Capítulo 24: O selo da Fênix
Em meio a uma forte chuva, um grupo não muito grande de homens passava pelos portões de entrada de Elibar. Era um número bastante reduzido em relação ao grupo que saíra vinte dias antes para reforçar as defesas da fronteira com Zordaris. Uma parte seguiu seus respectivos senhores para regressar a seus locais de origem, enquanto o restante, que compunha a Guarda Real, seguia Edwin no retorno.
Embora houvessem conseguido repelir a investida inimiga, suas tropas haviam sofrido baixas bem consideráveis. Centenas de cavaleiros pereceram na última batalha, e outros estavam gravemente feridos.
Até mesmo Edwin regressava ferido. O ombro direito doía de forma torturante onde a espada de Richard Trevelyan, rei de Zordaris, o atravessara. Só não tivera sua vida ceifada, pois o comandante Mitchell conseguira bloquear o novo ataque e seus comandados o haviam retirado do local. E, ao mesmo tempo, suas tropas conseguiam conter as de Zordaris, decretando assim a vitória de Ekhbart.
Vitória essa que, para seu rei, tinha um gosto de derrota, e a chuva intensa parecia deixar tudo ainda mais amargo. Mas, por outro lado, era melhor sem ninguém para ver a chegada do grupo. Não precisava ter o populacho lançando a eles olhares atravessados de ingratidão.
Já era vergonhoso o suficiente voltarem em número reduzido, feridos, sujos e ensopados pela chuva.
A marcha seguia em silêncio, pois era uma vitória que não poderia ser comemorada. Edwin pensava em suas tropas desfalcadas e no ultimato que recebera da Ordem dos Dragões Cinzentos.
Havia o risco de perder seus maiores aliados e precisava resolver isso. Mas não agora.
Precisava se recuperar física e mentalmente, pois havia mais problemas para resolver agora em seu regresso do que antes de sua partida, a começar pela dor excruciante em seu ombro direito... E, a julgar pela forma como o castelão vinha correndo ao seu encontro, havia algo mais com o que lidar.
*
O amanhecer de um novo dia chegou, testemunhado pelos olhos cansados de Melissa. Depois da conversa que tivera com o pai, tivera certo alívio em confessar a ele o que vivera durante a última década sob o fardo do casamento. Na verdade, o alívio fora de ambos por finalmente poderem ter uma conversa franca de pai e filha sob o olhar atento de uma discreta Agnes.
A atual esposa de seu pai até iria deixar o recinto onde os dois estavam, mas James não permitiu. Alegava que sua jovem senhora seria de grande valia para esse diálogo, devido às suas vivências passadas e que agora queria ajudar a filha, mesmo que isso custasse suas posses, sua honra, seu prestígio. O Lorde Starr não suportava mais ver sua filha se aniquilando apenas para manter sua casa numa posição privilegiada.
Ainda assim, ela também não gostava de ver que seu pai também sofria bastante por sua causa. Por isso, pensava bastante no que faria dali em diante. Sentia que precisava mudar algo em si, e isso não era de agora. Olhou para o espelho do quarto em que estava, vendo refletido nele uma imagem que por muito tempo odiava: a imagem de si mesma, cujo rosto exibia uma expressão de resignação e apatia.
Era uma expressão que mantinha fazia uma década, intercalando com sorrisos falsos protocolares e expressões enfurecidas contidas à força e pelo medo. Ela não era assim uma década atrás. Parecia que a Rainha Melissa Turner realmente havia matado dentro de si a jovem Melissa Starr, como Lucy dissera certa vez.
Ela estava simplesmente irreconhecível, embora sua aparência pouco tivesse mudado.
― Parece que vi alguma determinação em seu olhar.
Os olhos verdes de Melissa se arregalaram ao perceber que fora flagrada enquanto se encarava longamente no espelho. Era fácil reconhecer aquela mulher esguia e de cabelos prateados presos em um coque.
― Lucy! – exclamou. – Há quanto tempo está aí?
A criada sorriu divertida.
― Há tempo suficiente para conseguir ler algumas expressões diferentes no seu rosto que eu não via há um bom tempo. Parece que os ares de Fallenstar estão fazendo muito bem.
― Estão. Eu precisava de algo assim. Aquele palácio me sufoca... E percebi que me sufoca de uma maneira que não consigo fazer nada. – Melissa suspirou enquanto se sentava à cadeira e a albina começava a escovar seus cabelos loiros. – Eu me sinto tão patética, tão passiva... Dez anos assim, Lucy... Dez anos me aniquilando, deixado de ser o que eu sempre fui.
― Quando você percebeu por si mesma que tudo isso estava errado?
― Naquele festival. – ela voltou a encarar seu próprio reflexo. – Quando Maximilien apareceu e eu o vi... E ele me viu.
Deu uma breve pausa e retomou em seguida:
― Ou melhor, ele viu aquilo que sobrou de mim nesses últimos dez anos.
― Então os boatos são verdadeiros. – Lucy concluiu com um sorriso. – Max realmente está vivo.
― Está. Eu e mais uma centena de pessoas vimos.
Lucy viu os ombros de Melissa caírem um pouco após um longo suspiro e questionou enquanto terminava de trançar seus cabelos:
― Você ainda sente algo por ele, não sente?
― Tudo o que não sinto por Edwin.
A albina sorriu depois de finalizar o cabelo de sua ama e amiga, que pediu:
― Por favor, Lucy... Que isso fique entre nós. Ninguém pode saber sobre isso!
― Você sabe que pode confiar em mim. – a criada deu de ombros. – Eu não sou fofoqueira como o resto da criadagem do palácio. Mas o Max com certeza adoraria saber isso.
― Nem ouse procurar por ele para isso!
― Eu? – Lucy fingiu se sentir ofendida. – No que depender de mim, ele vai saber é através de sua boca.
― Não... Isso não vai acontecer. Estou casada com outro homem, e duvido que ele acreditaria em mim. A essa altura, deve me odiar tanto quanto odeia Edwin e não tiro a razão dele.
*
Fazia apenas alguns minutos que a chuva havia cessado em uma estrada praticamente vazia. Um jovem ruivo, cujo rosto possuía sardas e não aparentava mais do que dezoito anos, cavalgava sob o peso da capa ainda molhada pela chuva recente. Não interrompera seu trajeto nem mesmo durante a chuva mais pesada, ainda que não cobrasse esforço de seu cavalo de pelos castanhos, fazendo-o trotar sem muita pressa para não esgotar o animal.
O rapaz abaixou o capuz de sua capa úmida e, por debaixo dela, tirou uma bolsa surrada na qual estava um pergaminho selado. Percebendo que o chão estava firme, ele fez com que seu cavalo acelerasse o trote. Em seguida, o animal já começava a galopar ainda mais rápido rumo ao seu destino. Precisava chegar o quanto antes para entregar aquela carta, era a sua missão como mensageiro.
Assim que avistou os muros que exibiam o grande estandarte azul-marinho com uma grande estrela de sete pontas rodeada por outras estrelas menores, soube que estava prestes a cumprir sua missão. Evidentemente, deveria primeiro passar pelos cavaleiros a serviço de Lorde Starr. Apresentou-se como mensageiro e teve sua entrada liberada para entregar nas mãos do senhor de Fallenstar a missiva da qual estava encarregado.
O jovem desceu de seu cavalo, caminhando ao lado de seu fiel companheiro de jornada por uma das ruas principais que dava acesso à construção principal. O movimento não era muito grande, por se tratar de um período de poucas horas após uma forte chuva, mas era possível sentir que alguns olhares desconfiados pousavam por sobre si. Não se intimidava muito, pois fora avisado de que isso poderia ocorrer. Fallenstar seria receptiva ou hostil a ele ou àqueles que o enviaram, dependendo de como o pergaminho selado do qual estava encarregado seria recebido pela pessoa que comandava aquele lugar.
Além disso, havia ouvido em uma estalagem de beira de estrada que a rainha saíra de Elibar para passar algum tempo por aqueles lados, então a desconfiança com qualquer recém-chegado era bastante natural.
A poucos metros de distância, um homem de aparência distinta, acompanhado por dois cavaleiros e um garoto, se aproximou do mensageiro.
― Boa tarde – ele cumprimentou. – Ouvi de um dos meus homens que você é um mensageiro. Qual o seu nome e da parte de quem você me traz uma carta?
O jovem, ao se recordar das instruções recebidas antes de sua partida, reconheceu naquele homem o Lorde Starr. Era exatamente como lhe descreveram.
― Meu nome é Rudyard Lott. – o ruivo respondeu em um tom mais baixo. – A pessoa que me enviou pediu para que eu revelasse apenas quando chegasse em sua casa, Milorde. Trata-se de algo confidencial.
― Compreendo. – James assentiu, procurando não transparecer a tensão que começava a surgir em seu íntimo. – Siga-nos, por favor.
Durante o breve trajeto, nenhuma outra palavra foi trocada entre o senhor de Fallenstar e o jovem mensageiro. Caminharam nesse silêncio até a residência dos Starr, onde criados pegaram os cavalos do Lorde Starr, de seus cavaleiros e o fiel cavalo de Rudyard para alimentar e dar abrigo durante a breve estadia do jovem.
Assim que entraram no hall principal e seus cavaleiros se retiraram a pedido de James, este indagou:
― Agora que estamos a sós, eu posso perguntar: você vem da parte de quem, meu jovem?
Rudyard retirou a carta de sua bolsa e a entregou ao dono daquelas terras. Era feita de um pergaminho de boa qualidade e possuía um selo azul, no qual estava a Fênix da Família Real.
― Milorde, vim entregar essa carta a pedido deSua Majestade, o Rei de Ekhbart.
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