Ascenção do Medo
Exílio — as terras do reino
Era o início do crepúsculo.
O lobo ômega ainda estava deitado com a cabeça enfiada entre as patas quando a movimentação ao lado o fez despertar ansioso.
O alfa fez esforço para se levantar, as patas dianteiras colocando força desmedida para conseguir finalmente se por em pé. Jungkook o analisou com o olhar preocupado.
Podia ver em lugares do corpo a pelagem parecendo mais escuras, o sangue seco contra elas. Não havia mais nenhum sinal de caninos contra a pele, e Jungkook não deixou de agradecer mentalmente.
Taehyung ainda fez certo esforço para se movimentar em mínima distância, tentando preparar o próprio corpo. Ainda precisam seguir até o reino Leste, e não era logo ali.
Até aquele ponto, os lobos que foram atrás de seus agressores voltaram sem um retorno bom. De fato, havia outros lobos aguardando os lobos fugitivos, mas eles partiram em debandada assim que notaram que ali eram alfas do reino Leste.
Seria como causar intriga com um reino que tinha uma lista de aliados que mandariam todas as suas forças para derrubar o inimigo. E o atual rei do Oeste com toda certeza não desejava inimigos, mas sim, aliados.
— Precisamos seguir agora. Eles já estão irritados com nossa demora — Jungkook pensou em lamento, sabendo que aquilo não era algo fácil. Taehyung estava machucado e precisava de tempo para se recuperar, e mesmo após horas, suas feridas haviam cicatrizado, mas podia ver o quanto a dor adornava cada parte do seu corpo.
Os lobos esperaram sem reclamar até certo ponto, mas mesmo após isso, os rosnados baixos de indignação deixavam claro que eles desejavam voltar o quanto antes.
Isso até Taehyung levantar. Os moradores do Leste o conheciam, seja pelo cheiro ou apenas por sua face, afinal, havia visitado muitas vezes aquele reino devido a aliança de paz que ambos tinham. A hierarquia foi a primeira a se mostrar quando seus olhos abriram. O silêncio foi instaurado e os lobos acalmaram os ânimos, esperando por uma ordem real ou mesmo um silêncio que concordasse com os novos passos que dariam.
Jungkook deslizou o focinho contra a pelagem do pescoço do alfa, tentando morder a orelha com pouco esforço naquele ato. Podia ver que ele se esforçava para andar, tentando devolver as brincadeiras, sem muito sucesso.
Os lobos estavam um pouco a frente deles, dois carregando as mochilas que trouxeram, mas Taehyung preferiu assim. Apenas o ômega ao seu lado era suficiente. O aroma dele o mantinha ocupado, esquecendo do incômodo que sentia a cada forçar das patas machucadas.
O silêncio foi confortável enquanto corriam lentamente, e aos poucos, podiam ver o reino do Leste surgir. Algumas casas começaram a aparecer nas laterais da rua que entraram, todas já fechadas devido o horário. Seguindo em frente, estavam na entrada de um enorme castelo, cercado por muitas outras moradias ao seu redor. Era como uma cidade e seu ponto principal; bem diferente do reino Norte, onde morava, que as casas estavam bem afastadas do castelo real.
Eles entraram dentro do castelo cercado pelos alfas, até que estivessem em um local apropriado. Um enorme quarto, com tudo que poderiam necessitar por aquele meio tempo.
Taehyung sentiu o cheiro conhecido do conselheiro do rei, Kim Seokjin. Ele se aproximou e parou próximo a si, fazendo uma reverência antes de olhar novamente para o Taehyung.
— Sinta-se à vontade, príncipe do Norte. A estadia será temporária, mas pode ficar o quanto precisar — achou engraçado o quão importante era manter as formalidades em frente aos súditos do reino. Entretanto, conhecia bem Seokjin, mantinham uma amizade proveitosa para os dois reinos. Viu o beta observar o ômega ao seu lado, as constatações parecendo óbvias para ele. — O Reino do Leste dar as boas vindas a você, companheiro do príncipe. — ele voltou sua atenção a Taehyung. — O rei gostaria de falar com você após estarem confortáveis, príncipe Taehyung. Sobre... isso.
Taehyung não disse nada, e nem teria como, já que sua forma lupina impedia que se comunicasse com mais alguém além de seu ômega. Apenas lançou um olhar em concordância para o beta, seguindo para Jungkook.
— Vamos entrar.
As mochilas foram colocadas sobre o soalho límpido do quarto, e já dentro dele, Jungkook foi o primeiro a voltar a sua forma humana. Fechou a porta em seguida, esperando que Taehyung fizesse o mesmo.
Ele não o fez, porém. Pôde ouvir o som do enorme corpo chocando-se contra o soalho, como se todas as suas forças tivessem acabado ali. O alfa tinha sido forte, isso o fez sorrir admirado.
Sentou-se ao lado do enorme lobo, que agora ficava quase do seu tamanho mesmo deitado. Acariciou as orelhas felpudas, mantendo aquele mesmo procedimento por minutos que não conseguiu contar.
Após isso, Taehyung pareceu finalmente conseguir algum resquício de força de vontade para se desfazer da forma lupina.
Jungkook o ajudou até estarem no banheiro, ligando o chuveiro assim que estavam dentro do box. A água despertou seus ânimos tanto quanto percebeu ocorrer com Taehyung.
Debaixo da água, beijou-o, sentindo ser correspondido com ternura. Não haviam chegado onde deveriam, mas pelo que Taehyung dissera, o reino Leste era aliado. Poderia ficar em paz, ao menos.
As mãos de Taehyung foram para sua cintura, podia sentir o cheiro do alfa inundar a área, fazendo-o afastar o rosto para trás, longe das águas, apenas para inspirar mais fundo. Tinha certeza que o seu aroma também inundava o local.
Taehyung beijou o canto de sua boca antes de fazer o mesmo na marca que os ligava. Jungkook sentiu um calafrio percorrer o corpo, fechando os olhos quando os dentes do alfa pressionaram a área, forçando-os sem impor força.
Um suspiro escapou do ômega, antes que sentisse os braços rodeando seu corpo. Podia sentir a tensão agora, entre o aperto. Taehyung não disse com palavras, mas Jungkook entendia o que ele queria dizer apenas pela ligação que tinham: estou feliz que esteja bem.
Sentia o mesmo.
O banho terminou longos minutos depois. Seguiram até as mochilas, vestindo roupas limpas. Taehyung retirou a água dali, entregando uma garrafa pequena para Jungkook, tomando outra.
Finalmente sentiu a garganta seca ser aliviada, amassando a embalagem de plástico e deixando-a do seu lado.
Duas batidas foram ouvidas na porta, e Taehyung foi até ela para abri-la. Dois betas traziam em bandejas pratos com comida generosos, e o alfa agradeceu por isso. Teve ajuda de Jungkook para pegá-las, e logo estavam sentados no soalho, as bandejas sobre o colo.
— O Norte fica longe daqui? — Jungkook indagou, degustando da comida. Taehyung negou.
— É bem próximo, na verdade. Por isso a aliança com esse reino é tão forte.
Jungkook assentiu, e eles terminaram de comer em silêncio.
— Aqueles alfas que nos atacaram... eles não tinham intenção de me machucar. Pensando bem, tudo que eles estavam fazendo era ganhar tempo até que os outros chegassem — Taehyung ditou com convicção, todo o acontecido não tinha parado de passar em sua mente repetidas vezes. — Provavelmente desistiram quando viram que não estávamos sozinhos.
— Eu vi quando o alfa que vinha atrás de mim retornou. Era como se eu não fosse importante o suficiente... — murmurou, confuso.
— Aqueles lobos... eles não são de nenhum reino conhecido. Não consegui identificar cheiros. Imagino que sejam exilados, contratados para fazerem o trabalho sujo — Taehyung pontuou.
— Acho que está certo — disse.
— A mãe de sua prima está aqui, não é? Não quer tentar falar com ela? — Taehyung sugeriu, os dois deixando as bandejas próximas a saída do quarto, onde os mesmos betas voltaram rapidamente para recolhê-las.
— Bem, talvez... mas não somos tão próximos assim — disse com um sorriso sem graça.— Mas ela conhecia bem meu tio. Vai ser bom para saber caso seja com meu tio que eu tenha que lidar quando voltar. Acha que posso vê-la agora?
Taehyung concordou.
— Preciso falar com o rei agora. Explicar a situação. Vamos comunicar a ele seu pedido e esperar a convocação dela para te encontrar aqui. Também vou aproveitar para mandar uma carta ao meu pai. Acho que ele deve saber tudo isso — Taehyung disse com um suspiro pesado.
Eles seguiram até o enorme salão onde o rei conversava com seu conselheiro sobre assuntos do reino. Taehyung se aproximou devagar, dando tempo para que fosse visto. Jungkook estava do seu lado, a mão entrelaçada a sua.
— Taehyung-shi! É bom vê-lo, mesmo que em circunstâncias como essas — Kim Namjoon, o rei, deu-lhe as boas vindas. Ele deveria ter a mesma idade que seu pai.
— É bom revê-lo, Namjoon hyung — disse, um aperto de mãos quando estavam perto o suficiente. — Esse é Jungkook, meu ômega — sentiu certo orgulho por saber que ele era o homem mais sortudo do mundo por ter o ômega ao lado.
— Seja bem vindo ao Leste, Jungkook. Você é de que reino?
Jungkook ficou um pouco receoso sobre sua resposta. O reino Oeste não era seu lar fazia dois anos, e era praticamente um exilado. Olhou para Taehyung, e foi quase automático para que ele entendesse o pequeno desconforto que sentia.
— Ele tem passado um bom tempo longe de casa, nas proximidades do reino Sul — disse. — Há uma pessoa próxima dele aqui, peço que permita que Jungkook fale com ela.
— É claro! Quem seria?
— Naeun. Ela era a esposa do atual rei do Oeste — Jungkook tratou de informar.
— Seokjin, consiga uma reunião com a dita cuja, informe que é um pedido urgente — falou, e Seokjin assentiu antes de olhar para Jungkook, dizendo-o para segui-lo.
— Eu vou vê-lo assim que terminar por aqui — Taehyung disse, deixando um beijo casto contra a bochecha do mais novo.
Jeon assentiu, afastando-se em seguida.
Seguiu Seokjin até que estivessem em uma sala pequena, mas confortável. Havia uma mesa no centro, e várias estantes encostadas nas paredes, com papéis e mais papéis.
— Aguarde aqui, voltarei logo — ele falou, antes de sair pela porta e deixar Jungkook sozinho.
Sentou-se na cadeira da mesa, esperando pacientemente. Seus pensamentos estavam congelados, não conseguia pensar em nada. Ouviu quando passos se aproximaram, e levantou quase de súbito.
A porta foi totalmente aberta, Jungkook pôde ver aquele rosto que há tanto tempo já não era tão familiar.
Naeun possuía cabelos longos e negros, a pele pálida, e pareceu olhar confusa para ele até que reparasse melhor. Seus olhos arregalaram, surpresa com o que via.
— Vou deixar vocês a sós — o beta disse baixo, fechando a porta assim que saiu do local.
Jungkook sorriu pequeno, aproximando-se um pouco.
— Naeun noona? Sou eu, Jungkook. Lembra de mim? — perguntou, vendo a mais velha assentir com um sorriso pequeno antes de aproximar-se e puxá-lo para um abraço. Era bom sentir isso de alguém que conhecia antes, que viera do mesmo lugar que si. Não se sentia um total intruso em terras desconhecidas.
— O que faz aqui, pequeno? Não deveria estar no Oeste? — a pergunta saiu carregada de confusão. Jungkook suspirou, segurando nas mãos menores com certo pesar.
— Muitas coisas aconteceram até eu chegar aqui.
Naeun assentiu, entendendo que a situação não era tão simples.
— Me conte.
***
— Primeiro você foi deixado sozinho, depois tentou ir para o Norte com o príncipe de lá e foi perseguido até chegar aqui... — Naeun disse, organizando as informações. — Isso é preocupante, Jungkook, mas eu não posso dizer que estou surpresa.
Jungkook permaneceu em silêncio, induzindo que ela continuasse.
— Seu tio sempre pareceu ter certo remorso por ser o mais novo, mesmo que fosse gêmeo de seu pai, o fato de ter nascido segundos depois o tirou o direito ao trono. Ele não suportava, queria que Hyerim governasse, e nada mais importava — iniciou, sentindo a atenção de Jungkook sobre si. — Eu o deixei porque não o suportava mais. Justamente por tudo que ele tinha na cabeça era essa ideia de ser um estorvo porque era o mais novo. Não imaginei que ele poderia realmente fazer algo, mas não tenho dúvidas agora — murmurou. — Foi seu tio. Junghoon fez tudo isso.
— Você acha que ele matou os meus pais...? — Jungkook podia sentir o coração contra o peito naquele momento.
— Não acho que ele seja um assassino, mas sim, traiçoeiro. Poderia muito bem ter ameaçado sua vida caso seus pais tentassem o impedir. O melhor modo de não machucar ninguém seria te mantendo longe e seguro, imagino que foi exatamente isso que ele fez. Você ter tentado ir embora deve ter caído nos ouvidos dele, por isso ele mandou irem procurar você, e então, houve a perseguição.
— Qual é a cor do lobo do meu tio, noona? — perguntou meio exasperado, quase como se aquele pensamento fosse seu ponto chave de solução.
— Um lobo vermelho. Eles são raros, e apenas seu pai e ele tem essa cor no reino Oeste.
Jungkook sentiu o coração falhar uma batida. Então era isso!
Levando em consideração aquilo, era seu tio que o vigiava, mantendo outros longe do casebre, provavelmente tentando manter a "promessa de segurança" que fizera aos seus pais. Por isso o lobo lhe remetia a família. E como ele viu Taehyung e ele juntos na porta, deve ter mandado seus homens para os vigiar, e foi justo quando tentaram ir para o Norte.
Os pontos se ligam de tal forma que Jungkook sentiu o olhar pesar. Era seu tio, era alguém de sua família que estava por trás de tudo aquilo.
Taehyung apareceu na sala em seguida, de forma silenciosa. Naeun só o sentiu quando ele passou por ela, parando ao lado de Jungkook, esse que havia acabado de sentar na cadeira, como se perdesse suas forças.
A ômega percebeu o olhar direcionado para ela, quase como uma acusação pela situação de Jungkook naquele momento. Entretanto, a mão que segurou na de Taehyung o tranquilizou um pouco, desfazendo o olhar.
— Você está bem? — Taehyung perguntou baixo, podia sentir o desconforto pela marca. Estava tão preocupado.
— Estou, eu só... — Jungkook suspirou pesadamente. Acalme-se Jungkook, pense em seu bebê. Inspirou fundo, olhando para Naeun em seguida. — Obrigado pelo que me disse, noona.
— Quer ir para o quarto? — o alfa perguntou baixo, vendo o ômega assentir. Ajudou-o a levantar, a ômega parando na frente deles quando já estavam próximos da saída.
— Tome cuidado, Jungkook. Ele queria uma aliança com o reino Norte, sempre foi o maior desejo dele.
Taehyung ouviu com atenção. Se fosse verdade, seria uma boa justificativa do porquê aqueles dois lobos evitaram o machucar, apenas aguardando que outros chegassem para que o levassem para não sabia onde. Ele era o herdeiro do Norte afinal, quem quer que fosse não ganharia nada com ele morto.
— E por favor, poupe Hyerim, Jungkook. Ela é uma menina boa, jamais faria algo errado — Taehyung viu quando a mais velha o olhou pedinte, antes de continuar, de forma mais baixa. — Cuide dele...
— Eu irei — sorriu pequeno para ela, saindo em seguida do quarto com Jungkook. Levou-o até o quarto, deitando o mais novo com cuidado na superfície macia.
— Eu tenho certeza que foi meu tio agora. Eu sinto isso — Jungkook murmurou. — Precisamos tomar cuidado.
— Nós vamos. Agora descanse, por você e por nosso filho — disse baixo, deixando um beijo na testa do ômega, vendo-o sorrir pequeno. — Eu amo você.
Não demorou para Jungkook adormecer. Sentou-se na cama, pensando um pouco em toda situação. Havia mandado uma carta para seu pai informando a situação em que estava, tinha quase certeza que ele apoiaria seu relacionamento com Jungkook se soubesse que ele era o verdadeiro herdeiro do Oeste.
Mas precisava tomar cuidado. Seu pai o exilou por não aceitar o casamento, talvez estivesse até mesmo sendo manipulado. Se fosse esse o caso, Jungkook não estaria seguro no Norte.
Levou as mãos ao rosto, passando pesadamente sobre ela antes de se deitar ao lado de Jungkook. Abraçou o ômega com cuidado, mantendo-o perto, sentindo-se calmo apenas por vê-lo daquele modo. O dia tinha sido longo, e só estava começando.
Notas:
Dúvidas apenas me gritem
Gostaram do cap? Esse é meu segundo preferido
Eu tinha duas opções enquanto escrevia pra denominar o lobo vermelho: ou o rei Junghoon ou um informante dele. Eu escolhi Junghoon e adaptei a história com essa opção, do mesmo modo que teria sido se fosse com um informante. De qualquer forma, as duas ideias estão corretas, e fiquei muito feliz por ver vocês dizendo sobre as teorias <3
até o próximo cap em rumo ao Norte!
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