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II. Serotonina (Ultrarromântico, ultraviolento)

TW: Menção a tentativa de suicídio, automutilação e uso de drogas ilícitas.

JIMIN

Bleach 78.9 FM, agora são exatamente seis e dezessete da tarde. Lembrando que as recomendações atuais são permanecer em casa ou procurar um abrigo mais próximo nas regiões de Shinjuku, Shibuya, Omotesando... ㅡ A voz no rádio parecia perto e longe. Dentro e fora da minha cabeça.

Algumas antenas de transmissão foram afetadas pelos ventos fortes na região nordeste de Tóquio e, enquanto aguardamos novas informações, vamos com mais uma canção. Essa foi a mais tocada da semana... ㅡ Meus olhos pesavam duas mil toneladas e, às vezes, pareciam nem mesmo existir, como se eu pudesse ver e entender o que se passava ao meu redor de uma maneira não natural.

Jungle life, I'm far away from nowhere, on my own like Tarzan boy... ㅡ Estou esparramado no chão, suando, expelindo água.

Parece que meu corpo inteiro virou líquido, que estou me esvaindo feito um rio.

Um rostinho feliz se desfez na ponta da minha língua, amargo e doce, umedecendo minha boca com o gosto inominável da vertigem. Algo em mim se liquefaz, escorre pelos ossos ocos, suga a medula, me tornando leve e pesado ao mesmo tempo. Nunca foi assim antes. Ou sempre foi, mas eu nunca percebi? O sangue pulsando com um ritmo novo, como se o mundo estivesse ligeiramente fora do eixo, girando um pouco mais depressa ou mais devagar. Estou aqui, mas também não estou. Estou sonhando e desperto dentro desse estranho sonho ㅡ e há um prazer intraduzível nisso, talvez eu esteja mesmo aprendendo a sentir o barato dessa trip.

Puta merda, preciso tirar essa camiseta, mas não consigo encontrar minhas mãos...

Uma sucessão de memórias sem rosto me assalta em flashes bruscos ㅡ espectros de segredos mal enterrados escapando de seus túmulos para me rondar de novo ㅡ e, aos poucos, vão sendo apagados por um pensamento involuntário: que eu poderia colocar tudo para fora, até mesmo pelas narinas. Trinta paus jogados no lixo se vomitasse toda essa porra. Que merda! Essa porcaria sempre acaba fodendo meu estômago!

ㅡ Tudo bem aí, Jimin? ㅡ Jeongguk falava tão devagar que seus silêncios podiam criar teias de aranha entre uma palavra e outra. Ele aproximou o rosto, mas eu não me movi. Nem tinha certeza se ainda possuía um corpo para mover ou se seus olhos estavam, de fato, me vendo. Parecia encarar dois orifícios vazios flutuando na sala, dois buracos negros prontos para aspirar cada molécula de vida do lugar. Mas os dois tapinhas de leve que ele dá em minha bochecha me fazem ter certeza de que ainda sou matéria, sou palpável, ainda existo.

Por que aceitava mesmo fazer parte disso?

O Bad Trip Game era um jogo sustentado pelo hype insano que aguentávamos. Na maioria das vezes, jogávamos em grupos grandes, nas festas secretas promovidas nos muquifos que Namjoon arranjava. O jogo consistia em responder perguntas ridículas sobre arte, cinema e filosofia, removendo uma peça de roupa a cada erro, além de propor desafios um ao outro ㅡ uma versão mais moderna e nada inocente de verdade ou consequência. Ganhou esse nome porque, na maioria das vezes, a dose final para o jogador batia da pior maneira antes mesmo do jogo acabar.

Da última vez, Taehyung bateu uma na frente do departamento de artes inteiro, nem sei ao certo se ele lembra disso: baixou as calças pro público e mandou ver, simples assim. Não fui o responsável por relembrar os incidentes no dia seguinte, mas aquela foi a primeira festa que compareci na vida, então imaginava que todos estivessem acostumados a presenciar cenas como aquela, já que a vida seguiu normalmente durante as semanas seguintes.

Dylan era ótima em aguentar doses maiores de ácido sem ter uma bad trip de primeira, ela costumava culpar os antidepressivos, depois de um tempo o organismo dela simplesmente mostrava mais resistência, mas eu, me sentia vagando pelo inferno, a pouca experiência com o uso de qualquer coisa me deixava desesperado e ansioso na primeira dose, como se todos os meus medos ficassem maiores e mais prementes. Dá última vez, não conseguia sequer mover os pés para ir embora, sentia como se meus braços e pernas não fizessem parte do meu corpo, tivessem sido implementados com a função de me matar. Me aniquilar de vez.

Uma sensação doida pra cacete!

Mas ao contrário do que vi a vida inteira em filmes assistindo às escondidas, nesses programas de TV, nos cursos antidrogas da escola, não se perde a capacidade de entender o que acontece. Não, tudo continua aqui. Mais forte e mais claro. Mais intenso e em contraste. Traz à tona o seu melhor lado, às vezes o pior, distorce os fatos, mas não te deixa esquecer. Tudo depende do que esteja te dominando naquele momento, essa é a verdade. E eu estava atolado de mágoa. Dizem que um homem é do tamanho de sua fome, tenho um pensamento estranhamente perturbador, um homem só pode ser medido pelo tamanho do seu próprio ódio.

Era uma piada. Logo eu, criado em um lar cristão tradicional, que passei a vida inteira dentro de uma igreja Pentecostal em Sapporo. Nunca conheci outros caminhos, nunca me desviei, nunca vivi minha juventude entre os ímpios. Sempre fui ㅡ e sempre quis ser ㅡ exatamente o que esperavam de mim.

Era o auxiliar do líder da juventude na igreja, o filho mais velho do pastor Shinjiro.

Yakamoto Eun Woo, que tinha quinze ou dezesseis quando eu ainda contava apenas quatorze. Era maior, mais sério, comprometido com o trabalho, enquanto eu ainda era só um moleque, distraído por qualquer bobagem mundana, fascinado, ainda que sem entender, pela propaganda frágil da secularidade que me despertava uma curiosidade corrosiva. Via os adolescentes mais velhos na escola fumando cigarros escondidos nas cabines do banheiro, mãos enveredando pelas saias curtas de suas namoradas e condenava o pecado que brotava feito ferida na carne, mas no fundo, repelia com veemência porque desejava. Eun Woo preferia se abster de qualquer opinião. E eu, ingênuo demais, não percebi as verdadeiras razões por trás de sua escolha ao me chamar para ajudá-lo no ministério ㅡ razões que iam muito além de uma simples tentativa de me moldar às doutrinas rígidas da igreja.

Meus pais, que em algum tempo remoto foram missionários, acreditavam que eu seguiria o mesmo caminho. Depositavam em mim todas as expectativas do mundo: filho perfeito e único, um presente vindo de um céu particular, que eles julgavam merecer só para si. Como se Deus fosse um Papai Noel exclusivo, atento a pedidos egoístas de humanos entediados ㅡ entre eles, os anseios sem sentido de dois adultos e suas expectativas desmesuradas sobre o primogênito.

Okaasan¹ ficou emocionada, e Otousan², orgulhoso. Uma vez por semana, após as aulas, eu tomava um caminho diferente e seguia até a casa da família Yakamoto para preparar as didáticas dominicais. Nessas tardes sem a supervisão dos pais dele, ficávamos estirados no tapete da sala, assistindo TV ㅡ um luxo raríssimo para mim, restrito a ocasiões especiais. Víamos um ou outro episódio de alguma sitcom americana sem graça, de humor previsível, até que, no meio de tudo isso, Eun Woo me beijou.

Sua boca tinha gosto de Mitsuya Cider, a bebida da moda na época ㅡ a mesma merda química de sempre, viciante e deliciosa, como tudo que faz mal. Nunca esqueci o sabor. Até hoje, um gole de Mitsuya Cider ainda me provoca uma ereção involuntária.

Eun Woo me contava sobre os rapazes da congregação, os cargos disputados, os pecados escondidos nos bastidores do templo. Falava do pai, que desviava verba da igreja para financiar visitas ao bairro da luz vermelha, das viagens a Tóquio, sempre movidas por intenções que contradiziam seus sermões inflamados aos domingos. Mas os monólogos de Eun Woo duravam apenas alguns minutos ㅡ até que ele se calava de repente, fixava o olhar na minha boca e me fazia engolir cada palavra.

Seus lábios pressionados contra os meus por exatos seis segundos e meio, sua língua tocando de leve a minha, que nem se movia. Não entendi direito por que a reação do meu cérebro foi contar o tempo que ele ficaria ali, em vez de repeli-lo, deixando que permanecesse com seus lábios macios grudados nos meus, enquanto os segundos corriam e eu continuava de olhos fechados, reproduzindo o que ele fazia, contando: um, dois, três...

Nunca contamos a ninguém o que aconteceu naquela tarde ㅡ e muito menos sobre as outras que vieram depois, rolando pelo piso amadeirado, sem nunca soltar sua boca, nem o verdadeiro motivo do uniforme escolar de botões estourados precisarem de ajuste toda semana.

Pedia perdão toda noite antes de dormir e era atormentado pelo remorso por um tempo, mas contava as horas para que aquele dia da semana chegasse e pudesse tocar de novo os lábios de Eun Woo. Algum tempo depois, os pais dele partiram para evangelizar em um desses países distantes e frios ㅡ Suíça ou Suécia, tanto faz ㅡ e eu nunca mais tive notícias dele.

Não era como se gostasse de caras, não. Não me atraía por nenhum outro garoto. Nos vestiários, a nudez alheia não me preocupava, não me causava desconforto, não se tornava uma imagem mental para fantasias ou punhetas batidas tarde da noite, no silêncio do quarto, mordendo o travesseiro. Nada, nadinha. Parecia ter sido um desvio de caráter, uma tentação à qual os homens estão designados a resistir ㅡ como certamente Otousan me diria se soubesse.

No ensino médio tive minha primeira namorada e minhas dúvidas por um tempo foram aniquiladas. Vivíamos escapando das aulas pra usar os banheiros abandonados da quadra esportiva, na construção inacabada e decadente que mal abrigava nós dois. Era viciado nos peitos de Mirei. Caralho. Metia a boca neles como se minha vida dependesse disso, chupava até cansar a língua. Fodíamos o tempo todo como se o mundo estivesse prestes a acabar e aquela fosse a única saída para salvar a humanidade. Talvez fosse refém daquele prazer momentâneo, temporário, que logo se esgotou, destruindo apenas minhas certezas, arruinando meu próprio mundo. Mokushiroku do pequeno e patético universo de Kenichi Jimin.

Como era mesmo o nome dele? Ah, Kim Jongin! O aluno transferido de Suncheon para Sapporo. Era atleta, o novo centroavante do time escolar para os jogos municipais, um pesadelo que vinha do passado em outro formato, maior e mais velho, bronzeado e com lábios atraentes pra caralho.

Sua presença me incomodava, e sua gentileza excessiva parecia desnecessária. Até a maneira doce como nossos olhares se cruzavam no vestiário tinha algo nocivo. Nos dias de educação física, eu evitava o chuveiro se soubesse que ele estava lá, fazendo de tudo para não cruzar com ele. Não sei se meu maior medo era não conseguir olhar e deixar minhas vontades, tão entranhadas na carne, escancaradas por minha tentativa de evitá-lo como o diabo, ou encará-lo e descobrir o que ele queria, o que, de fato, queria.

Devorá-lo.

Devorá-lo inteiro.

Como toda criatura e besta feita de fome que consome os ossos e a carne dos guerreiros bíblicos derrotados.

"Seja quente ou seja frio, não seja morno que eu te vomito, assim, porque és morno, e não és frio nem quente, vomitar-te-ei da minha boca".

O pastor Shinjiro repetia nos cultos. Isso me fazia pensar que precisava escolher um lado. Não tinha como ser duas coisas ao mesmo tempo. Não, era inaceitável, impossível. Quente ou frio, Jimin. Quente ou frio. Escolha um.

Kim Jongin continuava surgindo em meus pensamentos, molhado de suor pós-treino em seu uniforme do time, atentando o meu pudor com a indecente ideia de matar minha sede da sudorese vertendo em sua virilha, e Mirei tão linda e doce, deslizando a calcinha bonitinha nas coxas por baixo da saia do uniforme, pronta para aliviar a fome.

Escolha um lado, Jimin. Esse ou aquele. Escolha um lado.

Logo a adolescência ficou para trás, com as namoradas e os caras atraentes, e os traços de algo que eu costumava acreditar serem apenas culpa dos meus hormônios também se foram. Passei a desejar, na verdade, passar despercebido no meio dos outros.
Quando conheci Dylan, não sabia bem o que sentir ao ser notado por outra pessoa. A observei logo de cara. Ela tinha duas faixas brancas ao redor dos pulsos, escondidas por baixo de um casaco, mesmo com aquele calor infernal de trinta e cinco graus. Lembro que puxou as mangas até os cotovelos, mas deu uma olhada ao redor, como se quisesse garantir que ninguém tivesse visto. Uma semana antes, havia cortado os pulsos, deixando cicatrizes profundas que por meses ficaram ocultas sob camisas de mangas longas e casacos pesados. O irmão a encontrou desmaiada no banheiro, em uma poça de seu próprio sangue, quase se esvaindo até a sala ㅡ uma cena macabra pra caralho. Isso só confirmava a natureza de sua palidez, especialmente naquela época, fazendo com que os cabelos escuros se destacassem ainda mais no contraste com sua pele, como uma cascata negra caindo pelas costas.

Ela tinha o aspecto de quem não tomava banho há dias (o cheiro não era dos melhores), os dedos sujos de tinta, as unhas com resto de esmalte vermelho, o rosto rosado de um choro recente, com uma sombra azul cintilante nas pálpebras e o delineador preto escorrendo um pouco abaixo dos olhos. Eu imaginei que deveria bancar o cara gentil e perguntar se estava tudo bem, se ela precisava de ajuda, mas ela acabou fazendo isso primeiro.

ㅡ Vai continuar me olhando?! ㅡ perguntou, de imediato. Intimidadora como sempre foi. ㅡ Tô falando com você, ô!

ㅡ Desculpe, é que você parecia triste, tá tudo bem? ㅡ Dylan não me disse nada sobre seu estado de espírito, nem sequer um "sim" educado, como a maioria das pessoas diria em uma mentira óbvia.
ㅡ Já pensou em mudar a cor do seu cabelo?
ㅡ O quê?
ㅡ O seu cabelo. Já pensou em pintar de outra cor? Acho que o pink ficaria legal em você.
ㅡ Na verdade, não...
ㅡ Tá afim de tentar?
ㅡ Hum, bom, eu ㅡ
ㅡ Eu sou a Dylan. Prazer! ㅡ Esticou a mão pequena para mim, que balancei educadamente. Dylan, um nome de estrangeira, mesmo que fosse fenotipicamente asiática. Cem por cento.
ㅡ Jimin!

Nossa amizade começou com um assunto aleatório sobre cores de cabelo. Eu só sabia falar de poesia, dos poetas que gostava, estava obcecado por Clarice Lispector. Tinha lido apenas um livro dela, em inglês, com muito esforço no processo de traduzi-lo para o japonês e, ainda assim, era incapaz de captar a profundidade contida no texto. E ela sempre parecia muito interessada em tudo: no que eu estava lendo, no que eu estudava. Escondia as marcas dos cortes nos antebraços e coxas, vestígios de uma adolescência difícil e da necessidade de sentir alguma coisa. Rasgava a pele com estiletes, lâminas de apontadores ou de barbear. Colecionava, em uma pequena pasta decorada com adesivos e glitter, todo tipo de aparato pontiagudo; até mesmo uma pequena bailarina de porcelana, cujo pé, pontudo como uma faca, costumava enveredar pela carne em seu cruel passo diagonal.

Descobri isso depois de um tempo, quando passamos a morar juntos, e mantinha qualquer objeto cortante escondido, fora de seu alcance.

Tinha um tipo de encanto quase perturbador por cicatrizes e resguardava as suas. Inicialmente, por baixo de tantos tecidos que costumava usar ㅡ blazers e camadas de roupas ㅡ até ter coragem o suficiente para cobri-las com alguns desenhos bonitos de flores, estrelas e planetas, tatuados por cima da dor. Em uma noite, depois de bebermos além do recomendado, rendidos ao tédio de um dia particularmente ruim após as provas finais, nos beijamos. O cenário caótico que minha cabeça tinha criado para o caso daquilo acontecer pareceu mais nocivo do que o real, menos excitante e bem mais estranho.

Me permiti tocá-la por baixo do vestido levinho que usava e descobri onde escondia as outras marcas, um pouco mais recentes e ainda sensíveis ao toque, ainda criando cascas.

Fui imediatamente enxotado, e por alguns dias as coisas entre nós pareceram estranhas, como se tivesse vasculhado no meio de seus segredos e enfiado a mão inteira nas suas dores mais profundas.

Mas Dylan não era uma garotinha indefesa com medo do mundo, era a garota mais velha com um canivete escondido no sapato, esperando na esquina da escola para roubar o dinheiro do almoço. Era a menina punida por esconder cigarros nas meias do uniforme, costurá-los na barra da saia e vendê-los aos calouros do primeiro ano.

Quebrou o joelho do ex-namorado da melhor amiga, Nayeon, com um taco de hóquei depois de descobrir que ele havia tirado fotos dela nua e espalhado para a cidade inteira. Teiji negou tudo, não queria carregar a vergonha de ter apanhado de uma garota, mas qualquer um que estivesse por perto sabia a verdade. Foi expulso do time, pediu transferência para uma faculdade no Sul e nunca mais foi o mesmo.

Quando a emoção tomava conta, Dylan se desfazia. Perdia a noção de si mesma, como se alguém puxasse um fio invisível dentro dela e tudo simplesmente desmoronasse ㅡ pensamentos, sentimentos, qualquer resquício de lucidez. Mas insistia que não se arrependia. Não tinha medo. Nem quando sabia, lá no fundo, que alguma coisa estava errada.

Mas, quando as coisas pareciam finalmente voltar aos trilhos, Jeongguk entrou em nossas vidas, com seus jogos imundos e atitudes ainda piores.

Às vezes, eu só queria mandá-lo para a puta que pariu.

Na primeira noite dele aqui, logo no primeiro mês em que se mudou para cá, enquanto Dylan trabalhava até tarde, Yamashida começou seus rituais noturnos ㅡ que eu descobriria depois, seguiriam por muito mais tempo do que apenas uma noite por semana.

Se já não fosse óbvio que teríamos aula na manhã seguinte, ainda tinha que lidar com o barulho incessante do quarto ao lado. O antro de Jeongguk mergulhado em sua podridão. A cabeceira da cama batendo com força contra a parede, quase rompendo a madeira, seja lá quem estivesse lá: Sumire, Hina, Mingyu, ou os três ao mesmo tempo ㅡ porque isso também acontecia ㅡ, estava gemendo pra cacete.

Era uma péssima ideia dividir esse apartamento. Uma péssima ideia ter um quarto tão perto do de Yamashida. Eu tentava não pensar nas coisas menos importantes, mas não conseguia deixar de visualizar a cena das coxas de Jeongguk se movendo com destreza em um ritmo frenético, quase meticulosamente ritmado, acompanhando a batida da cama contra a parede. Tum. Tum. Tum. Puta que pariu, ia quebrar a garota ao meio daquele jeito!

Já tinha visto aquela cena antes. Depois de esmurrar a porta e gritar para ele calar a porra da boca, empurrei com força e entrei. Ele nem se mexeu. Estava ali, nu, metendo em alguém sobre os lençóis como se o mundo inteiro existisse só para vê-lo assim. Merda. Precisava parar de pensar naquele rabo. Aquilo ainda ia me destruir.

ㅡ Fecha a porta, porra! ㅡ ele gritou, e meus olhos se desviaram com dificuldade, como se estivesse vendo um pesadelo que havia se tornado muito maior e mais real, bem ali, agora. Às vezes, ainda pensava naquela cena, secretamente.

A primeira vez que vi Jeongguk foi há dois anos. Estava acorrentado aos portões do departamento de cinema, no meio de uma manifestação estudantil, bancando o protagonista de algum filme cult. Liderava um grupo chamado Kurai, e se levava a sério demais - boina preta inclinada, cigarro pendendo do lábio, olhos brilhando com aquela arrogância ingênua de quem acha que pode mudar o mundo com meia dúzia de palavras. Seus seguidores o contemplavam com uma devoção quase cerimonial, os olhos arregalados de fervor, como se diante de uma relíquia viva ㅡ um ícone esculpido no delírio juvenil, um mártir moderno prestes a arder em sua própria chama.

O chupa-buceta tá aí desde cedo! Taehyung falou, ali, ao meu lado, quando parei no meio da multidão para vê-lo. Essa era a alcunha pela qual Jeongguk era conhecido, o primeiro contato que tive com ele, antes mesmo de saber seu nome ou toda a problemática que o envolvia. Provavelmente mais um dos seus talentos, um adjetivo que ele carregava orgulhosamente: chupa-buceta.

Não me interessei por saber a história por trás do título curioso e babaca.

Era autoexplicativo. Eloquente. Mas os boatos alcançavam os calabouços, limbos e lugares inóspitos da universidade, e, em algum momento, chegariam aos meus ouvidos também.

Sabia que não era um título gratuito; era como uma criatura folclórica ou sei lá o quê, um demônio sexual, íncubos, um predador. Um completo viciado, principalmente em sexo.

Não tínhamos muitos amigos em comum para que eu pudesse me atualizar sobre suas aventuras. Quer dizer, quem era eu para fazer parte do grupinho seleto que rodeava Yamashida Jeongguk?!

Logo eu, Jimin Kenichi, aluno de Literatura e Linguagens, com nada de especialmente interessante para me destacar no meio dessas pessoas e com a meta exclusiva de passar despercebido pelo campus, adquirindo uma habilidade de ser invisível. Não fumava, não bebia, odiava música alta, fui criado dentro da igreja, não tinha talento para atuação e, de quebra, não comparecia às festas mensais oferecidas pelo departamento de artes.

E ele era o causador da histeria coletiva entre o casting de atores do departamento de teatro, com aquelas adaptações meio merda de algumas peças e filmes famosos, onde trocavam socos, tapas, davam tudo por uma chance de atuar. E, em uma dessas loucuras patrocinadas sabe-se-lá-deus-por-quem, colocou todo o elenco para encenar Hamlet completamente sem roupas. Foi ovacionado, de pé, por uma plateia entusiasmada. Uma nova roupagem, uma releitura crua sobre a juventude atual que se liberta de rótulos, disse ele, e estampou o jornal universitário por uma semana inteira. Rá. Cuzão do caralho!

Ele inteiro se comportava como cinema de alusão, e, se sei disso, foi por muito observar. Reproduzia cenas e comportamentos, diálogos e frames, como se cada movimento seu já tivesse sido capturado em celulóide. Agia constantemente como se estivesse diante de uma tela, para que olhos curiosos como os meus fossem capazes de identificar algumas sutis situações. Os primeiros olhos a admirar uma tela gigantesca, absorver as primeiras impressões antes de alcançar todos os outros pares de retinas encantadas pelo seu espetáculo estranho.

Durante os fins de tarde, os cinéfilos preenchiam todo o gramado do alambrado próximo à cinemateca da universidade. Eu era obrigado a passar ali para chegar à biblioteca e o via estirado no meio da grama com alguns outros, enquanto provavelmente discutia a cena underground do cinema japonês, e como ele, nipo-coreano, mas autointitulado um cidadão do mundo, não se curvaria perante Hollywood e suas analogias cinematográficas baratas.

Era Art Nouveau em estado puro, uma coreografia oscilante entre o tangível e o etéreo, algo que implorava por contato, mas cuja existência se restringia ao domínio do olhar ㅡ um relicário de beleza distante, prolongando-se até as estrelas. Pequena criatura adornada, perdida entre vitrais e sombras. Um ser de ornamentos frágeis, entronizado em uma catedral, pois até os demônios encontram refúgio sob arcos sagrados.

Subiria nos letreiros, como alguma canção bonita de cantora pop reivindicaria aquele lugar como seu. Estava chapado pra caralho, provavelmente. Era um outro detalhe sobre Jeongguk: vivia fodido, atolado de pó, de erva, de ácido, de qualquer coisa que o deixasse flutuando, Alto o bastante para que o barato durasse o dia inteiro. Alto o bastante para tocar o céu.

Na primeira festa à fantasia que compareci como um convidado, Jeongguk apareceu vestido como Alex, de A Laranja Mecânica. Tinha um cílio falso colado na pálpebra inferior, suspensórios e até drugues ㅡ outros imbecis que andavam com ele, sem nada na cabeça também. Um grupo de cretinos!

No primeiro ano, apareceu como Dr. Frank N. Furter, de The Rocky Horror Picture Show. De sutiã, meia-calça e saltos altos.

Foi a primeira vez que fiquei chapado. Digo, dizem pra pegar leve de primeira, tá me entendendo?! Mas suguei aquele bong como se fosse oxigênio, como se estivesse apenas seguindo os métodos de usar minha bombinha para asma, os deliciosos peitos de Mirei ㅡ um asmático fodido se entupindo de erva, e nem é piada ㅡ, mas eu sequer tossi, era quase a porra de um profissional.

Passei o resto da noite encarando meus próprios sapatos, um par de Converse azuis que, por alguma razão, pareciam acender no escuro, curtindo a sensação bizarra de ser leve como uma pluma. Tentei ignorar Jeongguk e sua presença, mas era impossível quando tudo girava ao seu redor e da sua necessidade de ser o centro das atenções. Precisava foder o psicológico de alguém para merecer um holofote. O meu, no caso, estava sendo enrabado há tempos.

Engoli meia garrafa de saquê barato e Taehyung me instigou a experimentar algo mais forte. Eu sei, eu sei, pegar leve de primeira é essencial, mas eu só queria que tudo fosse pro espaço e, com uma notinha de mil ienes enrolada em formato de canudinho, inspirei toda a trilha de pó, por cima da superfície de metal. Pelo que vi no programa antidrogas da escola, tinha uma leve ideia de como se cheirava aquela merda. Só foquei em não fazer muita bagunça, mas logo em seguida, caí como uma lesma besuntada de sal amargo no tapete sujo da sala de alguém. A última coisa que me recordo é do rosto de Jeongguk, exatamente como agora, me olhando do alto.

Me levou para casa com ele, no seu carro, que era basicamente um motel sobre rodas e que fedia a queijo.

ㅡ Cê tá bem, cara?
ㅡ Só preciso deitar um pouco. ㅡ Além da humilhação de cair estirado no chão da festa, ser trazido para casa por Jeongguk, ainda teria que lidar com a minha ressaca moral mais tarde.

Ao menos Dylan estava passando o fim de semana na casa de Jin e isso evitaria transtornos maiores. Subi o lance de escadas meio trôpego e caminhei para dentro do apartamento no escuro, esfolando o mindinho no sofá da sala, mas ignorando completamente a dor e me direcionando até o banheiro pra colocar tudo pra fora. Meu corpo só conhecia essa alternativa: expulsar tudo que não é bem-vindo, arrancar da garganta, pelas narinas, da maneira que for preciso, não importa onde e como.

Tomei um banho frio e, aos poucos, a sensação estranha de antes parecia ter sido aliviada. O formigamento inicial na ponta dos dedos e a pressão constante no peito, que me deixava com uma leve falta de ar, diminuíram. Em algum ponto, achei que poderia ter tido uma overdose, mas não estaria tão lúcido caso isso tivesse acontecido. Aquela interpretação grotesca dos filmes educativos ficava voltando à minha cabeça, e eu imaginava que, se essa merda desse errado, provavelmente mataria meus pais de desgosto. Imaginava a reação deles ao saber que o filhinho perfeito morreu de uma overdose de cocaína ou sei lá que porra era aquela que Taehyung arranjou. Otousan me condenaria ao inferno, se é que eu já não estaria lá por conta própria.

Quando voltei ao quarto, Jeongguk estava lá, sentado na cadeira próxima à minha mesa de estudos. Tinha uma cerveja apoiada em um pedaço de papel e estava focado em ler minhas anotações sobre o Ultrarromantismo deixadas ali.

ㅡ Esse Lord Byron era um porra louca! ㅡ disse, direcionando os olhos para mim. Meu sorriso amarelo provavelmente denunciaria meu desconforto com sua presença, eu pensei. Mas só pensei, porque ainda era Jeongguk e sua falta de inibições e tato social.

ㅡ É! ㅡ Alguns minutos de um silêncio constrangedor. ㅡ Eu vou me trocar agora, poderia me dar licença um minutinho?

ㅡ Relaxa, cara, não ligo, não precisa ter vergonha de mim! ㅡ Apoiou os pés contra a mesa, virando a cerveja pelo gargalo com as minhas anotações no colo.

Nem fodendo que ficaria nu diante de Jeongguk. Nem fodendo.

Era feio, destoante, não sabia direito o que fazer e ele me deixava nervoso, como Jongin fazia, como Eun Woo deixava. Jeongguk era todos eles em uma criatura só. Porra! Esse cara nunca ouviu falar na palavra privacidade? Mas eu o olhei de relance, e ele estava concentrado nos meus cartões de estudo, uma página inteira sobre como as orgias de Lord Byron o deixavam, no mínimo, inspirado.

Disso, certamente, ele entendia. E eu nem precisava entrar em detalhes, porque é de se imaginar que, de todos os seguidores que o deus Dionísio tinha, Jeongguk provavelmente era o que lhe servia com mais empenho.

Fiz umas manobras e tentei me vestir no canto do quarto, entre uma poltrona e a cama, mas era uma preocupação ridícula, à toa, porque ele sequer me olhou. Nem me percebeu. E agradeci.

ㅡ Se você não tiver legal, posso dormir aqui... ㅡ Ele diz, após terminar a cerveja, balançando a garrafa de um lado pro outro pela ponta.

ㅡ Eu já tô melhor, não precisa! ㅡ Sou enfático e preciso. Cirúrgico. Morreria sozinho, engasgado no meu próprio vômito, mas não dividiria uma cama com ele.

ㅡ Você que manda! ㅡ Ele se ergue da cadeira e caminha até onde eu estou, se aproximando tanto que minha zona pessoal já tinha ido pro caralho. Que porra era aquela? Ele deve estar achando que eu sou uma bicha! Um clichê de merda que eu seria o viadinho indefeso de algum hétero entediado. Essas coisas só acontecem comigo! Puta merda!

ㅡ Guardei no bolso, fiquei com medo que quebrassem ㅡ Segurei minha respiração por um tempo para não inspirar demais seu cheiro, seu hálito. Mas os movimentos de Jeongguk se limitam a colocar meus óculos de volta em meu rosto e caminhar para fora do quarto. Jimin, você é um cuzão!

Demorei a dormir naquela noite. Fiquei ouvindo a TV da sala ligada até tarde, na reprise do Takeshi's Castle, sua risada anasalada, seus passos indo e vindo na cozinha, até finalmente conseguir pegar no sono.

Ainda não tenho certeza se tudo aquilo não passou de uma alucinação proveniente do barato que tinha deixado vestígios no meu corpo ou um sonho qualquer com memórias misturadas, mas no canto do quarto, ainda usando a mesma roupa da festa da noite passada ㅡ a regata branca e o suspensório ㅡ, Jeongguk batia uma. Com vigor. Um delicioso vigor. A mão deslizando no caralho para cima e para baixo. Sussurrava meu nome. Jimin, Jimin, Jimin.

Acordei com a calça molhada pela minha própria porra. Ao menos isso. Ao menos eu podia garantir que era minha. Daquela vez.

Foi quando tive certeza de que estava, lentamente, começando a surtar.
Tentei ignorar a noite passada e seguir com a normalidade de sempre, mesmo que não conseguisse me sentir completamente confortável com sua presença em um apartamento tão pequeno. As mínimas coisas pareciam despertar em mim um desespero silencioso. Seus braços esticados ao redor do sofá, suas pernas sempre abertas demais em uma posição confortável pras bolas, seu joelho nu quase tocando o meu. A insistência patética em falar com a boca colada à minha orelha.

ㅡ O que você tem hoje? Ainda não está se sentindo bem? ㅡ Sentia que, se respondesse mais do que deveria, deixaria nas entrelinhas alguma coisa indevida.
ㅡ Sei lá, acho que acabei dando um mau jeito no pescoço ontem... ㅡ Não era de todo mentira, mas me incomodava bem menos do que sua presença, como um abutre, ali do lado.
ㅡ Senta aqui no chão, deixa eu te fazer uma massagem. ㅡ Ele apoiou o cigarro no cinzeiro sobre a mesa de centro e enxugou as mãos suadas no tecido do short que usava. Esse era o momento certo pra bater em retirada dali, torcer o nariz e bancar o Jimin impiedoso. Mas fui manso. Acatei as ordens. Me sentei ali no chão, com os ombros entre suas coxas e me encaminhei diretamente pro abismo.

ㅡ Geralmente faço esse processo pra relaxar os atores antes dos testes... ㅡ ele disse.

Antes ou depois de comer o elenco?

Suas mãos apertaram firmemente meus ombros, tão forte que levei um segundo pra me adaptar à pressão de seus dedos subindo por minha nuca.
ㅡ Você tá tenso! ㅡ Caralho, parecia diálogo de algum pornô vagabundo. Parecia que estava revivendo uma cena qualquer de algum deles, de novo e de novo. Suas mãos descendo até a altura de minha camisa, um pedido para tirá-la, puxando-a para fora dos meus braços, assim, sem mais nem menos. E deixei.
ㅡ Relaxa um pouco... ㅡ sua voz colidindo contra o meu tímpano me deixou imóvel, simplesmente porque conseguia sentir a textura molhada dos lábios dele colados contra minha orelha. O olhei apenas para ter certeza se era um delírio, e ele me olhou de volta, com aquele olhar experiente de puta de rua, de quem sabia. De primeira. Sabia desde sempre.
ㅡ Que merda cê tá fazendo, Jeongguk?!
ㅡ Só relaxa...

Sua mão segurando minha nuca, pressionada com tanta firmeza que me assustava, seus lábios nos meus, de um jeito devasso e sujo. Mordiscando minha boca, tocando minha língua.

"Vai, Jimin, me chupa, sei que você quer também, vai!"

E eu queria. Eu queria. Eu sabia que queria.

Merda! Foi loucura! Tudo aquilo! Puta que pariu.

Meia dúzia de cervejas não me fariam engolir palavras não ditas e esquecê-las numa amnésia alcoólica. Eu poderia até tentar, mas ainda tinha o gosto de Jeongguk na boca, revelado como o meu favorito no momento que experimentei.

Vomitaria minhas entranhas, um pouco de bílis, o café da manhã de ontem, as palavras presas aqui dentro, a porra alheia engolida no meio de um rompante das minhas vontades. E agora, estou encarando a maçaneta do meu próprio quarto, revivendo flashes de uma memória caleidoscópica do que fiz, sem coragem de abri-la e encarar o que se passou, especialmente pela manhã.

O ignorei completamente depois de tudo, na noite em que Dylan chegou, agindo como se as coisas estivessem normais, quando eu sabia que não estavam. O que eu diria?

"Sei lá, foi tudo na brotheragem! Te chupei da forma mais hétero possível, caí de boca no seu pau de um jeito másculo e peço que isso fique entre nós, sem rumores idiotas!"

Não, Jeongguk não era desse tipo. Na verdade, eu não fazia ideia de quem ele realmente era. Esses ou aqueles, foda-se. Tinha medo de me pegar pensando demais nisso, encarando o portador do meu segredo de uma maneira indevida, e sendo denunciado por isso. Agora que ele sabia, poderia cuspir na minha cara no momento mais inoportuno. Como Dylan iria me encarar agora? Não, eu não poderia contar isso pra ela. Isso seria estranho, tornaria as coisas ainda mais tensas entre nós três.

Ela pensaria que estou apaixonado, que sou bicha ou sei lá, e eu odiaria isso. Dylan detestava Jeongguk, talvez o tolerasse apenas pelo mesmo motivo do começo: dinheiro para o aluguel. Mas visivelmente vivia incomodada com sua presença. E quem não estaria? Essa ideia me consumia, me fazia tremer: ódio, arrependimento, e muito mais desejo, por mim mesmo e pelo meu fracasso em não saber dizer não.

Se eu tivesse me esforçado mais, sido menos impulsivo, se tivesse usado mais firmeza nas palavras ao invés de me derreter de vontade de ser tocado por ele. Jeongguk instigava essa ânsia em si e nos outros, como se precisasse sempre meter a mão em algo: tocar, pegar, apertar, apalpar, enfiar. A tal da hiperatividade e o caralho a quatro. Nunca imaginei que umas palavrinhas ridículas e uma pegada na bunda iriam me fazer querer testar hipóteses de coisas já resolvidas. Eu era macho. Era macho para caralho!

Aprendi o que odeio e aprendi o que gosto, e que as duas coisas nem sempre estão tão distintas uma da outra. Jeongguk comportava ambas em seu corpo: o meu mais absoluto ódio e uma parte estranha de desejo. Das minhas descobertas. Uma parte de quem eu queria ser. Ultrarromântico e ultraviolento.

Continuei o meu ritual de autoflagelo, me encarando no espelho do banheiro da faculdade, me perguntando se estava escrito na minha cara que tinha chupado o pau de alguém. Eu sei, não deveria levar tão a sério quando todo mundo dizia que era normal experimentar, que ninguém era 100% nada, mas na prática não era assim. Eu sempre fui cem por cento alguma coisa: heterossexual convicto. Filho perfeito. Aluno prodígio. Namorado ideal. Nunca metade de porra nenhuma. Eu escolhi um lado. Cacete, eu escolhi um lado.

Em uma manhã qualquer, depois de nosso encontro, me enfureci com Jeongguk por beber a droga do leite direto do gargalo, coisas que normalmente ignoraria, mas foi quando os momentos mais turbulentos começaram de vez.

ㅡ Quantas vezes já te falei pra tirar essa sua boca imunda da garrafa de leite que todo mundo toma? ㅡ Puxei com tanta violência que acabei o sujando inteiro, banhado de líquido branco da cabeça ao queixo.

ㅡ Qual é o seu problema, porra?! ㅡ Ele revidou, arremessando a garrafa contra a parede da cozinha.

ㅡ Ei, calma, peraí! ㅡ Dylan falou, tentando conter algo que nem sabia o que era. Estava enrolada em uma toalha, a mão espalmada contra o meu peito, tentando me afastar.

ㅡ Eu tô pedindo pra você não encostar essa sua boca nojenta na garrafa! Só isso!

A mão de Jeongguk prensou meu rosto inteiro entre os dedos, segurando com tanta força que teria aquela marca por pelo menos uma semana inteira. Foi tudo muito rápido, como essas coisas geralmente são. Sem que a gente se dê conta. Eu o acertei com um soco de primeira, sangue escuro jorrando pelo seu nariz, até a boca. No segundo seguinte, seu punho acertou meu estômago.

Foi tudo ridículo, patético. Era raiva misturada com desespero sobre as coisas que eu não compreendia, sobre as quintas-feiras à noite, quando Dylan passava mais tempo no trabalho e eu não conseguia escapar dele, nem de mim mesmo. Trepando até ficarmos exaustos, até me esquecer de como era antes dessa merda toda começar. Cavalgando até os céus, montado em suas coxas.

Até a sensação de culpa se extinguiu com o tempo. Jeongguk anestesiava até minha consciência.

ㅡ A Dy sabe algo sobre nós dois? ㅡ Ele perguntou uma vez. Estávamos deitados na cama, ofegantes, ainda pegajosos: sujos de suor e porra. De nossas mentiras.

ㅡ Lógico que não! Ninguém sabe.

ㅡ É melhor assim. Vamos manter isso só entre nós. Não quero que as coisas mudem, e não quero que a Dy fique chateada com a gente. Você promete?

ㅡ Prometo! ㅡ Acho que a sensação de selar um pacto deve ser a mesma. Você nunca lê, de fato, o que está nas entrelinhas. Um aviso claro me manteria em alerta.

Você vai se foder muito, Jimin. Você vai se foder pra caralho!

Mas ele não amava ninguém. E eu sabia. Talvez só a irmã caçula, Heejin, com quem ele tinha um pouco mais de afeto. Um cuidado excessivo e paternal, com ligações diárias e promessas de visitas. Usava um tom comedido e dócil que mais ninguém recebia, bancava seus estudos com um dinheiro que ninguém sabia de onde realmente vinha.

Vivia cheio dos seus mistérios. Pensei que não seria de todo ruim, que saberia lidar com as consequências sem que me atingissem com força demais: sua indiferença e frieza também faziam parte de um papel interpretado em tempo integral, certo? Mas as outras garotas continuavam aparecendo, os outros caras com aqueles olhares de interesse que recaíam sobre ele e eram retribuídos, deixando tudo óbvio.

Fiquei possuído por uma sensação que me fazia chegar ao limite, tomado por uma raiva infundada, uma fúria que me fazia ter vontade de agarrar Jeongguk pelo pescoço com as duas mãos e acabar com aquilo de uma vez. Defenestrá-lo. Amava a palavra. Seu significado também.

Não é que eu os odiasse, não exatamente. Mas eles eram como o reflexo da sujeira que Jeongguk carregava dentro de si, como se cada um deles fosse um pedaço daquela podridão materializada, um corpo, um rosto que dava forma às minhas feridas. Eles eram a confirmação de que eu não passava de mais um naquilo tudo, uma pequena peça na sua coleção patética de viadinhos enclausurados em armários, cujas chaves ele podia pendurar, orgulhosamente, em seu pescoço.

Sete meses afundando nessa merda. Sete meses.

Agora, enquanto encaro o teto que parece desabar sobre mim, num jogo assustador de luzes e sombras, aquela luz rosada deixa tudo bonito e quase calmo. Tudo parece intensificado de dentro para fora. Estava vendo e sentindo todo tipo de coisa, as cores se moviam e eu ouvia, podia sentir o gosto delas. Um lance sinestésico.

Dylan se aproximou e deitou a cabeça ao meu lado, movi os olhos para vê-la melhor: estava brilhante. Como se estivesse soterrada em glitter por todos os lugares: mãos, dedos, cabelos, olhos, rosto, boca. Um negócio lindo pra cacete. Feito ela.

ㅡ Essa merda é forte... ㅡ ela sussurrou, e sua voz tinha cor, sua risada, sua respiração emanava uma fumaça azul. Não consigo controlar o impulso estranho que me atinge e a vontade de beijá-la, e faço. Parece que ela inteira está derretendo dentro de minha boca, oscilando em cores. Azul, verde, ciano, rosa, azul, verde, ciano, rosa, azul, verde, ciano...

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*Serotonina: Essa substância química está diretamente ligada a promoção de sensações de desejo, prazer e felicidade. Porém, a baixa concentração de serotonina no organismo desencadeia sintomas como mau humor, irritabilidade, sonolência, cansaço, falta de memória, de concentração, dificuldades de aprendizado e até inibição sexual.

* "Conheço as tuas obras, que nem és frio nem quente; quem dera foras frio ou quente! Assim, porque és morno, e não és frio nem quente, vomitar-te-ei da minha boca." - Apocalipse 3:15,16.

¹Okaasan: Mãe em japonês.

²Otousan: Pai em japonês.

³drugues: Membros da gangue liderada pelo personagem Alex no filme "A Laranja Mecânica".

N/A: Oi, gente! E aí? rs. Fortes emoções hoje ou estamos tranquilos? Me contem tudo o que vocês estão achando, quero saber de tudo, sério! Vocês já esperavam por esse rolê ou foram pegos de surpresa? Ai, ai, esse Yamashida Jeongguk, hein?!

Na época que escrevi, narrar a história por diferentes pontos de vista foi beeem divertido para mim, embora a mente do Jimin seja um lugar intenso e confuso. Ainda assim, escrever do ponto de vista dele foi muito prazeroso e livre, sabe? Hoje mudaria basicamente tudo que escrevi na época, mas estou tentando respeitar as escolhas da Sofi de 2020.

De qualquer forma, peço desculpas por qualquer errinho - o de sempre.

Para cada ponto de vista me inspirei em diferentes autores: para a Dylan, a Patti Smith. Para o Jimin, a Clarice Lispector (mas beeeeeem de longe, porque sou realista) e semana que vem teremos o próximo e mais temido, o ponto de vista do Jeongguk.

Obrigada a todos que tiraram um tempinho para ler. Até o próximo! 💖

ㅡ S.

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