Capítulo 1
Viver em Toronto era como estar no meio de um filme que misturava drama e comédia, especialmente quando você dividia a casa com sua mãe e sua irmã mais nova. Minha mãe, Donna, era a protagonista do drama: eficiente, prática, sempre preocupada com os detalhes. Já minha irmã, Emily, de 10 anos, era a comédia personificada. Mesmo com sua idade, parecia sempre ter uma resposta afiada e um comentário sarcástico na ponta da língua. E eu? Bem, eu era o cara que tentava equilibrar os dois gêneros enquanto lutava para não me atrasar para o trabalho.
Naquela manhã, enquanto ajustava o nó da gravata na frente do espelho do micro-ondas, Emily se acomodava no balcão da cozinha com uma tigela de cereal e um livro de ficção científica.
- Hans, você sabe que essa gravata está torta, né? - disse ela, sem sequer desviar os olhos do livro.
- Está perfeita. Totalmente simétrica, - rebati, torcendo para que ela estivesse errada.
- Simétrica pra quem? Pra pessoas com um olho na testa?
Revirei os olhos e voltei minha atenção para o reflexo no vidro. Talvez estivesse um pouco torta, mas eu não tinha tempo para ajustes.
Minha mãe apareceu na cozinha carregando uma pilha de roupas dobradas.
- Hans, você já está atrasado - anunciou. - Se perder a apresentação da nova analista de marketing, vai ficar mal com o Gregory.
Gregory era meu chefe na DW Digital World, a empresa de design de jogos onde trabalho há dois anos. Ele é o tipo de cara que preza pela pontualidade, então minha mãe tinha razão.
- Não estou atrasado, mãe. Ainda tenho... - olhei para o relógio - ... quinze minutos.
- Que, no seu mundo, significa dez minutos pra encontrar o celular, mais cinco pra decidir qual café vai levar - Emily rebateu, agora com um sorriso travesso.
Eu ignorei e apressei o passo. Peguei meu casaco, minha mochila e a chave do carro em um só movimento, enquanto Emily dava sua dica final.
- Só leva café com leite, Hans. Café puro deixa sua mão trêmula, e você sabe como isso termina.
Suspirei e murmurei algo como "valeu pelo conselho" enquanto fechava a porta.
O prédio da DW Digital World era um arranha-céu moderno no coração de Toronto, com paredes de vidro que refletiam o céu azul daquele início de primavera. Passei pela recepção cumprimentando Margot, a recepcionista, e peguei o elevador até o décimo quinto andar.
O andar estava agitado. Uma nova analista de marketing começaria hoje, e, como de costume, havia um clima de curiosidade misturado com especulação. Ao entrar na cafeteria interna para pegar meu café, James, meu colega de TI, acenou para mim de uma das mesas.
- Grande dia, Hans. Está pronto pra conhecer a salvadora do marketing?
- Salvadora? - perguntei, servindo meu café.
- Ouvi dizer que ela tem um currículo impecável. Vinda de Vancouver, especializada em campanhas digitais. É o tipo de pessoa que Gregory vai adorar.
- Isso significa mais trabalho para nós, né?
James riu.
- Absolutamente. Mas pelo menos teremos um rosto novo por aqui. Já estava ficando cansado de ver só o seu.
Balancei a cabeça, rindo, e me despedi antes que James pudesse me prender em mais uma de suas teorias conspiratórias sobre a empresa.
A sala de conferências já estava meio cheia quando cheguei. Gregory estava ajustando o projetor, como sempre, murmurando algo sobre a tecnologia ser "mais teimosa que um burro". Me sentei em uma cadeira próxima à porta e observei enquanto os colegas se acomodavam.
Foi então que ela entrou.
Lilibeth.
Ela era alta, com cabelos loiros ondulados e um sorriso educado, mas que parecia conter algo mais. Talvez fosse confiança, ou talvez fosse o nervosismo mascarado por uma postura impecável. O fato é que ela chamou a atenção de todos, inclusive a minha.
Gregory apresentou-a com entusiasmo:
- Esta é Lilibeth Sawyer, nossa nova analista de marketing. Ela veio diretamente de Vancouver e tem um histórico impressionante em campanhas criativas. Tenho certeza de que será um grande acréscimo à nossa equipe.
Lilibeth agradeceu com um aceno de cabeça e começou a falar.
Eu queria ouvir o que ela dizia, mas, honestamente, estava mais focado em como ela dizia. Sua voz era firme, mas agradável, e havia algo na maneira como gesticulava que me fazia querer prestar atenção.
Foi quando aconteceu.
Enquanto ela explicava sua visão para o futuro do departamento, percebi que meu café estava muito próximo da beirada da mesa. Tentei discretamente ajustá-lo, mas minha mão trêmula - sim, Emily tinha razão - acabou derrubando o copo.
O café se espalhou pela mesa e, pior, respingou nos slides impressos que Lilibeth tinha colocado ali.
- Droga! - exclamei, levantando-me abruptamente.
A sala inteira ficou em silêncio. Gregory olhou para mim como se eu tivesse acabado de confessar um crime, enquanto Lilibeth apenas piscava, aparentemente tentando processar o que havia acontecido.
- Eu... Eu sinto muito! - gaguejei, pegando alguns guardanapos na tentativa de limpar a bagunça.
- Está tudo bem, - disse ela, finalmente, com um sorriso calmo. - Acontece.
Mas eu sabia que não estava tudo bem. Havia arruinado a apresentação de boas-vindas de Lilibeth, e isso era algo que ninguém esqueceria tão cedo.
Depois de alguns minutos de constrangimento coletivo, Gregory retomou a apresentação enquanto eu me afundava na cadeira, desejando ser engolido pela terra.
Mais tarde, naquele dia, enquanto pegava um sanduíche na lanchonete do prédio, ouvi uma voz atrás de mim.
- Então, você é o cara do café.
Virei-me e encontrei Lilibeth, segurando uma bandeja com uma sopa e uma garrafa de água.
- É, acho que sou, - admiti, tentando sorrir. - Desculpe pelo incidente mais cedo. Não era minha intenção.
- Não se preocupe. Pelo menos foi só café e não algo mais sério, como tinta de impressora.
Eu ri, surpreso com sua atitude descontraída.
- Você lidou com isso bem melhor do que eu teria lidado.
Ela deu de ombros.
- Já passei por situações piores. Além disso, me disseram que o pessoal daqui é... peculiar. Acho que já tive uma boa introdução.
Concordei, rindo novamente, e nos apresentamos formalmente. Descobri que ela era de Vancouver, como Gregory havia mencionado, e que adorava desafios criativos.
- E você? - perguntou. - Qual é a sua história aqui?
- Sou designer de jogos. Trabalho principalmente no desenvolvimento visual e no design de interface.
- Ah, então você é o cara por trás das ideias legais que tornam os jogos viciantes.
- Tento ser, - respondi, com uma pitada de orgulho.
Conversa vai, conversa vem, percebi que ela era muito mais do que apenas a "nova analista". Ela era inteligente, divertida e parecia genuinamente interessada nas pessoas ao seu redor.
Quando voltamos ao trabalho, não pude deixar de pensar que talvez aquele fosse o começo de algo interessante. Talvez, só talvez, derramar café não fosse o pior jeito de conhecer alguém.
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