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Trauma

Trauma

23 de maio de 1985

São Paulo Brasil

Eu detesto o tio Ricardo, ele é desprezível e nojento.
Quando mais nova me lembro de ele passar as mãos em meus seios, coxas e até oferecer bala em troca de me ver sem roupa. Sinto vontade de vomitar sempre que me lembro disto.
Assim que fiquei mais velha passei a entender o que era aquilo, por isso o odeio com todas as minhas forças.
Já tentei contar a Romeu ou para mamãe sobre ele mas nunca tive coragem, é algo que me assombra e sinto vergonha, não tive coragem nem de contar a Sara sobre isto.
Ele iria nos visitar junto de tia Luiza e meu primo Enzo. Tenho pena de tia Lu, ela sempre aparece com marcas roxas pelo corpo e mente dizendo que caiu, todo mundo sabe que é o nojento do tio Ricardo que bate nela. Enzo é uma criança de dez anos. Catarrento e mal criado. Odeio quando ele revira todo meu quarto.
Já estava decidido, iria comer no quarto e nem desceria pelo resto do dia. Meu plano foi por água abaixo quando mamãe ordenou que eu descesse ou não sairia de casa por uma semana.
Desci as escadas o mais rápido possível e logo corri para perto do Romeu. Ele é meu irmão mais velho, confio mais nele do que em mim mesma, ele me protege e às vezes é mandão, o que me irrita.
Tenho mais quatro irmãos. Emily já tem vinte cinco anos, é casada, tem uma filha, sua casa, ela tem sua própria família. Moisés foi para a faculdade e raramente nos visita. Ryan e Milena são os mais novos, quase gêmeos, já que mamãe engravidou de Milena dois meses depois de Ryan. Eu sou a irmã sem graça e que causa problemas, em breve a mais velha da casa já que Romeu irá para a faculdade.
E o meu pai... Ele traiu minha mãe, foi um choque para todos já que eram um casal lindo e apaixonado, mamãe não conseguiu perdoá-lo, se separaram e atualmente ele é casado com Claudia, ela é legal mas não consigo gostar dela ou pelo menos me esforço para fingir que não gosto.
Ajeitei meu vestido e permaneci de cabeça baixa.
— Olá Sophie! Como cresceu! – Diz tia Lu.
Apenas sorrio enquanto evitava olhar para o tio Ricardo.
— E você, Abgail? Como está indo no escritório de advocacia? – Pergunta tio Ricardo para minha mãe.
Mamãe estava prestes a se aposentar, mas mesmo assim abriu seu escritório de advocacia, o que era seu maior sonho.
— Está sendo ótimo!
— Tenho um aluno que acabou de se formar, ele é muito dedicado! Só precisa de uma chance.
A voz dele era nojenta e chata, que deus me perdoe! Mas eu desejo a morte dele todos os dias.
Só quando levantei um pouco a cabeça notei que o tio Ricardo estava sentado à minha frente.
Me servi e permaneci de cabeça baixa enquanto comia.
Senti o seu pé acariciar minha canela, me afastei e respirei fundo, ele continuou, meu coração acelerou e naquele momento eu sabia que as lágrimas estavam descendo.
— Pare! – Gritei o mais alto que pude.
— O que foi? Não fiz nada!
— Pare de acariciar minha perna, seu nojento desprezível!
— Sophie! – Exclama minha mãe enquanto me olhava confusa.
Empurrei a cadeira e corri para meu quarto.
— Desculpe por isto, são adolescentes! – Ouvi minha mãe dizer.
Me tranquei no quarto e gritei contra o travesseiro, chorava e gritava tanto que fiquei com dor de garganta.
Eu entrava em pânico quando o via.
Sentia medo. Sentia nojo.
Horas se passaram e eu ainda estava com o rosto afundado no travesseiro.
— Sophie? – Escutei a voz de Romeu logo após ele bater na porta.
Não respondi, estava sem força alguma para fazer aquilo.
Ele entrou lentamente e ficou parado na porta por alguns segundos antes de se sentar ao meu lado.
— O que foi aquilo? – Sinto sua mão passando em meus cabelos.
Me virei e olhei para o meu irmão.
— Eu odeio o tio Ricardo!
— Eu também! Mamãe também, a família toda odeia ele.
— Então porque sempre o recebe em casa?
— Mamãe sente pena dele, ela é a única da família que ainda conversa com ele. Mas o que você quis dizer com "pare de acariciar minhas pernas".
Respirei fundo e Romeu se aproximou fazendo um sinal para que me deitasse em seu ombro, fiz isso e não disse nada.
— Quando estiver pronta me conte!
Sorri e beijei a bochecha do meu irmão mais velho.

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