Capítulo 3: Suspeitas
"Não deixem que se aproximem de Edwin..."
Agora Ambrose entendia, em parte, a advertência de seu rei em seu leito de morte. Entendia a razão de ele ter pedido para que ficasse de olho nos outros integrantes do Conselho, pedido esse que se estendia a Roth e Krause.
Aquele era o tal Edwin que o rei Edward tanto lhe falava!
Edwin Turner havia se autoproclamado novo rei de Ekhbart, graças a Alphonse, Bolton e Neville, além, claro, de Mitchell. Dissera, em alto e bom som, que Maximilien era um usurpador e que ele era o filho primogênito do falecido rei com sua primeira esposa, Gladys, que o dera à luz após sumir do palácio e antes de ter sido encontrada morta.
Um argumento que poderia ser verdadeiro se fosse considerado apenas o fato de que ele possuía cabelos castanhos e os olhos verdes tal como o falecido rei. Porém, havia coisas que o incomodavam, como os traços do rosto e o fato de aparentar ser mais jovem do que deveria, dada a idade que teoricamente possuía.
Essa era apenas uma parte das coisas que o incomodavam. Passara a integrar o Conselho havia quinze anos, há dez que era o Conselheiro escolhido pelo rei Edward. A essa altura, já fazia mais de uma década que Gladys havia morrido e pelo menos três anos que ele novamente se casara e, dessa união com Emerald, havia nascido Maximilien.
Não se sabia muito a respeito da primeira mulher de Edward... Na verdade, evitava-se o máximo possível falar de Gladys Turner – Gladys Brueghel, antes do casamento. Mas uma das coisas que lhe chamavam a atenção era o fato de que Edward, nas poucas vezes em que falara de sua falecida esposa, falava com dor.
Era comum ele dizer frases do tipo "Por que ela fez isso?" ou "Onde foi que eu errei com ela?"
Sabia que ele gostava muito de Gladys e não aceitara, por um bom tempo, sua morte. Ela morrera precocemente, e Edward permanecera viúvo por dez anos. Só depois é que ele decidiu por um novo casamento, pelo dever de deixar algum descendente. Entretanto, o que poderia ser um segundo casamento desastroso, tornou-se benéfico para Edward. Emerald era paciente e tinha, com o marido, uma relação de cumplicidade. Relação essa que resultou no filho que tiveram, Maximilien...
... Que, neste momento, estava encerrado em uma cela das masmorras do palácio, a mando do novo rei.
Como ele poderia ser um usurpador? Que testemunhas poderiam provar que Edwin era de fato o filho mais velho de Edward, do casamento dele com Gladys? Seria ele de fato um Turner? Ou seria um farsante? Não sabia... Mas sabia que se encontrasse as provas cabais, conseguiria derrubar sem piedade o possível farsante.
Por aquele que acreditava ser seu verdadeiro rei, correria todos os riscos necessários para desmascarar Edwin Turner!
*
— Como assim, eu não posso ver o Maximilien? Eu sou a noiva dele e tenho direito de vê-lo, não importa em que situação!
— Lamento, Lady Starr. – um dos cavaleiros disse enquanto a impedia de adentrar as masmorras. – Mas não posso permitir que uma dama tão distinta adentre este lugar tão horrível.
— Não é bom que se contrarie uma dama, Walter. – uma voz foi ouvida, o que fez com que o mencionado se ajoelhasse em reverência. – Milady está autorizada a entrar, desde que com alguém a acompanhando... Para a sua própria segurança.
— Obrigada – Melissa não olhou para trás, sabia a quem pertencia aquela voz. – Posso muito bem me defender.
— Usurpadores são perigosos. Não deveria chegar sozinha perto de um.
— Mesmo jogado em uma cela, ele é o meu noivo! Eu não vou deixa-lo desamparado, ainda mais após um conselho tão fajuto como esse!
— Não é um conselho... É uma ordem de minha parte.
Melissa olhou para trás e reconheceu o homem de olhos verdes. Rei Edwin Turner, aquele que dizia ser filho mais velho do rei Edward, e que se autoproclamara seu sucessor. E enquanto Maximilien era levado à força para as masmorras diante de centenas de pessoas paralisadas pela surpresa, ela sentira os olhares nada discretos daquele à sua frente. Tal como o olhar da última noite a incomodara, o de agora lhe fazia o mesmo efeito, pois tinha a sensação de que ele a olhava demais, e da cabeça aos pés.
Empertigou-se e deu as costas a Edwin, sem se dar ao trabalho de reverenciá-lo. Com a forma desrespeitosa com a qual ele a olhava, ela não se sentia na obrigação de respeitá-lo. Mas...
— Eu a proíbo de ir vê-lo. – Edwin disse com um tom inflexível. – Se me desobedecer, entenderei isso como rebeldia e traição, e serei obrigado a tomar medidas drásticas.
— Que tipo de medidas? – Melissa o encarou de forma desafiadora. – Não seria má ideia me jogar nas masmorras com o Max.
— Não farei isso. – ele sorriu com ironia. – Retirarei de sua família tudo o que tem e farei com que caminhem por Elibar vestindo farrapos, ou totalmente nus, como os mais miseráveis seres viventes do reino... Ou posso mandar executar todos por decapitação, por alta traição à coroa e aliança com um usurpador.
— Por que toda a minha família, se sou eu quem supostamente o insulta?
— E quem garante que os demais da Casa Starr não sejam igualmente insolentes? Eu teria que cortar o mal pela raiz.
— Não teria coragem de nos punir por algo tão bobo.
— Oh, sim, eu teria. Sou eu quem manda, caso tenha se esquecido. Se não se retirar, Milady, terei que ordenar que a retirem à força, e não creio que queira sair assim da minha presença.
— Agradeço pela oferta de escolta, mas prefiro sair daqui sozinha.
Melissa virou as costas e saiu, porém Edwin não parava de segui-la com os olhos. Ela era linda... Deslumbrante... E lhe despertava um desejo surpreendente de tê-la para si.
Precisava possuir aquela jovem... Melissa Starr deveria ser sua!
*
Maximilien tentava entender até agora o que havia acontecido na última noite. Ainda não conseguia digerir os motivos pelos quais fora trancafiado naquela cela fria e escura das masmorras do próprio palácio. Para começar, não conseguia entender direito o que acontecera, tudo fora tão repentino... De súbito, na sala do trono, um homem que dizia ser filho mais velho de seu pai aparecia e se dizia o legítimo sucessor ao trono. Acusava-o de ser um usurpador, não tendo, teoricamente, o direito de assumir o governo de Ekhbart, visto ser o segundo na linha de sucessão.
Porém, não entrava na sua cabeça a existência de um suposto irmão mais velho. Seu pai nunca o tratara como um filho mais novo, sempre fora considerado o único filho do rei Edward. Nem ele e nem ninguém jamais haviam mencionado qualquer coisa que desse a entender que ele tinha um irmão...
... Ou melhor, um meio-irmão, visto que ele se dizia filho de Edward com Gladys, a primeira esposa do então rei de Ekhbart.
Havia qualquer coisa de estranha naquele homem. De alguma forma, tinha certeza de que em alguma coisa ele estava mentindo. De algum modo, sabia que Edwin não tinha nada dos Turner.
Ele não podia ficar ali, precisava arranjar uma forma de provar que não era um usurpador! Ele era Maximilien Turner, filho de Emerald e Edward Turner! Precisava provar que tinha o direito de usar o azul e prata de seu traje e honrar a família na qual nasceu, e arranjaria uma forma de fazê-lo. Provaria que era o único a ter direito de assumir o trono de Ekhbart... Custasse o que custasse!
*
— Vamos ao que interessa, Milordes... – Edwin disse aos membros do Conselho, apontando para o mapa estendido sobre a mesa de mogno. – Saímos recentemente de uma guerra, da qual fomos perdedores. Perdemos muita coisa, sobretudo parte de nosso reino para o inimigo, Zordaris. Não podemos deixar nosso reino ser reduzido territorialmente só porque nossos inimigos querem.
— O que Vossa Graça tem em mente? – Bolton questionou.
— Nós vamos retomar nossas terras... E, para isso, eu declararei guerra ao reino de Zordaris.
— Majestade – um homem de seus cinquenta anos, cabelos já grisalhos e olhos negros disse. – Não acho que seria uma boa ideia.
— Por que diz isso, Lorde Krause?
— Talvez Vossa Graça não saiba ou não se lembre, mas dois anos atrás a última guerra só teve um fim definitivo após um acordo entre o falecido rei Edward e o rei Richard Trevelyan, de Zordaris. E esse acordo consistiu na cessão de uma parte de nossas terras mais férteis da fronteira. Com isso, conseguimos encerrar a guerra após a batalha aqui em Elibar antes que acontecesse algo pior.
— Eu sei, Milorde. Mas eu não posso permitir que isso continue assim. Ekhbart precisa voltar a se expandir, voltar aos tempos de glória de antes da guerra. Não podemos deixar que outros reinos nos dominem como Zordaris nos humilhou com um acordo como esse! Nós temos que nos impor, nem que seja na espada!
— Majestade, devemos ser razoáveis. – Roth, um homem de seus quarenta anos, cabelos negros, olhos azuis e pele bronzeada, interveio. – Essa guerra deixou marcas profundas em Ekhbart, que mesmo depois de dois anos ainda está em um longo processo de reconstrução. Não foi apenas Elibar que sofreu com as consequências das várias batalhas, mas o reino inteiro. Não podemos simplesmente retomar algo que já não é mais nosso... Ainda mais provocando uma nova guerra!
— Aquelas terras nunca deixaram de ser nossas e nós vamos retomá-las. – Edwin sentenciou. – Precisamos mostrar a todos os reinos de Vestra que não aceitamos ser submissos aos nossos inimigos.
— Majestade, não acho aconselhável que mergulhe Ekhbart em uma nova guerra, e...
— Não pedi os seus conselhos, Lorde Sawyer! – Edwin interrompeu Ambrose. – Aliás, não pedi conselho de ninguém. Nem do Lorde Ludwig Krause, nem do Lorde Joster Roth e tampouco pedi conselhos de Milorde!
— Desculpe, Majestade – Ambrose encarou o rei de uma forma que jamais faria com Edward. – Mas eu sou o conselheiro e, como sirvo a um novo rei, é meu dever norteá-lo em suas primeiras decisões, para o bem do reino.
— Não preciso de ninguém norteando minhas decisões. Não sou um moleque como aquele pirralho que quase usurpou o meu lugar de direito.
— Falando nele, o que Vossa Graça fará? – Bolton questionou.
— Por ora, nada. Não estou com pressa de decidir, pois o moleque é inofensivo. Mais tarde eu decido que destino darei a ele. O que sei é que ele jamais irá tomar o que me é de direito.
*
Ao fim da reunião do Conselho, Edwin permaneceu na sala de reuniões enquanto todos se retiravam. Sozinho, caminhou até uma das janelas que dava uma visão privilegiada do lado de fora. Avistava os jardins cobertos de neve e, pelo fato de o palácio estar no ponto mais alto de Elibar, avistava a capital de Ekhbart em sua extensão.
"Excelente", pensou. "Agora tudo me pertence! Agora tudo está como deveria ser."
O monarca sorriu. Por fim, ele assumia o que era seu de direito desde o começo. Um erro do destino deveria ser corrigido, e o foi. Um erro que jamais deveria ter existido e jamais deveria ter impedido sua ascensão ao trono desde o começo. Ele não precisava ser filho do rei Edward Turner para assumir seu lugar de direito... Por que o filho da rainha Gladys Turner não teria esse direito? Afinal, ele era de sangue nobre. Mas, isso já não importava mais... O que tinha de ser feito para corrigir essa injustiça, estava feito.
Para todos os efeitos, Edwin Turner era filho de Gladys Turner e Edward Turner, era o primeiro na linha de sucessão... E rei de Ekhbart, após tirar aquele moleque usurpador de seu caminho.
— Agora tudo está perfeito. – murmurou sorrindo de forma triunfante. – O destino foi corrigido, e a partir de agora levarei Ekhbart de volta aos tempos áureos... E o primeiro passo vai ser retomar as terras perdidas para Zordaris!
*
Luke apoiou-se em uma das frias paredes de pedra do corredor até seu quarto. A sua cabeça latejava de tanta dor, que era quase impossível para ele abrir seus olhos e prosseguir a caminhada. Suas pernas fraquejaram e ele deslizou as costas na parede até sentar-se no chão. Lucy, que vinha logo atrás, apressou-se a ajudar o irmão, cujos olhos azuis estavam vidrados e emitiam um brilho azulado.
— Luke! – ela sacudiu o albino, assustada com a falta de reação dele. – Luke, o que está acontecendo?
Ele não a ouvia, parecia mergulhado em uma espécie de transe. Por mais que tentasse chamar a atenção do irmão gêmeo, era uma tarefa vã. Ele parecia estar em um mundo à parte.
— Um dragão... – ele murmurou. – Um dragão cinzento paira nos céus de Ekhbart...
— Luke...! O que você está dizendo...?
— Ontem choveu esperança... Mas a partir de hojeveremos florescer desgraça...!
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