Capítulo 6
TOMAS
Acordo sentindo minha cabeça latejar devido ao tanto que bebi e ao pouco que dormi. Miguel me liga perguntando o que aconteceu depois que ele foi embora. Por um tempo meço o que devo falar. Cogito a hipótese de não contar nada a ele... Fingir que nada aconteceu, porém sei que se eu não contar, ele vai ficar sabendo. Conto a ele o que realmente aconteceu e ele tenta me acalmar, dizendo que é o começo, que estou começando a sair do meu casulo de sofrimento agora. Tento acreditar no que ele diz, e desço para tomar café. Minha mãe nem ao menos precisa me olhar pra saber que não estou me sentindo muito bem.
-Vai ficar em casa hoje filho? – Ela pergunta mesmo me vendo vestido para ir ao escritório.
-Não, irei ao escritório... E depois vou tomar um café com Iolanda. – Ela me olha surpresa, e faz a menção de abrir a boca para começar a falar, e antes que ela o faça me levanto da mesa, lhe desejando um bom dia. Saio com o carro, e assim que chego até o consultório olho para o prédio luxuoso em tons negros, e não sinto vontade alguma de entrar. Sinto vontade de conversar com alguém, mas não quero falar com Miguel. Decido dirigir até a feira, caminho até a barraca de Iolanda que continua trabalhando mesmo no estado em que se encontra. Decido não me aproximar dela, então pego o celular no bolso e procuro pelo seu nome na agenda, e ligo pra ela. Observo de longe ela pegar o celular e mostrar para Henrique. Ele sorri, enquanto ela olha sério para o celular e deixa a chamada cair na caixa postal. Henrique fala sério com ela, enquanto ele atende um cliente. Decido rediscar a chamada só pra confirmar se realmente ela vai continuar ignorando a chamada. No segundo toque ela atende.
-Oi.. Estou te atrapalhando? – Pergunto a ela, enquanto a observo conversar no telefone com a barraca sem nenhum cliente..
-Não muito, se você puder falar rápido, estou com alguns clientes esperando ser atendido. E preciso ajudar Henrique com um braço só. – Ela diz e não consigo evitar sorrir ao ver que ela esta mentindo.
-Ah sim, sinto muito. E novamente, peço desculpas pelo seu braço. Só queria confirmar o café... Que pode ser um almoço também... – Noto quando ela sorri, e gosto do seu sorriso.
-Tudo bem... – Ela diz em pausas. – Pode ser um almoço. Vou terminar aqui por volta da uma da tarde...
-Sem problemas, passo na sua casa pra te buscar as duas? – Pergunto enquanto olho para o relógio e noto que são quase onze horas.
-Não, só me mande o endereço e Henrique me leva. – Ela diz firme e concordo. Volto dirigindo para o escritório me sentindo um pouco ansioso. As horas demoram a passar, e confiro o relógio de cinco em cinco minutos. Converso um pouco com Kyra, a minha secretária e ela me passa as ultimas novidades a respeito de alguns casos. Um deles é um homem, que nem sei se posso chama-lo assim, que quer recorrer sobre o valor da pensão. Odeio esses casos, e geralmente não aceito trabalhar com eles. Repúdio esse fato com todas as minhas forças. Não sei da onde veio a minha vocação para ser advogado, simplesmente surgiu, antes que terminasse o ensino médio já sabia que queria seguir no ramo do direito, como meu avô e meu pai trabalhavam, e assim é até hoje, e amo o que faço, amo uma boa batalha. E raramente em todos os meus anos em advocacia, perdi algum. Olho para o relógio que para a minha felicidade mostra que já são por volta de uma hora, mando o endereço para Iolanda, de um restaurante que serve massas. O mesmo é pequeno e aconchegante, como ela é bem orgulhosa, não quero que se sinta desconfortável. Decido ir para o restaurante, e a aviso que estou indo. Ela me responde somente um ok, que logo chegará. Observo o lugar e noto que também gosto daqui. Sempre me recomendaram, mas nunca vim, nem mesmo com Talia. Ele é bem prestigiado, porém tem uma forma simples, mas bem aconchegante. As toalhas xadrez, já entregam o lado italiano do restaurante. A estrutura é bem bacana, e ele é completamente aberto, com vidraças ao invés de paredes. Quando estou esperando aproximadamente por meia hora, sou surpreendido com a Amanda.
-Hum, então também é fã de uma boa massa! – Ela diz me pegando de surpresa.
-Oi... – Digo envergonhado, levantando para cumprimentá-la. Ela me abraça de uma forma intima que me deixa desconfortável e deposita um beijo em meu rosto.
-Está sozinho? – Ela pergunta e noto um brilho a mais em seus olhos.
-Não, estou esperando uma amiga... – Ela abre a boca surpresa e sei o que se passa em sua cabeça. – A moça que atropelei, acho que Miguel comentou com vocês, a Iolanda.
-Ah sim, a feirante... – Ela diz e noto certo repúdio em sua fala, que faz com que as impressões que tinha dela desaparecem. – Está fazendo caridade trazendo ela para almoçar em um lugar como esse? – Rio com o que ela diz e sua aspereza e prepotência me enojam.
-Não, de forma alguma. Iolanda não é do tipo que precise de caridade, ao contrário disso. É uma moça de alma caridosa, sem preconceitos nenhum, e uma pessoa maravilhosa, além de batalhadora. – Ela fica desconcertada com o que digo, e se despede de mim. Espero por Iolanda por aproximadamente uma hora, e nada dela aparecer. Ligo para ela e a chamada cai direto na caixa postal. Espero por aproximadamente duas horas e meia, e ela não aparece... Então começo a entender o que ela fez... Ela não iria vir, por isso aceitou tão fácil... Desde o começo ela já planejava me fazer de idiota... Ligo para ela novamente, e noto que ela rejeita a chamada. Mas isso não vai ficar assim barato, pego as chaves do meu carro e já sei aonde vou...
IOLANDA
Logo pela manhã, assim como combinado Henrique bate na porta para me ajudar a ir para a feira. Ele fala comigo somente o necessário, e ainda sei que está chateado.
-Acho que te devo desculpas por ontem... Você me desculpa? – Pergunto enquanto seguro em suas mãos. Ele me olha e então sorri, e sei que estou perdoada.
-Tem como não te perdoar? Tem como viver sem você? – Ele me diz enquanto me abraça. O machucado em meu braço dói, porém o abraço carinhoso do meu melhor amigo, cura tudo. Não lembro ao certo quando nossa amizade começou, porém nas minhas mais remotas lembranças de infância ele está presente. Nossas mães eram amigas, e lembro-me bem do quanto Dona Alicia cuidou da minha mãe em seu leito de morte. Conto a Henrique que liguei para Tomas para me desculpar pelo minha grosseria e ele fica surpreso. Zomba sobre o meu progresso em ser um ser humano melhor. Conto a ele sobre o café também, ele defende Tomas dizendo que ele parece ser uma pessoa muito boa, e solitária. E realmente não nego que também tive a impressão dele ser bem solitário. Seus olhos possuem um brilho de tristeza, como se tivesse passado por algo bem doloroso. Quando soube que ele havia me atropelado, rapidamente associei seu sobrenome ao prédio luxuoso no centro. Mitchell Advocacia. O mesmo prédio que entreguei um currículo e fui totalmente humilhada. Lembro o quanto chorei nos braços do Henrique aquele dia... Senti-me o ser humano mais inútil da face da terra... Havia acabado de perder minha mãe, precisava encontrar uma fonte renda para sobreviver, estava cursando o primeiro ano do ensino médio, e queria continuar os estudos.
-Seu celular está tocando Lola. – Henrique diz, enquanto entrega algumas alfaces para um cliente. Olho para a tela e vejo o nome de Tomas na tela. Mostro para Henrique quem esta me ligando e ele sorri. Mas algo me bloqueia, me paralisa, e não consigo atender. A chamada caiu diretamente na caixa postal. Henrique me repreende, não compreendo o que ele fala por estar presa em uma espécie de bolha. Atendo a ligação, sentindo certa euforia, e combino de almoçar com ele. Depois disso, as horas se arrastam. Com o dinheiro absurdo que Tomas pagou pelos tomates, consegui ter uma variedade maior de legumes para venda, e como consequência disso, um lucro melhor também. Bancas com uma maior variedade, mais colorida parece atrair melhor o cliente, não sei, talvez seja algo visual, não tenho certa explicação, é só uma convicção, um achismo. O movimento por fim acaba, e ajudo Henrique no que posso para poder guardas as coisas em minha caminhonete. Estou completamente ansiosa. Assim que chego a minha casa, tomo um banho e me arrumo protestando o tempo todo. Pois mal consigo me arrumar com um braço só. Faço o melhor que posso consultando Henrique toda hora, e agradecendo mentalmente por ter um amigo tão bondoso e paciente.
-Lola, tem alguém já que possa te ajudar na segunda? Eu irei viajar, voltarei uns quinze dias depois, e você ainda vai levar um tempo até tirar esse gesso do braço. Acredito que você irá tirar quando eu chegar. – Henrique diz me deixando de certa forma preocupada, porque realmente não tenho quem me ajudar, e nem ao menos dirigir consigo.
-Tenho sim, pode ficar tranquilo. – Minto para não preocupa-lo.
-Quem? – Ele diz se levantando do pequeno sofá, e deixando de lado seu celular.
-Ah, o seu José da barraca de frutas. – Minto novamente pensando na primeira pessoa que surge em minha mente. Ele ri alto, e sei que fui pega no pulo.
-O seu admirador secreto que fica lhe dando bananas de presente? – Ele diz sem parar de rir.
-Cala a boca Henrique. – Digo segurando para não rir. Tantas pessoas naquela feira, e fui lembrar-me somente do seu José. – Estou pronta, você me leva?
-Você sabe que pode ficar esses dias em casa, sabe que pode contar comigo. Eu te ajudo com o que tenho Lola. Não quero que se esforce sozinha, você está grávida, não se esqueça disso... – Ele diz todo solidário, sorrio pra ele de forma carinhosa, e ele sabe que não vou entrar nesse assunto.
-Você está pronto? Pode me levar? – Pergunto novamente, reforçando que realmente não quero entrar nesse assunto.
-Claro. Você está muito bonita. – Ele diz, e me sinto realmente assim. Fora os ralados em meu rosto que a maquiagem ainda não esconde, mas ainda sim me sinto bem, bonita. Henrique dirige até o endereço que Tomas me mandou. Assim que chego ao restaurante, já gosto de imediato, noto que é um restaurante que serve massas, e meu estômago me lembra de que esta com fome. Desço do carro e me despeço de Henrique, indo até Tomas. Vejo que ele está sentado em uma mesa no canto, próximo a janela, observo o restaurante, e sinto que o ambiente é muito agradável. E o cheiro então... Humm... Maravilhoso... Enquanto me distrai observando o restaurante, não percebi a moça que se aproximou de Tomas. Não é preciso olhar muito para saber que ela tem o mesmo nível de vida que ele. Sua roupa chique e exuberante deve valer dez vezes mais que o meu próprio carro. Ela sorri completamente simpática e intima dele, o que me faz ter certo receio de se aproximar. Lentamente me aproximo deles, a ponto de escutar a conversa. Percebo que ambos não notam a minha presença, e o que escuto me machuca profundamente. Ela é bem hilária ao perguntar a ele sobre caridade. Viro as costas e vou embora, sem escutar o restante da conversa. Enquanto caminho de volta para casa, sinto que uma lágrima escapa dos meus olhos. Como fui tola e idiota a ponto de aceitar ir almoçar com uma pessoa como ele. Talvez eu seja realmente a sua obra de caridade, toda essa culpa, essa preocupação, toda essa boa vontade dele seja apenas isso. Ligo para Henrique que não atende, e continuo caminhando a pé. Novamente me sinto humilhada... E me pergunto a que ponto deixei a minha vida chegar... Não consegui nem metades dos meus objetivos, e aqui estou grávida e abandonada. Sinto pena de mim mesma, e esse sentimento me enjoa, dez vezes mais do que o enjoo da gravidez. Caminho sem rumo até sentir meus pés doerem, e quase uma duas horas depois chego a minha casa. Deito em minha cama, deixando as lágrimas caírem de vez. Alguém bate na porta, e imagino que seja Henrique. Pergunto-me porque ele esta batendo, ele nunca faz isso. Quando abro a porta, dou de cara com Tomas, tento fechar a porta, mas ele é mais rápido do que eu, e consegue manter ela aberta.
-Você é a pessoa mais orgulhosa, mais arrogante que existe! Você quer brincar com as pessoas, fazer elas de trouxas, e você conseguiu, você me deixou te esperando por duas horas e meia, e vim até aqui para te perguntar, afinal, o que você ganhou com isso? Você tem toda essa marra de maldosa, eu achei que fosse só uma forma de se defender, mas não, eu paguei pra ver, você realmente é muito maldosa, muito mesmo. Eu tentei ser seu amigo Iolanda, tentei te ajudar, mas olha! Sua arrogância não deixa de me surpreender! - Ele diz batendo palmas. – Parabéns! Você conseguiu! Eu que não quero mais ter amizade com uma pessoa tão arrogante tão soberba como você.
-Dá o fora daqui Tomas, eu nunca quis nenhum vinculo com você nem mesmo o de amizade. – Eu digo a ele que então olha em meus olhos. Tento fechar a porta novamente, mas ele consegue abrir ela de novo, afinal graças a ele estou com um braço a menos.
-Espera, você estava chorando? – Ele pergunta, e vejo que sua entonação saiu de raivosa para preocupado.
-Vai embora. – Praticamente grito com ele. – Não temos que ser amigos, eu não faço parte da sua vida, aliás, você parece bem desapontado. Talvez seu projeto de caridade não tenha dado certo, não foi assim que você e sua amiga falaram? E, aliás, você é a pessoa mais fútil que já conheci a mais falsa, a mais sínica! – Ele me olha e vejo que não entendeu. – Eu ouvi sua conversa com aquela magricela no restaurante, não foi assim que vocês me definiram? Pessoas como vocês me deixam com nojo da raça humana, seus riquinhos de merda, da o fora daqui.
-Não Iolanda! Meu Deus você foi! – Ele diz surpreso e sem ser convidado ele entra.
-Além de retardado você é bem sem educação, não me lembro de convidar você para entrar. Pode ir embora, por favor? Eu estou cansada... – Digo sem olhar pra ele. Se não fosse a minha boca grande, ele iria achar que não fui por querer zombar dele, o que seria ótimo. Afinal, porque não pensei nisso antes?
-Você foi e ouviu tudo errado. Amanda realmente falou isso... Mas eu não concordei com ela.
-A vaca tem nome. – Digo revirando os olhos. Penso ter falado somente pra mim, porém sei pelo risinho que brota em seu rosto que ele escutou.
-Sim, a vaca tem nome e é bem arrogante. Eu a dispensei assim que ela falou de você. Eu não concordo com esse tipo de atitude Iolanda, muito menos esse tipo de gente. Peço desculpas pelo que ela disse, mas você é tão encrenqueira e não quis ouvir a conversa toda? – Ele pergunta e sei que está sendo sincero.
-Estou em desvantagem. Grávida e com um braço a menos, isso seria injusto. – Digo sorrindo pra ele, dando de ombros. Ele ri, e gosto do tom divertido de sua risada. É como se ele realmente precisasse sorrir mais, não sei.
-É realmente, seria injusto. Peço desculpa pela minha grosseria ao chegar aqui, achei que você não tinha ido, tinha me feito esperar de propósito. Amigos? – Ele diz enquanto me estende a mão. Eu olho para ele sinceramente, e abaixo a cabeça não estendendo a mão de volta.
-Não Tomas... Não posso... Nossas realidades são totalmente diferentes, sei que não será só Amanda que pensa dessa forma...
-Ei! Eu não estou te pedindo em casamento. Estou afirmando que quero ser seu amigo, e isso sobre o que o povo pensa não me interessa de forma alguma... – Ele diz, e vejo a sinceridade em seus olhos. Ele se aproxima de mim, segurando em minha mão, o contato me pega de surpresa, e noto o quanto sua mão esta gelada. Nervosismo... Ele realmente está nervoso. – Eu não sou essas pessoas arrogantes Iolanda... Eu gosto da pessoa que você é... Dessa sua marra, dessa sua valentia em enfrentar as coisas, e não deixar nada te abalar... Na verdade eu invejo você... Se tivesse pelo menos metade de sua coragem às coisas não teriam sido pra mim como foram... – Eu não consigo desviar meus olhos dos seus e gosto do que ele fala. Sua voz é rouca, mas ao mesmo tempo macia, e me traz uma sensação de conforto, de tranquilidade. – Só queria que você soubesse disso Iolanda... Eu admiro muito você e sua força! – Ele diz sem tirar seus olhos dos meus. Ele solta da minha mão, e sai porta a fora sem dizer mais nada, me deixando sozinha e aflita com os meus próprios pensamentos...
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