6 - Ganhar tempo
(Macário)
Consegui descansar um pouco, por algum tempo. A noite tomou conta do cenário, deixando-o relaxante o suficiente para que eu tirasse alguns cochilos... Minha consciência oscilou entre um cochilo e outro. Logo eu estava plenamente acordado e me sentindo tão perdido como quando acordei na UTI, com a bela médica cuidando de mim.
Não posso continuar assim, dependendo dela para tudo.
Olho para fora novamente. As ondas refletem o luar, enquanto se movem, calmas, trazendo-me um pouco de paz. Mas, algo me diz que aquela paz é enganadora. Que não posso nem devo ficar ali por mais tempo que o necessário.
Não demora e alguém estará atrás de mim. Quem? Não faço ideia... Não sei quem, como, ou porquê... Só sei que preciso estar em movimento tão logo seja possível.
E não vai ser contemplando o mar quebrando numa praia paradisíaca, que me deixará mais seguro. Ao redor, percebo que os rochedos se erguem na parte de trás do hospital, o que garante que nenhum bisbilhoteiro me aviste lá dentro.
Mesmo porque, as luzes da construção estão apagadas.
Dou-me conta de que já estou catalogando as rotas de fuga e possíveis esconderijos, se eu tiver que sair correndo dali. Um comportamento comum a alguém acostumado a escapar e fugir. Será que sou algum bandido?
Decido deixar de lado os porquês, já que minha mente é um grande vazio. Começo a planejar o "daqui para frente". Preciso me recuperar. Isso é prioridade. E preciso de um lugar seguro, enquanto me recupero. Igual prioridade.
Aquele lugar parece tão seguro quanto é possível, nas circunstâncias atuais. Quem atirou na minha cabeça e me deixou naquele estado estava jogando pra valer. E queria me ver morto. Não sossegaria enquanto isso não acontecesse. Então, decido ficar por ali mesmo, por enquanto.
Quanto à mulher... Preciso decidir até que ponto ela me será útil e até que ponto ela pode me atrapalhar. Alguém como ela - uma amadora com problemas de alguma ordem pode trazer a atenção de jogadores indesejados sobre mim. Em resumo, não é alguém de quem devo ficar perto. Mas, eu lhe devo a vida. E devo o fato de o policial não me encontrar de novo.
Preciso retribuir. Seja como for, sinto que faz parte de meu código pessoal de conduta. Não a deixarei na mão. Enquanto lá estiver, farei todo o possível para ajudá-la. Só não sei como vou fazer isso, se não faço ideia do tamanho da encrenca em que a baixinha saltitante se enfiou.
Só sei que algo me diz que se há alguém que pode ajudá-la, esse alguém sou eu.
Levanto-me da maca e começo a me exercitar. Sinto os pontos esticarem e alfinetarem a pele. Também sinto as costelas e paro na hora... Tenho que dar um jeito de me exercitar, mas cuidando de não mexer nas partes afetadas. Não adianta recuperar uma coisa e estragar outra.
Para recuperar ao menos o juízo, começo a andar um pouco pelo imenso espaço vazio daquela construção. Na parede lateral, reparo num espelho de corpo inteiro. É a primeira vez que contemplo o curativo e parte do meu rosto. Abalado pela visão, eu me afasto e continuo inspecionando os meus novos domínios.
O chão da enfermaria está sujo com poeira de construção e algum entulho. Os dedos dos pés tocam as pedrinhas de cimento, causando uma sensação desagradável... Do teto, caem os fios de eletricidade - pendurados e emaranhados como cabelos de milho. Eu me viro para as janelas amplas, que se encaixam do chão ao teto oferecendo uma vista magnífica do mar. Pelas frestas dos encaixes e rejuntes, o vento passa zumbindo alto de vez em quando.
Estou seguro de que ninguém passará por elas, já que dão para um pequeno parapeito. E este, dá direto para os rochedos. Estico o pescoço com cuidado. Realmente, aqueles rochedos são de difícil acesso.
Mais além, lá embaixo, pequenas praias se formam, inacessíveis. Como se a areia insistisse em formar "abas", que se enfiam entre as rochas escuras e seguem por baixo delas. Pode haver grutas por lá. Digo a mim mesmo que, ao amanhecer, vou explorar os recônditos daquelas prainhas em forma de "V". Talvez precise de uma lanterna.
Talvez precise de uma porção de coisas. Minha cabeça parece que vai estourar, tentando me lembrar das ferramentas certas que vou precisar.
As coisas surgem aos jorros em meu cérebro. Itens como lanternas, cordas, roupas escuras térmicas, óculos de visão noturna, uma arma... Por que estou pensando numa arma? Não sei. Só sei que tenho até o modelo em minha mente. Tenho um maldito planejamento inteiro em minha mente.
Sentindo-me exausto só da pequena volta que dei e dos pensamentos que tive, volto para a maca e acabo adormecendo, sem perceber.
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Acordo com Wilmara cantarolando ao meu redor. Isso mesmo, cantarolando... Abro um olho, depois o outro. Até que a moça canta bem. E a música não me incomoda como imaginei que faria. Não sei bem porquê, mas manifestações espontâneas costumam me deixar irritado.
"Levante guerreiro", soa uma voz em minha mente. Uma voz masculina de comando, desconhecida e ao mesmo tempo, conhecida. Está na ponta da língua. Quem é...? Sei que é alguém em quem confio. E se me diz que tenho de me levantar, então, eu tenho de me levantar!
Levanto tão rápido, que fico zonzo. Dou o maior susto na "cantora". Wilmara para o que está fazendo e vem correndo para impedir que eu desabe no chão. Isso me irrita, mas aceito a ajuda. Sei que não tenho escolha.
- Sente-se, querido. "Primeiro engatinha, depois anda".
Faço uma careta. - Tenho cara de bebê para você? - pergunto num fio de voz.
E quem diabos te autorizou a me chamar de querido?
- Não - ela não perde o rebolado; o que faz com que meus olhos se desloquem direto para aquela bunda... "Que rebolado", diga-se de passagem.
Ela não faz ideia do que se passa em minha mente, pois responde, descontraída: - É a sua saúde que está frágil como a de um bebê.
Não respondo. Não confio em mim mesmo, nem no que posso acabar dizendo. Descobri que tenho uma língua afiada e acabaria magoando a boa doutora.
- Trouxe comida suficiente para hoje e amanhã de manhã. - Ela se afasta assim que percebe que estou seguro na maca. - Ali, tem toalhas, e artigos de higiene. Trouxe algumas roupas do... Do meu marido. Espero que sirvam. Se não servirem, compro outras.
Balanço a cabeça. - Não precisa, basta uma tesoura e eu adapto.
Ela concorda com a cabeça, mas percebo que não tem a intenção de fazer isso. Isto é, deixar na minha mão.
- Escute - contenho a irritação e explico: - Se você comprar roupas para mim, numa ilha tão pequena, o povo vai desconfiar. Eu adapto as roupas que você trouxer, só preciso de tesoura, agulha e linha.
- Ora, você sabe costurar? - Ela cruza os braços, surpresa.
- Digamos que sei fazer muitas coisas com agulha e linha. Muitas coisas.
Wilmara parece entender que estou me referindo a outras coisas.
- Lembrou-se de algo?
- Não exatamente - eu me apoio na maca; os músculos das costas, por baixo das tatuagens, fazem com que elas ondulem. Não sou só eu que percebo as tatuagens pelo espelho de corpo inteiro atrás de nós, mas Wilmara também.
- Bom, tenho que ir - ela me diz, em tom neutro. - Começo cedo na clínica.
Ela se afasta.
- Doutora...
Wilmara gira nos calcanhares, com uma expressão interrogativa.
- Obrigado! - eu agradeço, com a voz rouca.
- De nada - ela responde e sai correndo para a porta de acesso ao complexo. Presumo que queira estar fora dali antes que o movimento no hospital torne impossível que não seja flagrada por alguém.
Fico lá, no silêncio pesado do prédio fantasma. Mas não fico parado por muito tempo. Decido me ocupar, fazendo uma vistoria externa. Antes, porém, preciso procurar por alguma ferramenta que me seja útil.
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