Capítulo 7
Tomas
Durante os próximos dias não procuro por Iolanda. Ela também em nenhum momento me ligou. Fiquei trancafiado no meu quarto sendo tomado pelos meus pensamentos. Fico feliz que a tristeza não toma conta mais de todos eles. Tento não focar que hoje seria o aniversário de Talia, tento não dar espaço para a dor falar mais alto. Recordo-me de algumas datas que passamos juntos, das festas surpresas, e seu sorriso toma minha visão... Seus olhos brilhosos emocionados com a festa surpresa que ganhou quando pensou que todos haviam se esquecido do seu aniversário, a sua euforia em planejar as festas, tudo isso vem à tona, mas fico feliz quando me dou conta que o sentimento é saudoso e não triste. As pessoas sempre comentam sobre aproveitar intensamente a vida... E Talia aproveitou cada segundo... Para ela tudo era motivo de festa... Sua alegria realmente era contagiante... Acredito que todos vivem sabendo que um dia irão morrer, mas na verdade nunca estamos preparados... Você nasce sabendo que pode morrer amanha, que ao deitar para dormir você pode simplesmente não acordar nunca mais. Mas você sempre vai correr da morte... Sempre irá viver planejando o amanhã, o próximo mês, o próximo ano, a próxima década, mas às vezes você não se dá conta que pode não chegar a viver nem o próximo segundo... E se dá conta menos ainda, que tudo isso passa e você não para pra pensar se está realmente vivendo ou só existindo e fazendo planos... Nem mesmo em como será depois da morte... Afinal não tem como você saber o que vai te levar dessa vida, o que vai tirar a vida de você... Você não sabe se vai sentir dor, se irá partir enquanto dorme, enfim, você nunca saberá... Me pego pensando se com Talia foi assim... Será que ela teve medo? Será que ela sentiu dor? Será que o avião só caiu e pronto ou ela vivenciou todo um pânico antes? Meu coração palpita por não estar lá com ela segurando a sua mão... Não ter abraçado ela e ter dito a ela que tudo ficaria bem... Mas tudo bem... Nada que eu faça ou pensei irá mudar tudo o que aconteceu.
-Tomas você está bem filho? – Minha mãe entra no quarto com os olhos preocupados.
-Oi mãe, sim estou sim e você? - Ela observa o quarto e sei que procura por móveis destruídos e bebidas... Anos anteriores era só isso que fazia... Queria tudo destruído... Assim como eu estava...
-Trinta anos... – Ela diz baixo e sei que esta falando sobre o aniversário de Talia.
-Sim... Trinta anos... Mas estou bem mãe, não se preocupe... Não irei beber e nem destruir nada. – Digo a ela sorrindo que me olha com olhos cansados e amorosos.
-Que bom filho, fico feliz com esse progresso... Tomas posso só te fazer uma pergunta? – Ela diz receosa e só pelo seu olhar sei que vem bomba. Sinalizo que sim, e ela respira fundo antes de começar. – Isso tudo, essa sua melhora, tem algo a ver com a moça que você atropelou?
-Bom... Não nego pra você que sim mãe... Ter quase matado ela ou ter feito ela perde o bebe parece ter me puxado de volta para a realidade...
-Não tem risco de você se apaixonar por ela ou algo assim não é? – Ela pergunta com a voz trêmula no final me fazendo rir.
-Não mãe! Eu só tentei a ajudar a todo o momento... Não nego a você que a admiro muito, ela tem uma garra para viver que queria muito ter... Ao invés de ter perdido quatro anos da minha vida sofrendo por algo que não tem como voltar atrás, mas a amizade dela quero sim, ela é sozinha, precisa de um apoio e estou disposto a ajuda-la... – Ela sorri pra mim não muito contente e sai do quarto sem dizer nada. Pergunto-me rapidamente o que ela deve estar fazendo agora, e decido procurar por ela. Pego as chaves do meu carro e saio. Dirijo até a sua casa e assim que chego vejo Henrique saindo com a caminhonete, porém sozinho. Bato de leve na porta, e escuto-a falando alguma coisa antes de abrir.
-Oi... – Digo a ela que demonstra surpresa a me ver.
-Demorou pra aparecer. – Ela diz revirando os olhos, e acabo sorrindo. – Desculpa é mais forte do que eu. – Ela diz sorrindo, me fazendo sorrir também. – Entra.
Entro em sua casa, e não consigo deixar de reparar o quão pequena ela é. Ela precisara de muito mais espaço para viver com uma criança.
-Vim ver como você está. – Digo enquanto ela me observa, analisando a casa dela.
-Estou bem. Cheguei a pouco da feira.
-Você já almoçou? – Pergunto a ela que me olha desconfiada.
-Não... Como te disse, cheguei há pouco.
-Você me deve um almoço, topa? – Ela me olha revirando os olhos.
-A única coisa que te devo é um soco bem dado por ter me atropelado, nada mais. – Ela diz séria, mas com um pequeno sorriso brotando nos lábios.
-Você pode me dar assim que tirar o gesso. – Digo sorrindo e ela revira os olhos de forma engraçada. – Estou falando sério, vamos?
-Não sei Tomas... Não acho uma boa ideia... Você não me deve nada, não tem o porquê fazer isso, sério mesmo. Esta tudo bem foi um acidente, isso não faz com que você tenha que fazer parte da minha vida ou eu da sua...
-Vamos combinar o seguinte... – Digo a interrompendo. – Vamos almoçar e prometo que será a ultima vez que você irá me ver... Certo? - Ela me olha com a sobrancelha arqueada e sei que esta pensando no assunto.
-Tudo bem... – Diz enquanto respira fundo. – Mas depois disso, é adeus Iolanda, certo? – Aceno positivo pra ela sem ter certeza se de fato irei cumprir com a minha promessa. Aviso a ela que irei esperar por ela no carro, enquanto ela se arruma. Antes que possa chegar ao carro dona Sofia aparece e sorri a me ver.
-Oi filho, como você esta? – Ela pergunta e vou até ela dando lhe um abraço.
-Eu estou bem, e a senhora como tem passado?
-Estou bem também. Com uma dor aqui outra ali, mas na minha idade você sabe que é só isso que me resta não é. – Ela diz sorrindo me fazendo sorrir também. – Veio ver a minha menina?
-Sim... Vim ver se ela precisava de algo. – Digo notando o carinho que ela tem ao falar com Iolanda. Iolanda aparece na porta já pronta e não consigo não notar no quão bonita ela esta. Mesmo com as cicatrizes dos machucados que estão a desaparecer, ela ainda sim é muito bonita.
-Estou pronta. – Ela diz e sei que a deixei envergonhada pela forma que a olhei. Despeço-me de dona Sofia, e abro a porta do carro para Iolanda. Dona Sofia fica parada, olhando toda a interação. Iolanda se despede dela, e entra no carro. Dou partida e pergunto a ela sobre o que ela gostaria de comer. Decidimos então ir ao restaurante que combinamos da outra vez. Por ser sábado o restaurante está um pouco mais cheio que o normal. Conseguimos uma mesa pelo lado de fora. Iolanda pede panquecas e sorrio ao ver como ela aprecia a comida e come com gosto.
-Vai ficar me olhando comer? – Ela pergunta tentando ser grossa, mas na verdade acaba sendo engraçada. Dou de ombros me desculpando. Ela me conta como foi a manhã na feira sobre o movimento que de fim de semana costuma ser maior.
-Porque nunca pensou em trabalhar com outra coisa? – Pergunto e percebo que ela não gosta.
-Tem algum problema ser feirante? – Ela me pergunta usando um tom de voz já irritado.
-Não, não foi isso que quis dizer. Eu me referi ao fato de você não ter seguido uma carreira algo assim.
-Vai à merda Tomas. – Ela diz se levantando completamente irritada. Coloco o dinheiro sobre a mesa, embaixo do porta guardanapos e corro atrás dela.
-Iolanda espere! Eu não te perguntei por mal. – Digo segurando em seu braço.
-Eu não tive uma vida fácil Tomas. Perdi minha mãe que era a única pessoa que tinha no mundo, e fiquei sozinha, completamente sozinha. Por um tempo corri atrás de um emprego bom, sempre quis ser alguém na vida sabia? Não tenho a vida fácil como você... – Ela diz quase andando. Fico completamente furioso com sua audácia de insinuar que minha vida seja fácil depois de tudo o que passei. Seguro em seu braço, a forçando olhar pra mim.
-Você precisa parar de se vitimar e olhar para a realidade Iolanda, a vida não é um conto de fadas. Você não sabe o inferno que venho passando. Como você pode insinuar que a minha vida seja fácil, se nem me conhece? Diz? – Ela me olha um pouco assustada, soltando seu braço.
-E qual é o seu problema Tom? Diz? Sua empregada faltou? Ou o seu carro novo ainda não chegou? – Ela diz em tom de deboche, porém com lágrimas nos olhos.
-Não Iolanda... Eu perdi minha esposa em um acidente... Minha esposa e minha filha... Desde então tenho passado por um inferno, você não sabe a dor que é passar por isso, então não julgue, não diga que minha vida seja fácil apenas por uma condição financeira. – Digo sentindo os olhos queimarem. – Ela me olha e abre a boca para falar algo e desiste. Uma lágrima escapa dos seus olhos, e então ela me abraça com cuidado devido ao seu braço machucado.
-Eu sinto muito... – Ela sussurra. Eu a abraço de volta e então as lágrimas caem. Tanto as minhas como as dela. – Eu jamais imaginaria que você passou por isso... Sinto muito... – Ela diz e sei que esta sendo sincera.
-Eu estava por anos Iolanda preso em uma bolha de dor e sofrimento... Estava apenas existindo, e ter atropelado você saber que por conta da minha dor eu quase causei dor a outras pessoas me trouxe de volta a realidade... Sinto muito mesmo, mas não diga que minha vida é fácil porque ela não é... – Ela me olha com os olhos tristes e emocionados, e sei que se arrependeu pelo que falou...
-Eu sinto muito Tomas... Você pode me levar para casa? – Ela pergunta e sinalizo que sim. Peço para que ela espere que vou buscar o carro. Jamais imaginei que o nosso almoço terminaria com esse clima, eu estou tentando ficar bem o dia todo, não esperava que fosse acontecer toda essa explosão. Estaciono o carro abrindo a porta pra ela que entra sem dizer nada. Durante o restante do caminho ela vai em completo silêncio. Não quero que ela se sinta mal pelo que disse e tenho uma ideia.
-Posso te levar em um lugar antes de te levar embora? – Pergunto tendo sua atenção. Ela pensa e sei que cogita negar. Porém sinaliza positivo. Dirijo em direção a uma praia que sei que é bem calma e não deve ter praticamente ninguém. Assim que estaciono ela me olha curiosa.
-Praia? – Me pergunta ressabiada.
-Sim, podemos caminhar um pouco... – Ela revira os olhos, mas desce do carro. Caminhamos um pouco em silêncio com um clima péssimo.
-Faz muito tempo que o que você me contou aconteceu? – Ela pergunta por fim encerrando o incomodo silêncio.
-Quatro anos... Hoje minha esposa estaria completando trinta anos. E minha filha teria três, quase quatro. – Ela me olha piedosa.
-Sua filha, era bebe?
-Talia estava grávida quando aconteceu o acidente. – Digo a ela que me olha sem jeito sussurrando um sinto muito.
-Como foi que aconteceu? Foi um acidente?
-Sim, de avião... O avião que ela estava caiu e nunca se quer encontraram o corpo dela. Não consegui nem me despedir dela. Dar um velório digno... Simplesmente dei um beijo disse adeus e jamais imaginei que aquele adeus era realmente o adeus... – Ela segura em minha mão com seu braço bom, tentando me passar conforto...
-Eu não consigo imaginar a sua dor, sinto muito pelo que disse Tomas, estou sendo sincera. – Aceno positivo pra ela.
-Sinceramente desejei morrer quando tudo aconteceu. Ela era o grande amor da minha vida... Éramos muito felizes, estávamos realizando nosso sonho, iriamos formar uma família quando tudo aconteceu... Eu preferia mil vezes ter morrido ao sentir a dor que senti...
-Não diga isso... – Ela diz me repreendendo, ainda sem tirar sua mão da minha.
-Você já me disse isso, que preferia ter morrido e até hoje não entendi. – Digo se referindo ao fato dela ter dito que deveria ter a matado quando a atropelei. – E isso me deixou muito frustrado, pois Talia não teve chance para sobreviver, para ir com a gestação até o fim.
-O dia que você me atropelou foi muito difícil pra mim... – Ela diz com os olhos fechados como se quisesse afastar qualquer sentimento de tristeza. Olho para ela a encorajando contar. – Eu tinha acabado de ser abandonada... Pela pessoa que confiei e entreguei meu coração...
-Como abandonada? – Pergunto interrompendo nossa caminhada, ficando frente a frente com ela.
-Lucas... Estávamos juntos por quase um ano, porém quando contei a ele da gravidez que não foi nada planejada, ele me disse que não podia... Que não iria ficar comigo porque já tinha uma família e só estava esperando um jeito de me contar... E bom, quando contei que teríamos um filho ele achou que foi a melhor oportunidade, então no mesmo dia fui abandonada e descobri que estava sendo enganada... Então estava tão transtornada, sai correndo e não vi o seu carro... E essa situação é tão fudida porque eu estou sozinha entende? Eu não tenho ninguém além do Henrique... – Ela diz enquanto as lágrimas caem. Eu a puxo para mim, a abraçando.
-Hey... Shiii! Não diga isso, você tem a mim Iolanda, e não esta sozinha... Eu prometo que vou estar aqui pra você sempre... Mesmo que você diga não, eu não me importo, eu prometo que irei te ajudar, prometo a você que não estará sozinha... – Digo selando a ela uma promessa. Ela chora ainda abraçada comigo, e então olho para o mar tão agitado quanto os sentimentos que carregamos. Eu entendo como ela se sente... Senti-me abandonado por um tempo, e completamente sozinho. Então para pra pensar... Como os caminhos de duas pessoas completamente destruídas se cruzam de tal maneira?
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