Camila

  Está frio lá fora, frio e silencioso assim como aqui dentro, mamãe e papai estão no escritório se organizando para nossa nova rotina. O que significa nossa nova rotina? Significa que mais uma vez estamos tendo que lhe dar com a dor da perda, desta vez com a perda da vovó, ela se foi há quatro meses mas a ficha só caiu realmente agora quando nos mudamos para a sua antiga casa.

  Já fazem dois anos desde a morte da minha irmãzinha e todos nós estávamos seguindo em frente da maneira que conseguimos mas a perda da vovó fez a tristeza voltar aos nossos corações, principalmente ao da minha mama.

    — Mila?- meu papa chama da porta do quarto me fazendo despertar dos meus pensamentos.

    — Sim papa?- pergunto ficando de costas para a vista da grande janela pela qual eu ficava olhando.

    — Quero conversar com você- ele diz se sentando na minha cama e fazendo sinal para que eu me junte à ele.

  Me aproximo e sento ao seu lado, ele pega minha mãos e dá um beijo em cada uma delas.

    — Gostou da casa?- ele pergunta.

    — Não é a mesma coisa sem à vovó- digo olhando para nossas mãos.

    — Não é mesmo, querida olhe para mim- ele diz erguendo minha cabeça me fitando- eu vim aqui falar com você sobre um assunto muito importante.

    — Qual papa?- pergunto curiosa.

    — Você sabe que sua mama está muito triste desde a perda de Sofi não sabe?- ele pergunta e eu balanço a cabeça em concordância- eu e sua mama estamos pensando em talvez trazer um pouco mais de alegria para nossas vidas, todos nós precisamos seguir em frente.

    — Eu não entendi papa- digo confusa.

    — Um novo membro para a família, alguém para brincar com você e para trazer de volta a alegria para nossa vida e também para a casa da vovó- ele explica paciente.

    — O senhor quer dizer uma nova irmãzinha?- pergunto animada.

   — Ou irmãozinho- ele diz sorrindo- você concorda querida?

   — Sim, sim, sim mil vezes sim papa- digo animada dando pulinhos na cama.

   — Que bom que gostou querida- ele diz e me abraça.

                ★★★★★★

  Eu venho olhando pela janela por todo o caminho até aqui, papai disse que estamos indo a um orfanato, ele me explicou que um orfanato é um lugar onde crianças que não tem um lar ficam até que sejam adotadas por outra família e ganhem uma nova chance de serem amados.

  Quando papa disse que eu teria uma nova irmãzinha ou irmãozinho eu achei que mamãe iria engravidar outra vez mas não foi isso que aconteceu e eu não sei o porquê, mas de qualquer forma fico feliz de ter alguém novo na família, alguém que não vá embora.

  Quando papa parou o carro em frente à uma casa grande vi as mãos de minha mama tremerem, ela está nervosa, eu também estou, todos nós estamos desde que saímos de casa. Depois que descemos do carro fomos recebidos por uma senhora baixinha muito agradável, ela mostrava aos meus pais o lugar e falava várias coisas que eu não prestava atenção, minha atenção está voltada para as mãos dadas dos meus pais, eles estão assim desde que descemos do carro, apoiando um ao outro sempre.

    — E chegamos, aqui no pátio como podem ver temos as crianças da faixa etária procurada por vocês- ela diz assim que chegamos ao pátio.

    — Isso é muito bom, nós podemos falar com elas?- papa pergunta. Minha mama não diz nada, ela mantém sua atenção no pátio onde várias crianças como eu correm e brincam por toda parte.

    — É claro que podem, vocês tem toda a liberdade- a senhora diz ajeitando seus óculos.

    — Camila, você quer conhecer as crianças?- meu papa pergunta me olhando. Eu confirmo balançando a cabeça freneticamente, eu estou muito animada.- pode ir então querida, qualquer coisa é só chamar.

  Me afasto dos meus pais e começo a andar pelo pátio, por toda parte meninos e meninas correm e brincam juntos, eles não parecem notar a garota estranha de sobretudo vermelho andando entre eles, há uma fonte bem no centro do pátio e eu fico de frente para ela e molho a ponta dos dedos olhando para água, quando olho para frente vejo um garoto do outro lado da fonte me encarando. Dou a volta na fonte e paro de frente ao garoto, ele é um pouco maior que eu mas não muito.

    — Oiii- cumprimento sorrindo. Ele não responde, fica só me encarando me olhando nos olhos.- tudo bem com você?

    — Não enche o saco garota- ele diz antes de se virar e sair andando.

    — Mas o que eu fiz para você?- pergunto indo atrás dele.

    — O mesmo que fez para todo mundo, você vem aqui para se mostrar com suas roupas caras e com sua família perfeita enquanto nós não temos nada- ele diz parando e me encarando.

    — Isso não é verdade, eu nunca faria isso- digo brava.

    — O que quer aqui então?- ele pergunta se aproximando de mim.

    — Eu não vim fazer nada e sim meus pais, eles irão adotar uma criança- digo olhando para meus pais que estão andando de mãos dadas enquanto observam as outras crianças.

    — Eu não me importo- ele diz antes de sair andando me deixando sozinha mais uma vez.

  As atitudes dele me fazem lembrar de uma coisa que minha mama disse uma vez, “garotos são complicados Camila, complicados e difíceis de lhe dar”, esse garoto com certeza é complicado.