Camila

  Estou sentada no último degrau da escada esperando meus pais voltarem do orfanato com o mais novo membro da família Cabello, o garoto da fonte.

  Depois do que aconteceu na fonte eu voltei para perto dos dois e não disse nada sobre a grosseria do garoto. Depois de falar com algumas crianças meu papa e minha mama notaram o garoto sozinho distante das outras crianças e foram informados pela diretora do lugar que ele foi deixado lá quando era um bebê, seus pais eram viciados em drogas e nunca se importaram com ele, talvez por isso ele seja dessa maneira. Eu não consigo imaginar o que eu faria sem os meus pais, eu não suportaria.

  Meus pais se encantaram pelo garoto e decidiram adota-lo, e agora depois de alguns meses mechendo com os papéis da adoção eles poderão trazê-lo para casa. Algo me faz achar que isso talvez não seja uma boa ideia mas eu preferi não dizer isso aos meus pais, sei que se eu contar eles desistiriam da adoção e não posso deixar que façam isso, os dois andam tão animados com à ideia e eu não quero tirar isso deles, quero minha família feliz e junta.

  Quando a porta da frente se abriu eu me levantei rapidamente, ficar sentada durante duas horas esperando me deixou bastante ansiosa. Primeiro meu papa entrou pela porta segurando uma mala média, logo depois mama entrou segurando a mão do garoto que olhava para todo lugar com um olhar curioso.

    — Quanta demora Sr e Sra Cabello- digo me aproximando.

    — Se bem conheço a minha garotinha eu aposto que passou as duas últimas horas sentada na escada esperando não é Mila?- Papa pergunta colocando a mala no chão e me pegando no colo.

    — Sim eu passei, e tirei uma conclusão- digo e todos olham atentamente para mim.

    — E que conclusão foi essa que você tirou Karla?- Mama pergunta sorrindo.

    — Escadas de madeira são muito desconfortáveis e deveriam ser acolchoadas igual as cadeiras- digo e mama e papa dão risada.

    — Talvez as escadas sejam desconfortáveis pois não foram feitas para ficar sentada nelas- papa diz me colocando no chão.

    — Agora eu sei disso- digo dando de ombros e parando em frente ao garoto.- Olá, seja bem vindo à família.

    — Oi e obrigado- ele diz me olhando de cima a baixo, não sei porque mas isso me deixou desconfortável.- vestido legal.

    — Obrigada- digo passando as mãos sobre o tecido macio do vestido vermelho de bolinhas pretas. Minha mama sempre compra esses vestidos estilo anos 60 para mim e eu amo.

    — Mila o que acha de mostrar-lhe a casa?- meu papa sugere eu confirmo com um aceno.

    — Vem, vou mostrar o seu quarto – digo pegando o garoto pela mão e puxando-o em direção às escadas.

    — Não corram, e qualquer coisa estaremos na cozinha- mama grita assim que subimos as escadas correndo.

  Eu não respondo pois já estamos entrando no corredor dos quartos.

    — Ok chegamos, aquele quarto no fim do corredor é o dos meus pais, essa porta de lado esquerdo é a do meu quarto já a do lado direito é a do seu quarto- explico ao garoto.

    — E aquela?- ele pergunta apontando para a porta que é menor do que as outras.

    — É só um quarto vazio, nada demais- respondo dando de ombros.

    — Podemos ver?

  Dou de ombros e vou até a porta com ele atrás de mim, abro a porta e ele passa por mim entrando no quarto vazio. Não tem nada aqui além de uma mesinha pequena e um espelho na parede, os dois são bastante antigos e estão cheios de poeira, a verdade é que esse quarto chega até a ser um pouco sombrio.

    — Gostei daqui- ele diz observando as paredes pintadas de um verde escuro.

  Toda a casa segue esse estilo de cor e de móveis, a casa é bastante antiga e chega a parecer àquelas de filmes de terror, o que tornava ela animada e cheia de vida era a vovó mas ela se foi, mama começou a fazer algumas alterações e acho que em breve teremos algo parecido com nosso antigo lar.

    — Vamos sair daqui logo, você nem viu seu quarto ainda- digo tentando sair desse ambiente sombrio o mais rápido possível.

  Depois de mostrar o quarto a ele mama nos chamou para o lanche e eu agradeçi por isso, não queria mostrar os outros cômodos assustadores para ele, e agora que ele é da família e vai morar aqui terá tempo de sobra para explorar ele mesmo.

                ★★★★★★

                3 anos depois

  Eu encarava meu reflexo no espelho enquanto arrumava o laço azul no topo da minha cabeça, eu estou muito feliz afinal hoje é meu aniversário de 10 anos. Estou usando um vestido azul de bolinhas brancas e um sapato combinando, é engraçado como o tempo passa e eu ainda amo o estilo dos anos 60, acho que vou continuar me vestindo assim para sempre.

  Eu estava terminando de me arrumar quando a porta do quarto se abre lentamente e ele entrou no meu quarto, ele ficou parado me observando de longe e eu já tinha me acostumado com esse jeito dele então só fico o observando de volta enquanto tento imaginar o que passa por sua cabeça.

    — Eles pediram para vir chamar você, já está na hora de irmos- ele diz depois de um tempo.

  Nós vamos jantar fora hoje para comemorar meu aniversário, eu não tenho amigos no colégio então ao invés de uma festa será apenas um jantar em família. Apesar de não ter uma festa todos estamos vestidos com o estilo dos anos 60, mamãe até fez uma reserva em um restaurante que tem o estilo daquela época.

    — Você está bem- digo a ele me referindo a suas roupas. Ele está vestindo uma camisa branca, jaqueta de couro e calça jeans preta, seu cabelo tem gel e está penteado para trás.

    — Obrigado, acho que vou me vestir assim sempre- ele diz sorrindo.

  Esse é um detalhe novo sobre ele, ele deixou de ser grosseiro comigo e agora sorri, seus sorrisos são muito raros mas eles dão as caras de vez em quando. Quando ele começou a se aproximar de mim eu prendi a respiração, ele nunca fez isso, nunca se aproximou demais nesses três anos mas agora está aqui parado na minha frente.

    — Você está muito bonita- ele diz me olhando nos olhos.

    — Obrigada- sussurro nervosa por sua proximidade.

    — Você é muito linda Camila- ele sussurra acariciando minha bochecha.

  E essa foi a primeira vez que ele se aproximou de mim, a primeira vez em que me tocou. Foi a primeira vez mas não a última.