falar nada sem a minha autorização.
Apenas um deles estava de canto, olhando direto para mim, o que se parecia ao Axl jovem. Até que ele resolveu se aproximar e me ajudar a levantar. Ele não disse nenhuma palavra. Eu agradeci e tentei manter a voz firme, mas ela estava um pouco rouca. Talvez pelo cansaço.
– Lucy, apaga o nosso rastro. Tira o orfanato do mapa do governo. Garanta que ninguém aqui estará em perigo em momento nenhum.
– Hannah, achei que...
– Lucy, não fala mais do que deveria, por favor. Não quero que nada aconteça com você – meus olhos se encheram de lágrimas ao falar isso, vi que todos estavam finalmente quietos, mas eu não tinha forças para continuar o assunto.
– Garanta que ninguém nunca vai descobrir minha relação com essa casa e com eles – falei mais uma vez e me virei para sair dali. Cada passo era uma luta. Eu precisava descansar, meu corpo ainda doía e eu queria muito tomar um banho. Eu estava banhada de sangue seco e minha roupa cheirava mal. Depois que eu conseguisse relaxar um pouco eu poderia descobrir com quem eu havia criado um vínculo infinito e colocar as ideias no lugar.
"Como isso foi acontecer? Nada, nem ninguém pode estar relacionado comigo. Já é muito difícil manter a Lucy segura, mas ela corre sempre o mesmo perigo que eu. Eu sou uma bomba relógio, não quero ferir mais ninguém... Não gosto de vampiros, muitos tiram a vida dos humanos, mas não quero ser a responsável pelo sofrimento deles... O que eu faço agora?"
Esses e muitos outros pensamentos ficavam vagando na minha cabeça. Eu fiquei sentada no chão do grande salão mesmo após ter acabado com a garrafa de bebida que seguia na minha mão. Estava sem forças para ficar de pé. Sentia uma tristeza profunda e não sabia dizer o porquê.
Encostei a cabeça na parede e mantive os olhos fechados, lembrando dos dias infernais que passamos nesse mesmo lugar. Lembrei do meu pai, dos experimentos, das jovens mortas e descartadas. Coloquei a mão no peito, como se isso fosse amenizar o monstro que eu era. "Apollyon está com a razão, eu não deveria estar viva... Estou com sono, não posso dormir aqui, não confio neles... não posso dormir aqui assim..."
Acordei um tempo depois com alguém me chamando.
– Hannah, seu nome é Hannah, certo?
Acordei um pouco zonza com tudo, vi que era o homem de cabelos castanhos claros e longos.
– Vamos, vou te mostrar aonde você vai dormir. No quarto tem um banheiro se você quiser tomar banho. O quarto da sua irmã fica do lado do seu.
Ele me ajudou a levantar, não sorriu nenhuma vez e só voltou a falar quando eu já estava no quarto.
– Espero que você entenda a situação em que você está – ele disse enquanto me olhava com uma certa severidade – Se qualquer coisa acontecer com os moradores dessa casa, eu te mato. Estávamos bem até você chegar e não vou deixar que uma metida a alquimista acabe com isso, entendeu?
Eu quis responder a altura, mas ele tinha razão em partes. Não no quesito do orfanato, já que era óbvio que eles haviam invadido o lugar, mas eu sabia bem o que era não poder ter um lugar para morar. Não pude ser grossa. Apenas concordei com ele. Ele não estaria nessa situação se não fosse por mim.
– Não se preocupe, não vai acontecer nada com os moradores daqui. A única coisa que eu preciso são das pesquisas dos meus pais e depois disso eu posso sumir.
– Você sabe que não pode mais sumir, acho que você já entendeu essa parte. Ainda assim espero que não tenhamos problemas com você. Conversaremos quando você estiver descansada – ele falou isso e fechou a porta.
Eu não sabia o que pensar, não podia nem pensar em tomar banho já que eu não tinha roupas aqui, o que na verdade foi resolvido muito rápido.
– Hannah, é a Lucy – escutei ela batendo na porta. Assim que eu abri vi que ela estava cheia de sacolas.
– O que isso? – perguntei
– Bom, precisávamos de roupas, então peguei algumas.
– Você roubou essas roupas no meio da noite?
– Você fala como se nunca tivéssemos feito isso – ela deu de ombros – Claro que não roubei Hannah. Deixei uma boa quantidade de dinheiro na loja. O dinheiro pagaria até mais pelas roupas. Será que é valido pagar as roupas com dinheiro roubado?
– Você não tem jeito, né? – disse até achando graça na situação.
– Vamos, sei que você está louca para tomar banho. Vou trancar a porta e você vai para o banho enquanto eu arrumo as coisas aqui para você.
Não pensei duas vezes e entrei no banho. Tinha uma banheira muito bonita e a água quente me relaxou. Claro que eu não entendia como podia haver energia elétrica e água aqui sendo que eles não eram donos do lugar, mas sinceramente isso não era nem um pouco importante no momento.
Saí do banho e coloquei uma roupa confortável que a Lucy havia comprado. Como sempre minha irmã sabia quando eu estava cansada ou indisposta e apenas me deu boa noite. Disse que estaria no quarto a esquerda do meu e fechou a porta.
Apesar da insegurança que eu tinha, acabei pegando no sono em questões de segundos e para a minha surpresa, acordei somente duas noites depois. Já totalizavam 4 noites aqui nessa cidade e eu ainda não tinha resolvido nada.
Na noite em que acordei, eu estava tão faminta que não conseguia pensar em outra coisa a não ser em comer. Fui até o quarto da Lucy, mas ela não estava lá. Resolvi andar pela casa para procurar por ela. Desci até o salão principal e não encontrei ninguém. Estava tudo muito silencioso. Tentei achar a cozinha revisando minhas recordações, mas a cozinha era um lugar aonde ninguém ia quando eu morava aqui. Resolvi sair até o jardim e encontrei a Lucy ali, conversando com o moço jovem de olhos azuis. Fui até onde ela estava e escutei que ele resmungava algo, mas não consegui entender o que era.
– Lucy, estava te procurando.
– Ah, Hannah, deixa eu te apresentar agora formalmente. Esse é o Elon. E adivinha só? Ele entende muito de tecnologia também! – ela parecia animada ao falar dele e aquilo me deixou incomodada.
– Prazer, Elon – falei sem muita vontade – Lucy, e então? Acho que eu dormi muito. Precisamos voltar para os nossos afazeres.
– Credo Hannah, você precisava descansar. Bom, pelo que eu entendi é normal depois de...
Percebi que ela evitava falar aquilo e não sei se eu estava preparada para ouvir.
– Que seja – eu disse, meu humor não melhorava nunca e parecia estar um pouco pior agora – Eu estou com fome, vamos voltar para a cidade para comer alguma coisa.
– Eh, Hannah, você já falou com o Rafael?
– Eu nem sei quem é ele ainda, mas o que isso tem a ver com irmos comer? – perguntei.
– Então, acho que ele precisa tirar a barreira para irmos, mas eu comprei bastante coisa para a gente. Elon, me desculpa, vou acompanhar minha irmã até a cozinha, ok?
– Tudo bem, espero conversar logo com você de novo. Na verdade, eu já estou ficando com fome também.
Olhei de relance para ele e notei que as presas estavam bem afiadas. Preferi sair logo dali, não sabia exatamente quem seria o seu próximo banquete e não queria descobrir.
Fomos até a cozinha, que no fim das contas era uma divisão com o salão principal e ela começou a fazer um lanche para nós duas.
Ela tentava se manter animada o tempo todo, parecia estar sempre de bom humor e eu amava isso nela, mas eu sabia que ela estava escondendo algo importante de mim e eu queria saber o que era.
– Lucy, sei que você está se esforçando muito. Por que não me fala de uma vez o que está acontecendo?
– Bom, é que... acho melhor você conversar logo com o Rafael.
– Por quê?
– Então, nós não sabíamos quase nada sobre a ligação de triquetra tia Shao. Só sabíamos que os dois seres passariam a estar ligados para sempre e o que foi salvo adquiria essa tal dívida eterna. Mas acho que é bem mais profundo que isso.
– O que você quer dizer?
– Resumindo, ele precisa te permitir sair de perto dele... – ela falou meio que entre dentes, mas eu entendi perfeitamente.
– Você não pode estar falando sério, Lucy! Como vamos seguir o plano agora? – pronto, minha cabeça tinha voltado a dar voltas. Enquanto pensava acabei comendo três lanches e a minha fome parecia não ter passado em nada. Aquilo estava me deixando angustiada também. Passei a sentir o cheiro do sangue da Lucy. Um aroma de ferro, mas adocicado ao mesmo tempo e principalmente, muito chamativo.
Tentei tirar isso da minha cabeça, resolvi deixar a comida de lado e tentar fazer alguma coisa útil até que eu pudesse falar com esse tal Rafael.
– Lucy, vou até a biblioteca. Tem um livro lá sobre alquimia e acho que podemos encontrar alguma coisa nele... Caramba, como eu queria um Whisky...
– Tudo bem, eu vou voltar a hacker o resto dos servidores. Consegui apagar todo o nosso rastro, também apaguei a localização do orfanato, mas ainda tem coisas que podem estar faltando. Preciso ter certeza de tudo.
– Já conseguiu equipamentos?
– Já sim, aproveitei bem enquanto você descansava – ela disse sorrindo.
Eu sorri de volta e me despedi e fui em direção a biblioteca, para a minha sorte estava vazia. Dei uma olhada nas gavetas, achei alguns poucos rabiscos, mas nada que pudesse ser dos meus pais, aquele papel que eu havia visto no primeiro dia havia desaparecido. Resolvi então pegar o livro de alquimia para ver se eu encontrava alguma coisa ali.
Achei algumas coisas interessantes, mas nada sobre a pedra da eternidade. Apesar de nada que pudesse de fato me servir para o que eu buscava, ali tinha lições uteis sobre manipulação dos elementos. Coisa que poderia ser útil na hora de enfrentar meu pai e suas seguidoras. Me aprofundei na leitura o máximo que eu pude.
– Aí está você! – escutei a voz do homem que me ajudou a ir para o quarto. Eu sabia que ele ou o Don Juan seria o Rafael, mas eu não tinha coragem de perguntar. Não sabia qual dos dois era pior.
– Ah, oi – eu respondi tentando voltar minha atenção para o livro.
– Vejo que já descobriu um grande tesouro para você alquimista.
– Sim, é um ótimo livro – ele mal havia entrado e já estava me irritando.
– Acho que você me deve algumas explicações – ele continuou com a mesma voz arrogante – e as quero agora.
– Devo, é? – eu sabia que devia explicações pra todos eles, mas detestava esse tom de voz.
Ele me olhou com os olhos afiados e descobri que as presas dele estavam bem afiadas também, o que mostrava o tamanho da fome dele. Eu respirei fundo e continuei.
– Muito bem, o que você quer saber?
– Primeiro, o que você veio fazer aqui?
– Essa é uma pergunta muito simples, esse lugar pertenceu aos meus pais. Assim que sou a dona legítima do lugar. Vim porque preciso das pesquisas deles.
– Claro, uma alquimista buscando mais poder.
– Não fale como se você soubesse alguma coisa de mim, está bem? – falei aumentando a voz.
– Não é de você, falo de todos os alquimistas arrogantes que sempre pretendem ser mais que qualquer outro ser. Claro, você sendo uma alquimista é bem possível que também seja assim.
– Olha só quem fala, não é, vampiro? Um ser que mata os seres humanos para viver. Acho que não somos muito diferentes, não? – a acusação dele era injusta, eu poderia explicar o porquê queria as pesquisas, mas não com ele falando nesse tom de voz.
Acho que eu abri alguma ferida, porque vi ele ficar com muita raiva. Ele veio na minha direção e eu acabei me levantando da cadeira com um certo impulso. Fiz uma pequena chama na palma da mão para me defender e ele apenas riu.
– Vamos, continue... Vamos ver quem vai sentir mais dor após você lançar isso – ele disse chegando mais perto.
– Você é o Rafael? – perguntei com a voz agora tomada pelo medo.
– Olha, você finalmente resolveu perguntar – os olhos dele continuavam inflamados pela raiva.
Me vi encurralada contra uma prateleira de livros, tentei fugir pelo canto, mas ele foi mais rápido mais forte e obviamente conseguiu me segurar.
Não tive tempo para pensar, só senti uma dor terrível no ombro. Ele me segurava de um jeito que eu não conseguia me mexer. Sentia meu sangue quente escorrendo. Não sei dizer o quanto isso durou, para mim pareceu uma eternidade, e quanto mais eu tentava me mexer, mais firme ele me segurava.
Do mesmo jeito que ele começou, ele parou, me soltou, virou as costas e saiu. E eu apenas caí sentada no chão ainda sem saber o que fazer. Rasguei uma parte da minha roupa e fiz força para estancar o sangue. Me sentia um pouco fraca, mas algo estranho havia passado: aquela fome terrível que eu estava sentindo havia sumido e me senti finalmente saciadade.
"Isso é só coisa da minha cabeça", foi o que eu repeti várias vezes, mas eu já sabia que aquilo não era uma coincidência. Já havia vivido tempo suficiente para não acreditar em coincidências como essa.
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