Capítulo 17
O dia havia chegado, eu me sentia nervosa e inquieta, não havia conseguido dormir durante o dia todo. Todos me falavam que eu iria conseguir, mas isso só aumentava a pressão que eu estava sentindo. Tinha medo de decepcionar todos, especialmente Lucy que havia percorrido esse caminho todo comigo.
Andei pelo orfanato sozinha por um tempo, todos estavam dormindo ainda, menos o Apollyon e o Matteo. O sol ainda estava alto no céu e resolvi ir um pouco para o jardim.
Sentir o sol quente na pele me fez bem. Fazia muito tempo que eu não saía durante o dia. Havia me esquecido como era relaxante poder me sentar em um banco sentindo o sol bater no rosto. Sabia que eu poderia falar com o Matteo, que ele me escutaria, mas nesse momento eu realmente precisava ficar sozinha, então, quando o vi se aproximar eu apenas o cumprimentei, pedi desculpas e disse que precisava ir me preparar. Estava muito cedo para isso, mas precisava ficar sozinha com os meus pensamentos.
Já não tinha mais o jardim para me acalmar, então preparei um banho. Fiquei quase uma hora na água morna escutando um pouco de música. Adorava um rock clássico, mas preferi colocar Franz Schubert - String Quartet No.14 em D menor. Fazia muito tempo que eu não ouvia música clássica, acho que eu havia sido consumida pelos tempos modernos, mas a música clássica nunca deixou de ter o seu encanto e muitas vezes eu me perguntava se não era esse o motivo de eu gostar tanto do rock clássico. Uma mistura de instrumentos clássicos com uma voz mais moderna. Era bom sair das minhas preocupações e pensar nas músicas e nos músicos que eu acompanhei ao longo do tempo. Eu não havia sido sempre essa pessoa preocupada sem nenhum tempo para diversão. Fui em muitos shows do Queen e realmente sofri quando o Freddy Mercury morreu. Não gostava de perder um bom show do Pink Floyd e sempre pedia por mais The Clash. Ao longo dos anos meus gostos sempre mudavam. Já escutei de tudo nessa vida e apreciei muitas obras. Meus pequenos momentos como uma pessoa normal, mas eu sempre tive em mente a minha responsabilidade de encontrar uma saída para essa situação. As vezes sentia uma pontada de tristeza por não ter ido nos concertos de Mozart, ele havia sido um músico incrível, mas nessa época eu ainda era uma mera cobaia nas mãos dos meus pais.
Pensava nisso e em muito mais coisas até que comecei a sentir frio, havia ficado na banheira até que a água esfriasse completamente. Saí, me vesti com uma roupa confortável. Sabia que precisava estar tranquila na hora do procedimento.
Desci para o salão e encontrei a Lucy que parecia tranquila vendo alguma coisa em um de seus notebooks. Me sentei ao lado dela.
– Lucy, como você está? – perguntei puxando assunto.
– Estou um pouco nervosa, sei que você vai conseguir, mas e depois disso?
– Depois disso vamos esperar para que o Apollyon volte com respostas do submundo. E vamos também montar nossa tática e treinar. Faz tempo que não temos uma boa luta.
Ao ouvir essa última frase o rosto dela se iluminou. Nunca soube o porquê gostávamos tanto de treinar juntas. Sempre nos machucávamos, mas era gratificante. Talvez realmente tivéssemos nascido para sermos máquinas de guerra.
– Tenho uma nova técnica que vai te surpreender – ela disse se animando – Tenho certeza de que ganho de você na próxima.
– Estou ansiosa para ver o que você preparou para mim – disse com um sorriso muito sincero.
Esperamos até que o Matteo e o Apollyon estivessem com a gente. Os outros apenas passaram desejando boa sorte. O melhor seria eles não estarem no laboratório, não sabíamos o que poderia dar errado.
– Não lembro desse colar Hannah – O Matteo disse pegando com a ponta dos dedos o colar que estava no meu pescoço.
– Ah, não é nada demais, é só um colar – eu disse tentando disfarçar, havíamos decidido continuar mantendo em segredo o que tínhamos, inclusive dos nossos amigos, mas o Matteo seguia sendo curioso e cauteloso.
Eu sabia o quanto ele detestava a relação aberta da Lucy com o Elon. Sabia que ele não tinha direito a me dizer nada, mas não queria colocar uma tensão extra nos ombros dele agora e também tinha medo de que alguém conseguisse essa informação de alguma maneira.
– Sei... – ele disse claramente desconfiado.
– Todos prontos? – eu disse mudando de assunto – Todos lembram o que precisam fazer, certo?
– Sim, eu vou montar campos de teletransporte caso a situação exija uma evacuação imediata e manterei os campos abertos até que você me dê o sinal – Lucy começou.
– Eu estarei atento a qualquer indício de que ela esteja morrendo para poder interferir caso seja necessário – Apollyon continuo.
– Eu estarei como seu auxiliar e estarei no controle do corpo dela – Matteo concluiu.
– Ótimo, então vamos levar ela até a mesa – eu disse tentando manter a calma.
Quando ela apareceu com o Matteo, ela tinha um olhar desesperado, na qual eu preferi não ficar vendo. Aquilo me tiraria a coragem. Ele aparentemente mandou ela não falar nada e nem reclamar, mas ela foi o caminho inteiro com lágrimas nos olhos.
Ela obedientemente se deitou na mesa e a prendemos com as correias da própria mesa. Eu detestava fazer aquilo, porque já havia passado por aquela situação e experiência inúmeras vezes.
Eu sabia o que tinha que fazer e havia treinado inúmeras vezes isso desde que eu descobri como extrair as pedras. Ela tinha uma pedra com a essência do vento e uma outra pedra que eu acreditava ser essência de um vampiro, não queria falar isso para os meninos, mas havia conseguido um pouco do sangue do Rafael através do colar e isso iria me ajudar.
A única coisa que eu precisava era ativar os selos de uma maneira reversa. Ao invés de expulsar o poder, eu deveria atraí-los. A Lucy foi essencial para me ensinar a fazer isso, já que essa era uma técnica muito usada por ela.
Com tudo pronto, abri a pequena gota com um pouco de sangue dele. Só um pouco estava bom, não faria falta e voltei a fechar o colar. Desenhei o selo na palma da mão com o sangue no meio. Era o único selo que eu tinha que ativar de modo manual. Com um pouco de medo, mas querendo terminar logo, eu passei a usar o selo de maneira reversa.
– Agnes, me perdoa! Isso vai doer – a pedra era puxada como um imã e eu sabia que acabaria rasgando todos os tecidos do corpo dela que estivesse no caminho.
Meu primeiro passo foi identificar em que parte do corpo eu sentia a essência da pedra com uma presença maior e a segunda era retirá-la. Identifiquei a primeira pedra com a essência de algum vampiro entre a clavícula e o ombro. Comecei a extração assim que a identifiquei. Agnes gritava e chorava e eu tinha vontade de chorar junto. Não conseguia culpá-la apesar da raiva que eu tinha sentido esse tempo todo. A extração não durou mais que 20 minutos, mas ficava imaginando 20 minutos de dor e quando a pedra saiu, veio jorrando sangue da ferida que havia aberto. Estanquei o sangue com um pano limpo e seguia me segurando para não chorar. Manter o controle em uma situação dessa era difícil, mas uma coisa eu tinha certeza, eles estavam sacrificando mais vampiros para faze as pedras e talvez daí viesse essa rapidez toda que eu havia notado nela.
Todos estavam concentrados no que tinham que fazer. Matteo era bem ágil na hora de me ajudar. Limpei a mão e ativei meu selo do vento. Eu suava frio, queria simplesmente sair dali, mas sabia que essa não era uma opção.
Comecei a identificar onde eu sentia a presença da pedra do vento. A senti próximo a vesícula e fígado. Eu tentei me lembrar de tudo o que eu tinha estudado sobre anatomia. Eu não podia perfurar um dos órgãos dela, não tínhamos estudos o suficiente para ajudá-la caso fosse necessário. Eu não poderia fazer a extração de qualquer jeito. A Pedra não parecia grande, o que era uma vantagem, talvez eu devesse tentar mover a pedra com calma. Isso demoraria muito mais tempo do que estava planejado. O jeito era passar a pedra entre o fígado e o rim. Mas queria alguma coisa para me certificar de que não estaria perfurando seus órgãos. Estava com medo e não conseguia me decidir a começar a fazer a extração. Bebi um pouco de água e limpei o sangue que havia escorrido para a mesa. Agnes continuava chorando, mas não reclamou.
– Matteo, libera ela para ela falar e xingar por favor – eu estava agoniada com aquilo, talvez berrar e xingar aliviaria o sofrimento dela.
– Eu não a proibi, tanto que ela gritou com a dor – foi a resposta dele, o que me fez sentir ainda mais pesar por ela.
– Vou começar a extração da segunda – eu disse mais para mim mesma que para os outros.
O selo do vento já estava ativado a um tempo, então apenas me concentrei para fazer a reversão. Escutei ela gemendo de dor e chorando, mas dessa vez sem gritar. Ela suava muito, a dor parecia insuportável, mas ela ainda assim não falava nada.
Eu estava fazendo o mínimo de movimento possível, já tinha mais de uma hora quando Apollyon começou a se aproximar.
– Hannah, a pressão dela está caindo muito.
Aquilo me deixou nervosa.
– Vamos Agnes, aguenta, por favor – eu resmungava tentando não entrar em desespero.
Quando ela começou a ficar branca e sem reação eu parei a extração e pedi a morfina que havíamos separado para parar a dor. Não sabia se funcionaria, mas estava torcendo para que sim.
Tentei identificar onde estava a pedra, queria saber se ela já estava próxima a pele ou não.
– Agnes, não se entrega – eu ouvi o Apollyon gritar – Já está acabando.
Quando eu senti que a pedra estava já praticamente entre as costelas dela, eu resolvi fazer de uma maneira rápida. Aquilo estava me desesperando. Assim que eu extraí a pedra, ela apenas suspirou bem de leve.
– Não, Agnes não! – Apollyon gritava. Eu me sentia nervosa e não fui de muita ajuda, já que a única coisa que eu fazia era ficar olhando paralisada para o corpo dela ali quase sem vida.
Felizmente o Matteo que pareceu centrado o tempo todo, tirou uma seringa com adrenalina e aplicou nela. Ficamos esperando para ver se funcionaria ou não. Estávamos todos apreensivos nos poucos segundos que passaram. Ela voltou a respirar com um pouco mais de ritmo e finalmente pudemos soltar a respiração também.
– Pensamento rápido, Matteo – foi apenas o que Apollyon, ainda desesperado, conseguiu dizer.
Fechei a ferida com rapidez, para que ela não perdesse muito sangue e fizemos os devidos curativos nas feridas. Como eu não tinha pontos ali comigo, eu cauterizei a ferida com um pouco de fogo, torcendo para que isso não piorasse a situação.
Quando terminamos, o próprio Matteo, que era o mais tranquilo de todos, acompanhados pela Lucy que tinha acabado de desfazer os pontos de teletransporte, a levou para o quarto no colo mesmo.
Eu me deixei cair no chão, no meio do sangue que que ela tinha perdido e fiquei ali parada, não sei dizer por quanto tempo, acredito que por pouco tempo, já que vi que o Apollyon saia e os 4 que haviam ficado de fora da operação entravam.
O Aruna e o Elon pararam na porta e voltaram, talvez pela quantidade de sangue que havia no laboratório. Enquanto o Bae e o Rafael se aproximaram de mim. Senti uma pontada no estômago, que indicava que o Rafael já estava com fome de novo. Não levantei a cabeça para vê-los chegar. Meu corpo todo pesava, a tensão não havia diminuído. Minhas mãos tinham começado a tremer. As duas pedras continuavam no balcão próximo a mesa que a Agnes estava.
Os dois pararam na minha frente, mas quem fez a primeira pergunta foi o Bae.
– Você está bem?
– Uhum – era o máximo que eu conseguia responder querendo dizer que estava. Era estranho ver ele tão sério, não adicionou nenhum apelido na frase, isso chegava a ser estranho e me deixava ainda mais nervosa.
– Hannah, vamos... você precisa sair daqui – Rafael disse fazendo menção de me pegar pelo braço, mas desistindo no minuto seguinte. Provavelmente porque meus braços eram os que mais estavam sujos com o sangue dela.
– Não consigo – eu respondi – Podem ir, não se preocupem comigo.
– Vamos Hannah, deu tudo certo. Agora ela só precisa descansar – foi a vez do Matteo dizer enquanto voltava pela porta do laboratório.
Não respondi, ficava lembrando do rosto sofrido, dos gritos, das lágrimas escorrendo... eu havia feito aquilo com ela.
Conseguia ver a perna deles, vi que o Bae se aproximou do Matteo. Matteo havia pegado as duas pedras e estava lavando-as agora.
– São feitas de que? – Bae perguntou para o Matteo.
– Não sei, sei que essa menor é feita com os elementos do vento. Mas essa que tem a cor mais forte eu não sei... nunca havia visto uma pedra com um vermelho tão forte assim – Matteo falou, ele realmente estava mais próximo dos meninos e isso era bom.
Eu me estremeci quando começaram a falar da pedra com a essência de vampiro. Será que eu deveria falar para eles? Vi que o Rafael continuava de pé na minha frente. A dor no estômago começava a ficar mais forte e sabia que ele estava fazendo o mesmo esforço que ele sempre tinha feito quando estava próximo a mim, mas dessa vez era pior, ele conseguia ver e sentir um cheiro mais forte do sangue.
– Hannah, nós temos que sair do laboratório – Rafael falou com a voz calma.
– Me dá uns minutos, eu já saio. Podem ir – eu respondi com a voz tremida e falha.
Dessa vez eles realmente saíram, eles sabiam que não poderiam continuar ali. A única que poderia ser atacada era eu no fim das contas.
Quando eles saíram eu me senti um pouco mais leve. O nervosismo foi dando lugar a revolta.
Ativei os 4 selos dos elementos básicos de uma vez, o que fez com que eu liberasse uma quantidade significativa de energia das pedras. Levantei e lançava rajadas de ventos pelo laboratório que ia se destruindo. O barulho deve ter chamado a atenção de quem estava perto e escutei a voz da Lucy gritando meu nome. Assim que ela chegou na porta eu apenas lancei mais uma rajada de vento contra a porta para que ela fechasse. Ouvi ela gritando do lado de fora e mais passos chegando aonde eu estava, mas eu estava disposta a destruir todas as lembranças que eu tinha daquele lugar, inclusive a última. Tudo no laboratório foi destruído. Até mesmo o cheiro de putrefação foi sumindo com a fumaça de alguns pontos de fogo. No fim eu apenas apaguei o fogo que tinha ficado com a água e destruí significativamente algumas partes da sela onde a Lucy havia ficado com o meu selo de terra. A Lucy continuava chamando meu nome do outro lado da porta e escutava passos que iam de um lado para outro. Sentia a presença do Apollyon ali do lado de fora também. Ele poderia entrar a qualquer momento, mas não o fez. Talvez porque ele não sentisse um perigo eminente contra a minha vida para isso.
Após tudo destruído eu fui em direção porta e tive que usar uma certa força para abrí-la de novo. Dei de cara com a Lucy que me olhava assustada. Eu apenas sorri e a abracei. Ela parecia não entender o que estava acontecendo, mas me abraçou de volta.
Aquilo havia me acalmado. De certa maneira, aquele local fazia parte dos meus pais e acabar com ele me trouxe uma pequena paz, que poderia ser momentânea, mas ainda assim era um bom sentimento.
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