8 - Jogadores em ação
(Brett Andrews)
Eu estou intrigado e irritado. Intrigado, porque há elementos que não batem. Irritado, porque tenho certeza absoluta de que a vadia da Wilmara está envolvida, só não posso provar. Ela parece se esgueirar por entre os meus dedos como um lambari escorregadio. E eu pretendo tê-la bem presa entre os meus dedos, para fazer com ela o que desejo a muito tempo.
Tenho certeza de que ela está de alguma forma envolvida no desaparecimento do meu amigo. Não é da índole de Nelson partir assim, sem dar satisfação a ninguém; especialmente aos amigos. Nelson não é um covarde. Um frouxo que deixa tudo de mão beijada para a vadia da mulher.
Por outro lado, tenho certeza que o tal Zé Ninguém tem alguma coisa a ver com tudo isso. Talvez seja o cara para quem ela deu. Vai ver vendeu o corpinho em troca do assassinato do marido.
Uma coisa eu prometo, vou apanhar aqueles dois! De um jeito ou de outro. Dentro ou fora da lei. Não permitirei que saiam impunes.
Ou não me chamo Brett Andrews.
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Na delegacia, um fax solitário me aguarda meio pendurado no aparelho. O documento tem alguns emblemas, contém um texto curto e um tanto sinistro. Trata-se de um recado: Larsen Lang, agente federal, está a caminho de Tilly-Aty.
Sem maiores esclarecimentos.
Qual agência, setor, ou especialidade do agente? Não faço ideia... Apesar do peso "visual" do documento, não há nenhuma informação. Assim, eu fiz alguns telefonemas... E continuei no "ora veja". A única resposta que obtive foi: "Mandaram dizer para cooperar".
Merda de gringos... Todos uns filhos da puta que pensam mandar em tudo. Eu não vou aceitar as coisas assim, tão fáceis...
Logo chega outro recadinho esdrúxulo, todo timbrado, avisando que Larsen e sua comitiva estão chegando à ilha num voo particular. Desta vez, o documento apresenta um pouco mais de informações. Diz que há uma pessoa de seu interesse na ilha. Pela descrição dos acontecimentos ( o ponto onde o indivíduo foi encontrado e para onde foi levado), compreendo que eles estão atrás do Zé Ninguém.
Como eles sabem? Deve ter sido as fotos das tatuagens que enviei para a Interpol. Com certeza, acionaram alguns alarmes nos bancos de dados das agências internacionais.
O que me deixa perplexo é a segunda página do fax: a cópia de um mandato permitindo acesso a tudo o que a comitiva precisar. Ou seja, sem portas fechadas, sem jurisdição infringida, sem eu chutando a bunda dos gringos... Há ainda a implicação sutil de que devo oferecer total e irrestrita cooperação.
Solto um assobio baixo... Peixe grande.
Acontece que não sou capacho de ninguém. Darei um jeito de obrigar esse tal Larsen a negociar comigo.
Se o sujeito está a caminho, deve chegar em poucas horas. De certo, esperando que o misterioso paciente esteja sob custódia da polícia local. Então, eu tenho poucas horas para encontrar o fugitivo. Ou capturo o Zé Ninguém, ou invento uma desculpa eficiente para enrolar Larsen e tirar o meu da reta.
Mas, para isso, preciso bloquear as entradas e saídas da ilha.
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(Wilmara)
Passo o dia atormentada pelo medo. Não consigo esquecer a conversa com o delegado... É com sacrifício que termino o expediente, ansiosa para verificar o meu paciente clandestino.
Consigo me esgueirar para dentro da ala desativada sem ser vista. Levo comigo uma cesta de comida (dos lanches que fui juntando ao longo do dia) e alguns itens que imaginei que ele fosse precisar. Inclusive um celular descartável, que comprei no mercado. Nunca se sabe quando ele pode se lembrar de quem é e procurar alguém para ajudá-lo.
Macário fica espantado com a minha sagacidade. Mesmo assim, ele pergunta:
- Para que eu vou querer um celular, se não lembro de ninguém para quem possa telefonar?
Ele guarda tudo que considera importante numa mochila. Como se estivesse pronto para jogá-la no ombro e sair correndo, ao menor sinal de perigo.
Ele se vira para mim, especulando talvez o motivo pelo qual estou tão calada. Afinal, para ele, eu estou sempre "irritantemente animada"...
- Como foi o seu dia? - Ele pergunta à queima roupa.
- Bem...
Ele continua me olhando daquele jeito incisivo...
Eu me sinto na obrigação de falar: - Lembra quando você me perguntou sobre o tamanho da minha encrenca? Pois bem...
Começo a lhe contar a minha história. Desde o relacionamento abusivo, culminando na disputa pela faca... Explico que fiquei desesperada e joguei o carro com o corpo do meu marido do precipício. Concluo o relato com o fato de o delegado estar nos meus calcanhares.
Macário fica em total silêncio. Não me faz uma só pergunta. Não há julgamento em seus olhos, ou choque. O que já é um grande alívio.
- Hoje ele me cercou novamente... Eu estava atendendo os pacientes da clínica, quando o delegado começou a interrogar as pessoas sobre o seu desaparecimento da UTI.
- Está atrás de mim - conclui ele , com tranquilidade.
- Sim e não. Sim, porque eles tentaram rastrear o seu paradeiro, mas as câmeras de segurança não revelaram como você fugiu do hospital. E não, porque ele quer encontrar uma ligação entre a morte do meu marido e a sua presença na ilha.
É a primeira vez que ele sorri. - Eu já estava imaginando que seria arrastado para o seu problema, meu bem. A minha sorte não poderia ser maior.
Eu não sei se fico ofendida, divertida, ou apenas concordo. Afinal, não deixa de ser verdade.
-Eu cuidei para não ser filmada, usando os pontos cegos, mesmo assim...
- Você teme que o delegado consiga pegar alguma coisa. Não se preocupe, doutora. Dei um jeito de apagar tudo.
- Como assim, você deu um jeito? - fico piscando, com os olhos muito arregalados. - Você...
- Eu fui até lá e apaguei. Simples assim.
- Simples assim - penteio o cabelo com os dedos. - Mas olha o perigo que você correu! Você podia ter sido apanhado.
- Foi um risco calculado. E eu ganhei mais um tempo para a gente.
Concordo com um meneio de cabeça.
- Então - ele me instiga a continuar falando.
-Então, o quê? - Minhas sobrancelhas alteiam, expressivamente.
- Você tem que me contar tudo, se realmente quer que eu te ajude.
Levo algum tempo para entender o que ele quis dizer.
- Brett Andrews não respeita votos de casamento - explico, sem jeito. - Percebi com o tempo que ele e o amigo gostavam de dividir suas mulheres. Brett está de olho em mim há muito tempo. Eu o rejeitei e ele quer se vingar.
- Se ele tivesse alguma prova contra você, não estaria te encurralando para conseguir uma. Não concorda?
-É... Acho que sim.
-Isso é um bom sinal. Deveria se sentir aliviada.
- Bom, falando desse jeito...
Ele ri baixinho.
-Você é uma figurinha estranha, Wilmara Arriaga.
De repente, algo vem à mente de Macário... Ele sussurra um nome: - Forseti.
Ato contínuo, cambaleia. Parece abalado com a revelação.
- Você está bem? - corro para acudi-lo.
- Sim, sim... - ele gesticula, fazendo pouco caso, quando toco o seu braço. Sinto a eletricidade da atração por meio do toque e fico surpresa por me sentir assim.
Ele também parece abalado.
Retiro a mão, sem perceber o seu olhar de interesse me acompanhando.
- Acho que devemos encontrar outro lugar para você, fora da ilha.
- Se fizermos isso, eu não poderei ajudar você, estando longe. A não ser que você venha comigo.
Eu concordo com o seu raciocínio. Ficamos em silêncio.
Com um suspiro, ele olha para o mar além das janelas. Parece vasculhar o cenário, ansioso por alguma lembrança.
- Tenho que ir.
- Você vem me ver mais tarde? - ele pergunta e eu sinto o meu coração palpitar.
- Farei todo o possível para vir - respondo, antes de me afastar pelo corredor.
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(Macário)
Assim que Wilmara vai embora, faço a minha primeira incursão pela praia. Logo abaixo dos rochedos. Tiro toda a roupa, fico só de sunga e me atiro das pedras, mergulhando nas águas escuras e geladas do Atlântico.
Nado rumo ao alto mar, calculando mentalmente as distâncias. Logo encontro uma ilhota... Não fica muito longe dos rochedos. Na verdade, é um conjunto de recifes com uma pequena vegetação e alguns teimosos coqueiros que ousaram sobreviver ali em cima.
Trata-se de um espaço tão estrito que só cabe - de uma ponta a outra - uma pequena barraca de camping. Pelo menos a barraca pode ficar oculta, por causa do morrinho formado atrás dos dois coqueiros.
De repente, eu sinto que tenho um plano B. Se eu conseguir arranjar um barco, ou um bote, é claro. Quando Wilmara voltar - hoje ou na manhã seguinte - pretendo discutir o plano. Faremos isso durante a refeição. Uma rotina que se estabeleceu ao longo dos dias em que estou escondido na ala em construção.
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Wilmara volta na manhã seguinte.
Está linda, mas está com olheiras... O peso da situação está cobrando um preço. Ela é uma civil, uma pessoa desacostumada a situações como aquela. Eu, ao contrário, devo estar bastante acostumado, já que não sinto o meu sono mais prejudicado pela incerteza do futuro.
- Preciso de uma barraca pequena para camping, fogareiro, lanternas, um laptop com conexão Wifi... Wifi portátil, fique bem entendido! - Ignoro a expressão boquiaberta de Wilmara e continuo: - Baterias, carregadores, sacolas grandes zip lock... E para a massa de molde, preciso desses ingredientes: - estendo a lista dos itens discriminados. Ela examina a minha letra garrancho... Espero para ver se ela entende.
- Receita de massa para bolo? - ela pergunta, curiosa.
Eu começo a rir. Acho que é a primeira vez que acho a situação engraçada. Ela fica estupidificada com a minha risada.
- Não, não é receita de bolo. - Como não tenho tempo para ficar explicando como sei o que eu sei, continuo falando: - Preciso de perucas do tipo que está aí descrito.
- Mais alguma coisa? - ela pergunta, cada vez mais perdida na tradução.
- Por enquanto não, mas... - Envolvo o seu pulso com minha mão esquerda e acaricio de leve. Ela estremece, não consegue evitar... Definitivamente, existe química entre nós. Ignorando o clima, eu prossigo: - Quero que pegue uma boa mochila, deixe pronta com as coisas que possa precisar numa fuga repentina. Não deixe ficar pesada, coloque apenas o essencial.
- Como se fôssemos acampar?
- Isso mesmo. Como se fôssemos acampar.
Um longo acampamento...
- Já tem um plano em mente! - Os olhos dela brilham de esperança. Não quero acabar com isso, mas... Preciso lhe cantar a real.
- Você pensa que sou o seu milagre pessoal?
Ela baixa os olhos, querendo evitar que eu veja o óbvio: que ela deposita todas as esperanças em mim.
- Mais ou menos... - Wilmara morde o lábio inferior, atraindo a minha atenção para a sua boquinha carnuda. - Olhe...
Estou olhando, meu bem... Não tem como não olhar...
- Eu só preciso de uma ajuda para sair daqui. E se você puder ser gentil, - ela levantou os olhos meigos para mim - só espero que me dê um empurrãozinho na direção certa. Eu prometo que assim que sairmos daqui, vou seguir o meu caminho.
Balanço a cabeça lentamente.
-Por enquanto, nossos caminhos estão unidos. Não podemos nos separar tão cedo. Eu, porque não lembro quem sou. Você, porque não sabe o que fazer para se livrar do tarado do delegado.
Seguro-a pelos ombros, para fazê-la me olhar de frente.
- Você não vai durar uma semana lá fora, sozinha, com um mandado da Interpol pregado na sua testa.
Ela engole em seco.
- Concordo - reconhece, humildemente. - O que vamos fazer?
- Por enquanto, apenas traga as coisas que lhe pedi e me deixe pensar. Preciso de sossego para pensar.
-Pois não, senhor meu amo! - Ela bate sentido. Sua animação retornando, para minha involuntária satisfação.
Mas o gesto, isto é, de bater continência, desperta uma vaga lembrança de mim mesmo, usando uniforme e batendo continência para um superior.
Respiro fundo e espero o flash passar.
-Tudo bem? - ela se aproxima.
Com um gesto, impeço que ela se aproxime mais.
- Pare de me perguntar toda hora se estou bem, ok?
A mágoa se insinua no olhar dela. Wilmara apenas concorda com a cabeça e se afasta, como um cão que leva um chute do dono.
Ela faz menção de sair.
-E Wilmara... - espero que ela olhe para trás, antes de dizer: - Eu não sou um cara legal. Não tenha ilusões quanto a mim.
A frieza toma conta do seu olhar, quando ela me responde:
-Não tenho ilusão alguma. Só quero sair daqui. De resto, eu me viro.
-Ótimo.
Ela vai embora. Eu fico ali, sozinho.
Eu me sinto sozinho...
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