Capítulo 5
Iolanda
Henrique volta para o carro e sinto vontade de socar ele. Ele me olha com certo receio por saber que estou brava. Ele sabe que jamais aceitaria o que ele fez, sei que sua intenção é boa e que realmente ele está preocupado comigo, mas quando digo que não quero, eu realmente eu não quero.
-Pode começar... Pode dar o seu sermão... – Ele me diz e sinto vontade de ficar ainda mais irritada, porém o efeito é o contrário e não consigo ficar brava.
-Não vou brigar com você... Não estou a fim.
-Então eu vou... Que história é essa de marido? – Ele pergunta e eu reviro os olhos.
-Foi bobagem, achei que fosse afastar aquele imbecil, mas não adiantou de nada.
-Ele sabe que sou gay Lola... – Ele diz me deixando espantada.
-Como sabe? Sofia contou?
-Não... Eu contei... E eu acho que você deveria tratar ele melhor... Ele é uma boa pessoa. Só quer ajudar você. – Ele nem termina sua fase e já fico irritada.
-Eu não preciso da esmola de ninguém Henrique. Não preciso da ajuda dele, ele me atropelou, esta ok, foi um acidente, ele não tem que ficar bancando o salvador da pátria.
-Ele não está... E você sabe disso, como sempre você está deixando o seu orgulho falar mais alto...
-Você está a fim dele é isso? – Pergunto e vejo o quanto ele fica ofendido.
-Não Iolanda, não tem nem lógica o que você está dizendo. Só acho que você esta precisando de ajuda. Você tem que deixar essa marra de lado que o mundo não gira em torno de você. Você precisa aprender que suas palavras machucam as pessoas. Você fica na defensiva pra se defender, mas não percebe que o jeito que você age machuca as pessoas. E agora, você tem que pensar que não é só você, você vai ser mãe, precisa dessa maturidade de se defender sem machucar os outros. Ninguém tem culpa dos seus problemas e as pessoas carregam suas próprias batalhas também. – Ele diz me deixando com raiva.
-Eu não preciso da ajuda de ninguém Henrique... Não preciso de esmola de ninguém.
-Você sabe muito bem do que estou falando, não tem nada a haver com dinheiro, acorda Iolanda. – Ele diz estacionando a caminhonete na frente da minha casa. Sem pensar duas vezes desço tomada pela raiva e bato a porta com força. Demoro a conseguir abrir a porta por conta do meu braço quebrado, e assim que entro fecho à porta sem dar chance de Henrique entrar. Não sei se é por conta dessa gravidez, ou se por conta que sei que Henrique tem razão me jogo na cama caindo no choro. Sinto que estou perdendo o controle da minha vida... Que se continuar assim não vou ter como nem sustentar essa criança... Não quero que ela tenha que enfrentar as mesmas batalhas que eu e se tornar essa pessoa amargurada. Sei que conforme na vida, vamos nos machucando, as pessoas vão nos enganando, criamos uma casca dura na qual ficamos envoltos por pura proteção... Mas precisamos ver que essa casca não precisa ser repleta de espinhos, que ferem as outras pessoas. Eu tenho as minhas guerras, Henrique tem as deles, Dona Sofia tem as delas, e sei que Tomas também tem as dele. E a vida não é uma via de mão única, aonde suas atitudes só vão, elas sempre encontram um jeito de voltar pra você... Cada palavra lançada, cada pedra jogada na intenção de ferir, sempre vão encontrar uma forma de voltar pra você. Pego o cartão de Tomas completamente amassado, que estava jogado no criado mudo, e o analiso antes de tomar a decisão que está crescendo em minha mente. Pego o celular e disco o seu número, decidida a pedir desculpas pela minha grosseria. A chamada começa a ser completada e quando estou quase desistindo, ele atende.
-Alô? – Ele pergunta, e sinto que está confuso por não reconhecer o número.
-Oi... – Digo com as palavras falhando. – Sou eu... Iolanda...
-Oi... Está tudo bem? Aconteceu alguma coisa? – Ele pergunta receoso.
-Não... Só liguei para agradecer pelo o que você fez hoje, e te pedir desculpas pela minha grosseria... – Ele respira e sinto que ele está surpreso.
-Não precisa se desculpar, está tudo bem. E, aliás, os tomates estavam saborosos. – Ele diz me fazendo sorrir.
-Ok... – Digo respirando fundo.
-Iolanda... Quer ir tomar um café comigo amanhã? – Ele me pergunta me deixando sem resposta. Eu liguei somente para agradecer, em nenhum momento quero estender essa conversa.
-Não posso...
-Não diga não de imediato, só pensa tá... – Ele diz e fico em silêncio. – Combinado? É só um café... Não é nada demais...
-Vou pensar... Preciso desligar. – Digo e já desligo a chamada, me sentindo constrangida com o seu convite. Mas o que me deixa surpresa é a parte em mim que quer aceitar o café...
Tomas
Recomeço... Não é uma coisa tão fácil depois ter sua alma estilhaçada. Quando Talia morreu, eu deixei de existir. Durante muito tempo eu senti que não passava de um mísero trapo jogado em cima de uma cama... A dor era demais, ela irradiava em meu peito, me sufocava, e parecia me torcer. Lembro-me do sofrimento da minha mãe ao ver-me assim... Ela praticamente largou tudo para poder ficar comigo. Pouco tempo depois meu pai faleceu... E creio que foi de tristeza... Ele via meu sofrimento e sofria... Via o de minha mãe e sofria... E no fim seu coração bondoso não aguentou tanta tristeza, mas creio eu que estava tão anestesiado tão preso em minha dor, que não senti nada... Tento me afastar dos pensamentos ruins e lembro de que é um recomeço que eu procuro. E voltar a ativa depois de tanto tempo enclausurado em uma bolha de tristeza não é algo tão fácil. Já tive vários recomeços ao longo dos meus 32 anos. Mas nunca um foi tão difícil. A parte mais difícil do luto é se desprender do sentimento de culpa. Eu me sentia culpado por sorrir, me sentia culpado pela minha vida ter continuado e a de Talia não. E só de pensar que minha filha nem chance de começar uma vida teve, me rasga o peito. Por muito tempo eu usei da culpa. A culpa era minha por não ter entrado naquele avião, a culpa era do piloto, a culpa era de Talia por ter decidido ir sem mim, a culpa era de Deus por permitir que algo tão cruel acontecesse. Mas enfim, levei tempo a entender que não adiantava encontrar um culpado... Nada voltaria a ser como era, e a ferida que sangrava em meu peito também não iria ser curada... E o medo era outra parte que me aterrorizava... O medo de não conseguir sobreviver à dor, essa que tirava tanto me o ar que parecia querer me incapacitar de viver... Foi doloroso... Senti que estava em um pesadelo, em uma espécie de tortura que não sairia não sobreviveria jamais. Por muito tempo me senti incapaz... Incapaz de qualquer coisa... De recomeçar uma vida, de sair do quarto... Chorei por meses... Trancafiei-me e me fiz refém do meu próprio sofrimento... Perguntava-me como seria nossa filha, como seria a experiência de ser pai, e por Deus, eu desejei muito esse filho... Desejei muito a família que havia começado a criar, mas que o inexplicável, o imprevisível tirou de mim, em um simples e doloroso passe de mágica... Como se fosse um rascunho de uma história bonita que foi apagada. Fecho o caderno em que escrevo o meu desabafo, e tomo um banho antes de se encontrar com Miguel.
-Tomas você vai sair? – Minha mãe pergunta surpresa. Quando desço e chego até a sala.
-Sim, irei sair com o Miguel. – Ela não disfarça a alegria que brota em seus olhos.
-Que bom filho, que bom mesmo! – Ela diz vindo até a mim, me dando um abraço apertado. Dirijo até um bar, onde encontro Miguel. O bar está lotado e isso não me agrada muito, mas lembro a mim mesmo que é isso que eu procuro. Um recomeço.
-Hey cara, e ai quanto tempo! Que bom te ver! – Miguel diz enquanto me abraça e não disfarça sua felicidade em me ver.
-Bom te ver também! –Digo a ele retribuindo o abraço.
-E ai, como você está? – Ele me pergunta e sei que se refere à Talia. Todos me perguntam se referindo a ela.
-Estou bem... Seguindo em frente. – Digo sinceramente a ele. Entramos no bar e começamos a beber. Ele me conta sobre o que vem fazendo, me fala um pouco de seu trabalho e fico feliz quando vejo que ele está bem na vida. Ele me conta que conheceu uma garota, que começaram há namorar alguns anos atrás, mas que infelizmente não deu certo. Sinto-me um pouco culpado por ter perdido tanto tempo da vida do meu melhor amigo. O sentimento de culpa... Ele novamente da a sua cara, mas não lhe dou atenção. Conto a ele sobre Iolanda, sobre o que aconteceu.
-Você esta falando dela com certo encanto Tom... – Ele diz me chamando pelo mesmo apelido que Talia me chamava.
-Não! Que isso! Ela só é intrigante... A marra dela é desafiadora, mas é só isso. – Ele me olha, e vejo que está me analisando.
-Tom... Você sabe que não tem que ser responsável por ela não é? Não quero te chatear, mas ela sozinha, frágil e grávida... Ela não é a Talia Tomas.
-Nossa! Essa comparação foi ridícula Miguel! Não tem nada parecido. – Digo a ele me sentindo incomodado com o seu comentário. Sinalizo para o garçom trazer mais uma dose de Uísque pra mim, e percebo que Miguel repara o quanto eu estou bebendo.
-Eu te conheço Tom, te conheço o suficiente para saber.
-Nossa Miguel não tem nem lógica o que você está dizendo. Eu não me sinto responsável, só sinto na obrigação de ajudá-la porque ela quebrou o braço no acidente e trabalha com feira, ela não tem nem como trabalhar com o braço machucado, é isso que estou dizendo.
-Tudo bem! – Ele diz e sei que não está convencido disso. Duas garotas se aproximam da gente e começam a conversar. Fico meio sem graça, e percebo que nem ao menos flertar eu sei mais. Durante todo esse tempo, não tive nenhuma relação com mulher alguma... Até mesmo o sexo... O prazer carnal... A tristeza me levou. Miguel me chama para dançar com elas, ele parece perceber o quão sem graça estou. Sirvo-me de mais uma dose para criar um pouco de coragem e vamos para a pista de dança. Enquanto converso com a loira, que se chama Amanda me sirvo de mais algumas doses. Quando olho ao redor noto que Miguel já sumiu e sei muito bem que ele foi ficar com a outra garota. Amanda me olha sorridente e diz algo sobre me beijar. Com a coragem que a bebida trouxe até mim, eu carinhosamente seguro em seu pescoço e a beijo. Ela corresponde e coloca seus braços finos em meu pescoço. Miguel aparece um pouco depois e vejo marca de batom em seu pescoço. Ele me avisa que esta indo, que vai levar Jessica embora. Ofereço carona para Amanda, ela me olha e me convida para ir até sua casa. Eu penso em negar, mas o álcool que corre em minhas veias me faz corajoso e vou. Amanda é muito bonita, e tem um papo legal. Assim que chegamos a sua casa, ela vem sobre mim, e os seus beijos são mais intensos. Ela tira minha camisa enquanto tiro seu vestido, e o clima começa a esquentar. Ela tenta desabotoar a minha calça, mas assim que olho para ela, seu rosto se funde no rosto de Talia. A confusão se instala em minha cabeça, e não consigo continuar. Não sei se é o álcool, ou se eu realmente estou ficando louco. Ela me olha sem entender e continua investindo em mim. Suas investidas ficam mais intensas, olho para Amanda que tem os lábios inchados por conta dos beijos, e seu rosto está corado, entregando o quanto ela esta me desejando. Vou até ela e a beijo forte, sentindo o desejo começar a florescer em mim, mas novamente seu rosto, sua feição se funde com a de Talia, e então fracasso.
-Desculpa Amanda... Não posso... – Digo a ela recolhendo as minhas roupas me sentindo envergonhado.
-O que houve? Eu fiz algo errado? – Ela pergunta, e vejo seu rosto chateado.
-Não é algo pessoal, não é nada com você... Você é ótima. Desculpa Amanda, preciso ir. – Digo enquanto termino de me vestir, procurando na bagunça que fizemos a chave do meu carro. Ela me olha desapontada, mas acredito que deve saber de toda a história. Dirijo pela madrugada sem direção, me sentindo confuso. Não consigo chegar a conclusão de que seja o álcool, ou tudo o que aconteceu.
-Droga! Droga! Mil vezes droga! – Digo socando o volante, completamente enfurecido. – Isso nunca vai passar Talia? Você sempre vai me atormentar assim? – Grito tentando por pra fora, a dor que exala em meu peito. O medo... O medo... Era o medo... A culpa... Estar com alguém ainda faz com que eu sinta que estou preso a Talia, e o que estou fazendo é errado, é como se estivesse traindo Talia...
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