Capítulo 14: A caminho do Vale dos Quatro Ventos
Já nas primeiras horas após o nascimento do sol, o quarteto formado por Maximilien, Ambrose, Leon e Calvin se pusera a caminho do Vale dos Quatro Ventos. Com uma boa dose de pechincha, haviam conseguido adquirir cavalos com algumas moedas de ouro que o Mago Negro possuía. Eram bons animais, bastante resistentes para viagens mais longas. Não do mesmo nível dos usados pelos cavaleiros de Ekhbart, mas eram razoavelmente robustos e serviriam ao propósito do grupo.
O príncipe ia à frente, sabia o caminho que estavam tomando graças a um mapa rascunhado por Leon, que vinha na retaguarda do grupo e cavalgando um pouco mais devagar. Mal conseguia manter os olhos abertos, de tanta dor de cabeça.
— Eu devia ter me contido ontem...! – lamuriou. – Mas aquele vinho estava tão bom...!
— Pois é – Calvin disse sem olhar para trás. – Deveria ter se controlado, eu disse que era melhor ter esperado conseguirmos a espada de Sua Alteza, mas...
— Eu sei! Eu sei! – o cavaleiro veterano interrompeu o mago. – Não é preciso me dar um sermão como se fosse minha mãe, está bem? Sou velho demais para isso!
Maximilien, à frente, começou a rir. Com aquele homem no grupo, não tinha como não rir. Desde criança conhecia Leon, que era um grande amigo de seu pai e sempre fora um tipo bastante despreocupado, embora quando necessário ele soubesse ser bastante sério. Era extremamente leal aos Turner devido à longa amizade que tinha com Edward.
— Leon – Maximilien olhou para trás. – Sabe me dizer a que altura estamos de nosso trajeto?
Apertando os olhos devido à dor de cabeça persistente que ainda sentia, o mais velho esquadrinhou o local onde estavam. A vegetação começava a ser mais rasteira, com árvores um pouco mais baixas e retorcidas, e percorriam um caminho mais fechado, que pouco a pouco se tornava uma trilha mais estreita, uma descida pouco percorrida pelos viajantes.
— Acredito que com mais umas duas horas, pelo menos, estaremos chegando ao Vale dos Quatro Ventos. – Leon disse. – Mas é bom que fiquemos atentos. Como é um lugar sem muito movimento, ladrões podem estar à espreita.
— Entendi – o mais jovem do grupo assentiu enquanto, desconfiado, olhou para os lados e levava a mão à cintura, onde estava sua espada. – E acho bom nos prepararmos, pois parece que temos companhia.
*
— Majestade – um cavaleiro acabava de se ajoelhar diante de Edwin. – Vim assim que recebi o chamado. Em que posso ser útil?
— Quero que vá com seu grupamento até o Vale dos Quatro Ventos, Capitão Argo.
— O que Vossa Graça deseja desse lugar?
— Desejo que encontre a papoula-vermelha-dos-quatro-ventos. – Edwin foi direto. – Só voltem de lá com essa planta. Se voltarem de mãos vazias... Já sabe o que os aguarda, não sabe?
— Não voltaremos de mãos vazias. – Argo disse. – Tem a minha palavra de Capitão da Primeira Divisão da Guarda Real de Ekhbart.
— Sabe que palavra empenhada tem que ser palavra cumprida.
— Estou ciente. Antes que o sol se ponha, meus homens e eu estaremos com essa planta.
— Ótimo. Agora pode se retirar e cumprir imediatamente minhas ordens.
Argo se retirou da sala do trono, enquanto Edwin se levantava e caminhava de um lado a outro do tablado no qual estava. A situação não estava boa para ele. Quase que diariamente chegavam relatos de numerosas baixas nas batalhas que ocorriam na região de fronteira com Zordaris, mesmo com reforço dos Dragões Cinzentos. Eles eram eficientes, porém o reino inimigo tinha como aliado o forte exército do reino de Mornend, ao sul do Grande Continente. E não era apenas isso, Ekhbart estava isolado economicamente, não conseguindo escoar suas produções para os reinos vizinhos e não recebendo capital externo, o que fazia com que seu reino simplesmente ficasse estagnado há anos.
Seus súditos não estavam nada contentes com isso e, mesmo correndo risco de serem condenados à morte ou a passar a vida inteira nas masmorras, vez ou outra algum metido a corajoso questionava sua autoridade e sua liderança. Também era grande o número de cavaleiros desertores que discordavam de suas ordens, bem como antigos lordes aliados começavam a abandoná-lo. Quanto a isso, ele tentava solucionar com chantagens e oferecendo privilégios. Afinal, os mais abastados eram facilmente compráveis, pois desejavam manter seus status.
E, quanto a privilégios, havia um lorde em especial que o incomodava. Entretanto, não podia simplesmente se livrar dele. De fato, ele possuía uma grande dívida para com Lorde Roman Ravenhart, e tinha que pagar. Talvez fosse melhor satisfazer sua exigência de fazer parte do Conselho.
Entretanto, havia outro problema para administrar e esse era ainda mais complicado. Ter um herdeiro era o maior desafio de sua vida, ainda mais por conta de Melissa, que dificultava as coisas. Por mais que quisesse usar a força, não era tão simples fazê-lo. Ainda que ele tivesse direitos sobre ela, e pudesse fazer o que bem entendesse, a coisa não era assim. Não queria macular sua beleza, causando-lhe ferimentos a torto e a direito. Não desejava ferir aquele belo corpo que o satisfazia e nem aquele belo rosto, com seus olhos intensamente verdes, nariz delicado e lábios carnudos que serviam somente a ele.
Se quisesse evitar que a situação piorasse ainda mais, precisava ser mais sutil com Melissa. E, com a solução apresentada por Dimitri dando certo, poderia ficar mais tranquilo e desfrutaria melhor de seu poder e de todo o seu esplendor.
E, em trinta dias, todos veriam mais uma vez o seu esplendor. O grande festival em comemoração ao seu trigésimo nono aniversário se aproximava e os preparativos já estavam sendo iniciados.
E nada e nem ninguém estragaria esse dia.
*
Um grupo de seis homens usando capas surradas e armados com espadas se aproximou, montados em cavalos, por trás do quarteto. Eles passaram a rodear o grupo, entretanto nem o príncipe, nem o ex-conselheiro, nem mesmo o mago e tampouco o ex-capitão da Guarda Real demonstraram qualquer temor quanto aos recém-chegados.
Os três homens mais velhos não temiam, por conta das experiências que possuíam de correr perigos durante a vida. Leon vivera em campos de batalha, era um cavaleiro experiente que lutara várias batalhas ao lado do então rei Edward. Ambrose fora lorde e conselheiro, mas usava a espada como sua defesa quando necessário, pois ele estava suscetível a ser atacado por ser o segundo no alto escalão de Ekhbart. Calvin, assim como o ex-conselheiro, vinha de família nobre e sabia manejar a espada, pois crescera sendo educado como um lorde. Além disso, o Mago Negro poderia se valer facilmente de suas habilidades com magia para qualquer eventualidade.
Já Maximilien, mesmo sendo mais jovem e não tendo lutado nenhuma batalha, não possuía qualquer traço de medo em seu rosto. Os anos em Christel o endureceram e o forçaram a amadurecer mais rápido, assim como aprimorar a sua percepção de perigo e a capacidade de pensar mais rápido para sobreviver. E, para resgatar a prática com espada, enquanto estavam na galera rumo a Ekhbart, ele esgrimia com Leon entre um turno e outro das remadas, a fim de aprimorar suas habilidades.
Mesmo sem muita experiência, ele estava seguro de suas capacidades e não temia aquele grupo. E nem deveria temer, pois ainda tinha um objetivo a cumprir e ele o cumpriria.
Sacou a espada, assim como seus companheiros de jornada. Ninguém os impediria de seguir caminho.
— Melhor saírem da minha frente. – Maximilien advertiu. – Não quero perder meu tempo com vocês, e não temos nada para roubarem de nós!
— Desçam dos cavalos. – um dos recém-chegados disse, apontando a espada a Maximilien de forma ameaçadora. – Façam isso e nós os pouparemos.
— E se não fizermos?
— Teremos que matar vocês.
— Não acho que iria gostar de nos ferir. – Calvin disse enquanto descia do cavalo, gesto esse imitado pelo restante do grupo.
— E por que não?
— Porque estou com a cabeça estourando de dor e não tenho paciência para ficar de papo furado com ladrões de cavalos! – Leon retrucou. – Temos coisas mais importantes a fazer do que ficar conversando com vocês, então é melhor liberarem a nossa passagem!
— E se não quisermos?
O ex-capitão sacou a espada e respondeu:
— Teremos que abatê-los... E quem sabe isso não espanta minha ressaca de uma vez por todas? – olhou para Maximilien. – Se importa se os enfrentarmos? Eu, pessoalmente, aproveitaria para praticar um pouco a espada, pois precisará muito disso para reaver seu lugar de direito.
— Se meu "mestre de armas provisório" diz... – o príncipe olhou para Ambrose e Calvin. – Se importam se lutarmos contra esses homens?
— Não, Alteza. – o Mago Negro sacou a espada enquanto o ex-conselheiro assentia em concordância e fazia o mesmo. – É até bom para que possamos ver nossas habilidades.
Os quatro começaram a lutar contra os ladrões. Leon, logo de começo, se encarregou de dois. Não havia perdido a prática, dominando bem a situação. Por ser o mais experiente, ele lutava de forma a dominar o duelo desde o início, apenas procurando o momento certo para liquidar os adversários, o que ele fez atravessando o peito de ambos com a espada. Ambrose abusava de manobras evasivas, esquivando-se das investidas de seu adversário. Teve um pouco mais de trabalho para derrotá-lo, por ser tão ágil quanto o ex-conselheiro. Entretanto, com uma dose de paciência, conseguiu encontrar uma brecha na defesa de seu oponente e cravou sua espada na barriga.
Calvin poderia muito bem se valer de sua magia para derrotar seus dois inimigos, porém preferiu lutar. Não que ele se gabasse de suas habilidades, mas por uma razão bastante prática, que seria de evitar desgaste físico e chamar a atenção desnecessariamente. E, por enquanto, não era prudente saberem de seu retorno a Ekhbart. Quanto menos atenção chamassem, melhor. Nada impediu que ele usasse um pequeno truque. Concentrou-se e, numa fração de segundos, suas mãos estavam cobertas por uma fraca luz vermelha. Com a espada, abateu o primeiro adversário e, após isso, foi desarmado pelo segundo homem. Este o atacou com a espada, porém o Mago Negro segurou a lâmina e a superaqueceu, obrigando-o a soltá-la. No momento seguinte, Calvin atravessou o peito do homem com a própria espada que havia superaquecido.
Maximilien mostrava o resultado de seu breve treinamento com Leon durante a viagem de Christel a Ekhbart. Não que ele antes nunca houvesse treinado com espada, porém ela era um item raro por aquelas bandas, e lá era preciso que ele contasse com o próprio corpo para se defender. Havia ficado sem praticar regularmente por dez anos, o que poderia prejudicá-lo em uma batalha. E, para retomar o que lhe era de direito, teria que se envolver em batalhas.
Sentiu algo arder em seu braço. Era a lâmina da espada de seu adversário, que o atingiu de raspão e o obrigou a manter o foco no combate. As lâminas de ambos se cruzaram, para seus olhos verdes encararem os olhos daquele homem. Assim como ele, o príncipe desterrado estava igualmente confiante até então.
— Desculpe, mas não levarão nossos cavalos. – disse. – Precisamos deles... Os seus companheiros, não.
O homem olhou ao seu redor e viu seus cinco companheiros caídos no chão, já mortos. Tal visão o enfureceu e, após berrar a plenos pulmões, atacou Maximilien. Ele foi rápido e desarmou o adversário, para depois transpassar seu peito, decretando assim sua morte.
— Nada mau, Max! – Leon elogiou. – Você foi muito bem! Porém, ainda precisa aprimorar ataque e defesa. Os homens que derrotamos não ofereceram dificuldade suficiente para uma avaliação mais precisa, mas o básico você não esqueceu. Ainda não podemos saber com exatidão se estará pronto para os campos de batalha, mas já é um bom começo.
— Obrigado. Assim que possível, vamos treinar novamente.
— De preferência, com uma nova espada, não é, Alteza? – Calvin indagou.
— Claro! – o jovem sorriu. – E, para isso, não podemos continuar parados aqui. Acho melhor seguirmos.
O quarteto seguiu sua jornada pelos caminhos estreitos que iam até o destino pretendido. Após duas horas de cavalgada, avistaram um vale. Ao centro, um lago de águas cristalinas. Ao seu redor, quatro cavernas. Uma ao norte, outra ao sul, outra ao leste e outra ao oeste.
— Este é...
— O Vale dos Quatro Ventos, Alteza. – Calvincompletou Maximilien. – Chegamos ao nosso destino.
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