Capítulo 3
Aquela noite, enquanto colocava Emily para dormir, eu desabafei. Não porque uma menina de dez anos fosse especialista em relacionamentos, mas porque Emily tinha uma visão simples e direta das coisas. Algo que, aparentemente, eu não tinha.
- Então, basicamente, você escreveu um bilhete anônimo para a garota, e seu chefe leu para todo mundo? - ela perguntou, enfiando o rosto no travesseiro para abafar as gargalhadas.
- Não foi exatamente assim... - tentei corrigir.
- Hans, foi exatamente assim - interrompeu Emily, agora olhando para mim com aquele misto de compaixão e deboche que só ela conseguia fazer. - Você é péssimo nisso.
Suspirei.
- Eu sei.
- Sabe o que uma mulher gosta? - ela disse, cruzando os braços e assumindo um tom de especialista.
- Chocolate? - arrisquei.
Emily revirou os olhos.
- Coragem. Elas gostam de coragem. Se você gosta dela, diga isso pra ela.
- Não é tão simples assim... - protestei.
- É, sim - ela insistiu. - O que é o pior que pode acontecer?
Não precisei responder. Na minha cabeça, visualizei Lilibeth rindo de mim ou, pior, me rejeitando com aquele sorriso educado que só deixaria as coisas mais embaraçosas no escritório.
Mas, por algum motivo, as palavras de Emily ficaram na minha cabeça.
Na manhã seguinte, o plano começou a se formar. Não que eu tivesse coragem de me declarar diretamente - eu ainda era eu, afinal. Mas um convite parecia uma ideia segura. Algo casual, que poderia ser interpretado como uma tentativa de amizade, e não uma investida romântica.
O destino me ajudou quando vi um cartaz no refeitório anunciando o happy hour da empresa naquela sexta-feira. Era a desculpa perfeita.
Lá estava Lilibeth, sentada na mesa de sempre, analisando alguma planilha em seu laptop. Eu respirei fundo e caminhei até lá, sentindo meu coração martelar como se eu estivesse prestes a saltar de um penhasco.
- Oi, Lilibeth - comecei, com a voz mais casual que consegui fingir.
Ela levantou o olhar, os olhos castanhos fixando-se em mim.
- Oi, Hans. Tudo bem?
- Sim, sim, tudo bem. - Meu cérebro começou a fritar. Não fazia ideia de como prosseguir.
- Alguma coisa que eu possa ajudar? - ela perguntou, com a expressão curiosa.
Coragem, ouvi a voz de Emily ecoar na minha cabeça.
- Ah, sim. Quer dizer, não... Não é exatamente uma ajuda. É mais... um convite.
- Um convite? - Lilibeth parecia intrigada.
Eu estava prestes a entrar em pânico, mas não havia como voltar atrás agora.
- Sim. Um convite... profissional. Não, social. Bem, meio que os dois, na verdade. - As palavras saíam todas embaralhadas, e eu quis cavar um buraco no chão e me enterrar.
Lilibeth arqueou uma sobrancelha.
- Você está me convidando para...?
- Para o happy hour! - soltei de uma vez, como se isso fosse um ato heroico. - Da empresa. Sexta-feira. É uma boa oportunidade para, sabe, interagir. Com o pessoal. Da equipe.
- Ah. - Ela inclinou a cabeça, analisando minha expressão. - E você está me convidando oficialmente?
Eu balancei a cabeça vigorosamente.
- Sim! Oficialmente. Totalmente oficial.
Para minha surpresa, ela sorriu.
- Ok. Eu vou.
Por um segundo, achei que tinha ouvido errado.
- Você vai?
- Vou. Parece divertido.
- Certo, ótimo! Então... vejo você lá?
- Sim, vejo você lá.
Voltei para a minha mesa flutuando. James, do outro lado do corredor, piscou para mim.
- Parece que alguém está tendo um bom dia.
- Nem comece - resmunguei, mas não consegui conter um sorriso.
Quando a sexta-feira chegou, passei mais tempo do que gostaria escolhendo o que vestir. O happy hour era informal, mas eu queria causar uma boa impressão. O resultado foi uma camisa jeans e jeans escuros - talvez um pouco casual demais, mas pelo menos não derramaria café neles.
O bar escolhido era o habitual para eventos da DW Digital World: um lugar pequeno e aconchegante no centro de Toronto. Quando cheguei, Lilibeth já estava lá, conversando com Sophia e outros colegas. Ela usava um vestido simples, mas elegante, e estava absolutamente deslumbrante.
Respirei fundo, tentando reunir a coragem que Emily havia mencionado. Peguei uma cerveja no balcão e me aproximei do grupo.
- Hans! - Sophia me cumprimentou com um sorriso. - Finalmente apareceu.
- Não podia perder, não é? - respondi, tentando soar casual.
Lilibeth me deu um sorriso rápido.
- Então, Hans, você é um dos designers de jogos, certo? - perguntou ela.
- Sim, trabalho na equipe há alguns anos.
- Interessante. Algum jogo específico em que você tenha trabalhado?
Expliquei brevemente sobre os projetos em que estava envolvido, tentando não me alongar demais. Ela parecia genuinamente interessada, e pela primeira vez desde que a conheci, senti que estava me saindo bem.
Conforme a noite avançava, o grupo começou a diminuir, e em algum momento, éramos apenas eu e Lilibeth sentados em uma das mesas perto da janela.
- Então, como você veio parar na DW Digital World? - perguntei, tentando manter a conversa.
- Foi meio por acaso, na verdade - respondeu ela, girando o copo em mãos. - Sempre gostei da área de marketing, mas nunca pensei que acabaria trabalhando com jogos.
- E o que achou até agora?
- É... interessante - disse ela, sorrindo. - Ainda estou aprendendo muito, mas gosto da equipe. E do ambiente.
- Isso é bom. Quero dizer, é bom saber que você gosta.
Ela riu levemente.
- Você está nervoso?
Congelei.
- O quê? Nervoso? Não, claro que não. Por que eu estaria nervoso?
Lilibeth inclinou a cabeça, um sorriso brincando em seus lábios.
- Você é muito transparente, Hans.
- É um problema?
- Não. É uma qualidade rara, na verdade.
Por algum motivo, isso me deixou mais à vontade. Conversamos por mais algum tempo, e percebi que ela era muito mais do que a mulher bonita e confiante que eu imaginava. Lilibeth tinha um jeito leve, mas perspicaz, e às vezes, uma risada que escapava quase sem querer, como se ela não quisesse admitir que algo era engraçado.
Quando finalmente olhei para o relógio, percebi que já era tarde.
- Acho que está na hora de irmos - disse eu, relutante.
- Acho que sim - ela concordou.
Saímos juntos, caminhando até o ponto de táxi mais próximo. Enquanto esperávamos, ela se virou para mim.
- Obrigada pelo convite, Hans. Foi uma boa ideia.
- Ah, sim, claro. Fico feliz que tenha gostado.
- Eu gostei. - Ela sorriu novamente, mas dessa vez, havia algo diferente. Algo que parecia mais... pessoal.
O táxi chegou, e Lilibeth acenou antes de entrar. Fiquei ali, parado na calçada, sentindo o frio da noite de Toronto e um calor estranho ao mesmo tempo.
Era apenas um começo, mas algo me dizia que aquela noite tinha mudado alguma coisa.
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