Capítulo 4: O homem que sabia demais
AVISO: Este capítulo contém uma cena mais violenta.
— Luke...? – Lucy o encarava atônita após sacudi-lo levemente. – Luke, o que está dizendo?
O jovem albino pareceu voltar à realidade e encarou, confuso e com olhos arregalados, a irmã:
— Lucy...? Aconteceu de novo, não foi...?
— Aconteceu. E você repetiu a mesma coisa do tal dragão pela terceira vez em dez dias.
— Eu realmente preciso ver o Mago Negro, porque isso coincide de acontecer toda vez que penso na situação do Max. Eu sinto que isso é um aviso, assim como sinto que tudo o que houve com ele foi por conta de alguma armação.
— Só que sentir ou ter suspeitas não é o mesmo que garantir que o Max não seja um usurpador como o tal Edwin disse.
— Eu sei, Lucy. – o jovem suspirou. – Isso não é argumento suficiente para livrá-lo das masmorras. E seja lá do que o aguarda, porque ele é considerado como usurpador, sem que se haja provas... Se é que essas provas não foram inventadas.
— Quando se é uma determinação real, não há questionamentos. Esse tal Edwin está usando de sua prerrogativa de rei, sua palavra é lei.
— O Max está em perigo. Ele pode até mesmo ser executado, dependendo da acusação que fizerem.
— Ou o exílio... Ou a morte.
— Ou o exílio... Ou a morte – Luke repetiu. – E não podemos ficar parados.
— O que pensa em fazer?
— Vou até o Mago Negro. – o jovem albino se levantou. – Não posso esperar até o dia que recomeçar meu treinamento com ele. Terei que interromper os dias de reclusão que ele tem anualmente para poder me ajudar. Temos um amigo em apuros e precisamos agir de algum modo.
— Mas estamos sob total vigilância, como vai burlar os cavaleiros na saída?
— Darei o meu jeito, maninha... – o jovem aspirante a mago deu um sorriso travesso. – Você vai ver.
Após dizer isso, o jovem foi até seus aposentos, acompanhado por sua irmã. Ao entrarem, ambos combinaram algo e começaram a arrumar a cama de Luke, usando travesseiros e alguns cobertores grossos, para depois jogarem por cima de tudo isso mais dois cobertores. Em seguida, abriram devagar uma das janelas, por onde o rapaz saiu.
Lucy rapidamente fechou a janela e as cortinas, deixando o cômodo na penumbra. Com calma, saiu do quarto e encontrou Alphonse, que perguntou sem muita delicadeza:
— Posso saber o que estava fazendo no quarto de seu irmão?
— Ele se recolheu aos seus aposentos. – a albina deu de ombros. – Teve um mal-estar e eu o amparei até lá.
— Talvez seja melhor administrar-lhe um chá. – o castelão sugeriu.
— Não será necessário. – Lucy respondeu secamente. – Meu irmão só precisa descansar, ele esteve praticando magia por conta própria durante a reclusão de dez dias do Mago Negro. Foi apenas exaustão, não acho conveniente perturbá-lo enquanto ele está dormindo. O senhor sabe que ele tem essas crises de tempos em tempos.
Alphonse assentiu meio contrariado.
― Está bem. – disse. – Eu só aconselho a senhorita a ser menos rude.
― Sinto muito pelo meu comportamento. – ela se desculpou, embora sem qualquer sinceridade. – Essas mudanças repentinas me deixaram um pouco tensa.
― É compreensível. Todos estamos tensos, mas certamente Sua Majestade, o Rei Edwin, fará com que este reino seja cada vez mais próspero.
*
Adentrou a grande biblioteca do palácio, a qual possuía um grande acervo de livros e manuscritos, dos quais uma parte era bastante antiga. No entanto, não era isso que procurava. Sem fazer barulho, fechou devagar a porta atrás de si e, sorrateiramente, caminhou por entre as estantes envernizadas. Normalmente, não andaria de forma tão cautelosa para buscar algum livro, porém suas razões para estar lá pediam por esse cuidado.
Sobretudo porque agora todas as paredes do palácio poderiam ter olhos e ouvidos bem atentos. Um deslize poderia ser fatal por conta de seus propósitos. No mínimo, seu cargo no alto escalão estava em risco... Mas o que mais estava realmente em risco era a sua cabeça.
Ambrose foi até a estante que desejava e, dela, tirou um grande e grosso livro. Ao ver que era aquele o volume que procurava, saiu silenciosamente da biblioteca e rapidamente foi aos seus aposentos, chegando a eles sem ser notado. O conselheiro foi até a lareira da antessala e remexeu as brasas, que se acenderam assim que ele colocou mais um pedaço de lenha, que crepitava ao ser consumida lentamente pelas chamas que espantavam o frio.
Sentou-se à sua mesa em um canto do cômodo, que dispunha também de duas cadeiras de espaldar alto e, em uma das paredes, havia uma pequena estante na qual ficava seu acervo particular, além de alguns manuscritos. As cortinas de veludo verde-escuro estavam presas nas laterais da janela, que revelava, através dos vidros, a paisagem branca de mais um dia gelado de inverno.
Certamente o jovem príncipe Maximilien estaria tiritando de tanto frio em uma das geladas celas das masmorras... Quanto mais comparava os traços do suposto "usurpador" com os de Edwin, o atual rei de Ekhbart, mais certeza tinha de que havia algo muito errado.
Supunha-se que os filhos deveriam ter alguma semelhança com os pais, certo? Teoricamente, sim. Porém, na prática, o rei Edwin não tinha qualquer semelhança com o falecido rei Edward. As únicas características em comum eram a cor dos cabelos e a cor dos olhos. E só.
Mesmo assim, não era possível afirmar com exatidão se ele era realmente o primogênito de Edward ou não, pois não convivera com Gladys. Antes de se tornar um conselheiro escolhido a dedo pelo rei, ele era um jovem que só havia visto a primeira esposa de Edward de longe. Mesmo tendo uma boa memória para guardar rostos e associá-los a nomes, não costumava fiar-se somente a isso, pois sabia que era suscetível a equívocos.
Por essa razão, trouxera da biblioteca aquele livro. Não era um livro qualquer, era um livro de recenseamento, o qual era feito a cada dez anos. E aquele recenseamento era recente, fora feito no ano anterior. E era naquele livro onde ficavam registradas as genealogias especificamente de Elibar.
Ambrose abriu o livro e folheou com cuidado as páginas repletas de informações agrupadas por casas, tanto da nobreza como das camadas mais baixas daquela sociedade. Lá também havia o nome, a data de nascimento de cada pessoa e as principais características físicas. Nessa contagem também eram incluídos os bastardos. Eram contados à parte, sem qualquer sobrenome, apenas eram apontadas as casas de origem, tanto as paternas como as maternas.
As respostas às suas perguntas estavam naquele livro... E, talvez, nele estivesse a salvação para Maximilien Turner!
Folheou e examinou página por página, família por família, sobrenome por sobrenome, até chegar à Casa Brueghel. Procurou por algum Edwin com idade entre vinte e oito e vinte e nove anos, sem muito sucesso. Depois, chegou às páginas dedicadas à Casa Real dos Turner. Procurou por todas as ramificações da família, porém somente Maximilien constava como filho de Edward, logo ele não tivera nenhum filho antes de se casar pela segunda vez.
Edwin não era filho nem de Gladys e nem de Edward, como dizia ser, e isso levava a uma conclusão. Folheou mais rapidamente o grande livro, até chegar à parte que lhe interessava...
... Os bastardos.
Procurou nome por nome, até encontrar o que queria:
— Edwin... – murmurou até que seu olhar se deteve em certa parte de uma página. – Edwin... É... Parece que o verdadeiro usurpador está solto... Nascido no trigésimo segundo dia do verão do ano de 1144... Vinte e nove anos... Brueghel por parte de mãe, e Ravenhart por parte de pai. Onde está o sangue dos Turner?
Sorriu com ironia. Sabia a resposta à última pergunta. Não existia sangue real em Edwin. Não existia nem mesmo um sobrenome para aquele homem.
O novo rei de Ekhbart não passava de um bastardo!
— Os Lordes Roth e Krause precisam saber disso! – murmurou. – Temos que tirar esse bastardo do trono logo! Edwin não pode governar Ekhbart!
Munido de suas anotações – as quais guardou dentro de seu colete – Ambrose se levantou e fechou o livro. Da mesma forma pela qual trouxera aquele livro, ele o devolveria à biblioteca, sem fazer qualquer alarde. Já havia descoberto o suficiente e usaria isso para reconduzir ao trono o herdeiro de direito!
Assim que abriu a porta de seus aposentos para ir até a biblioteca, estacou. Ouviu cinco espadas serem desembainhadas e apontarem para sua direção. Reconheceu todas as lâminas e ao levantar seus olhos, viu quem eram.
"Não deixem que se aproximem de Edwin..."
"Tarde demais", Ambrose concluiu ao ver que estava cercado por Bolton, Mitchell, Neville, Alphonse e Edwin. "Eles se aproximaram até demais..."
— Você sabe demais, Sawyer... – Edwin disse em tom severo. – Não posso permitir que saia compartilhando por aí os segredos alheios.
— Que segredos?
— Nem pense em debochar de seu rei! Você sabe muito bem do que estou falando!
— Apenas sei que é desnecessário apontar cinco espadas para um homem desarmado.
— Comandante Mitchell, reviste-o!
"Edward", o conselheiro pensava, como se falasse não com o antigo rei, mas com o marido de sua prima. "Eles não só se aproximaram desse Edwin, como estão mancomunados com ele... Até seus tutanos!"
O comandante da Guarda Real, mesmo com alguma resistência de Ambrose, o revistou sem fazer qualquer cerimônia. Abriu até mesmo o colete do conselheiro, no qual encontrou um pergaminho manuscrito. Isso fez com que o ruivo arregalasse os olhos, pois não esperava ser descoberto da maneira que foi. Mitchell entregou o pergaminho a Edwin, que leu todo o seu conteúdo. Em seguida, o rei de Ekhbart rasgou em pedaços bem pequenos as anotações, para depois dizer:
— Ambrose Sawyer – apontou a espada para o homem à sua frente. – A partir deste momento, eu o destituo do cargo de conselheiro, e de qualquer outro título de nobreza que possua... E eu também o condeno ao silêncio, por crime de difamação contra a autoridade suprema de Ekhbart.
— O que pretende fazer? – Ambrose agora esquecia qualquer protocolo, percebendo que sua vida estava realmente em risco e decidiu ironizar. – Me decapitar em praça pública?
— Nada disso. – Edwin devolveu a ironia. – Não vou proporcionar tal espetáculo. Eu o calarei, apenas isso.
Olhou para Neville e Mitchell, para ordenar:
— Segurem esse insolente! Lorde Bolton, abra bem a boca desse homem!
Com força, Bolton escancarou a boca de Ambrose, que tentava resistir em vão, enquanto era imobilizado por Mitchell e Neville. Edwin pegou uma adaga e a desembainhou, com um sorriso cruel em seu rosto. Após ter algum trabalho, o monarca conseguiu segurar bem a língua do agora ex-conselheiro e, numa sucessão de golpes rápidos e precisos, arrancou aquele órgão enquanto, aterrorizado, o ruivo urrava desesperadamente de dor, quase se sufocando pelo sangue abundante que ia até sua garganta e também saía por sua boca.
— Matá-lo seria livrá-lo do castigo, Ambrose Sawyer... – Edwin disse com frieza enquanto limpava a lâmina de sua adaga. – Isto o silenciará para sempre, e suas palavras não voltarão mais a Ekhbart. Amanhã será desterrado e viverá o resto de sua vida inútil fora dos meus domínios!
Com o olhar repleto de dor e terror, encarou os olhos verdes de Edwin após cuspir mais uma generosa quantidade de sangue. O ódio começou a tomar conta de todo o seu ser, ao mesmo tempo em que pressentia que o reino pelo qual tanto ajudou a zelar poderia vir a ficar em ruínas nas mãos daquele homem. Pouco a pouco, seu olhar aterrorizado deu lugar ao olhar desafiador. Aquele maldito algum dia iria pagar caro por tudo o que estava fazendo e por tudo o que poderia vir a fazer. Aquele bastardo não ficaria impune, pois qualquer um que se levantasse contra um legítimo Turner teria que arcar com as consequências, mais cedo ou mais tarde.
Como dizia uma lenda que ele conhecia desde menino, a Fênix renasceria das cinzas e sua fúria seria impossível de ser contida!
*
Pelas ruas e vielas de Elibar, um cavalo galopava a toda velocidade até uma propriedade mais afastada. O barulho dos cascos sobre a neve fofa era a única coisa a ser ouvida por aquelas paragens, pois a neve caía de forma intensa. Luke conseguira burlar a vigilância da Guarda Real graças a seu cavalo branco e a um pequeno truque de camuflagem usando magia.
Precisava encontrar seu mestre, Calvin Barnes, o Mago Negro. Precisava informá-lo a respeito dos seus momentos de transe e de suas visões perturbadoras, junto a frases que ele dizia e não se lembrava... Mas que Lucy o ouvira dizer.
Ao se aproximar de um lago congelado, desceu do cavalo e o prendeu a uma árvore perto de alguns arbustos congelados, a fim de escondê-lo de quem quer que pudesse segui-lo. Luke avançou alguns passos pela pequena ponte que passava por sobre a lagoa até a pesada porta de uma imponente edificação em pedra, como se fosse uma pequena mansão. Pegou a aldrava e a bateu três vezes. Normalmente, naqueles dias de inverno ele não fazia isso, mas era urgente a sua ida até lá.
A pesada porta foi aberta por um homem de seus cinquenta e cinco anos, cabelos curtos negros que começavam a ficar grisalhos nas laterais, penetrantes olhos cinzentos e seu característico traje preto. Ele encarou o recém-chegado, que abaixou o capuz e disse:
— Mestre, preciso interromper sua reclusão para um assunto urgente!
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