CAPÍTULO 8
Tudo estava certo para que Michelangelo Berson e seu advogado somente sobrevoassem a área do acidente, mas na madrugada passada o empresário decidiu que não se tornaria somente um espectador medíocre e imparcial. Ele precisava agir. Não posso cometer os mesmos erros que antes. Por isso, fez várias ligações afim de preparar aquilo que almejava.
O jatinho particular dos Berson chegou à uma pista de pouso particular próximo a Brumadinho quando o sol acordara. Um carro entrou na pista para buscar Michelangelo e seu advogado ao passo que, de uma van branca, um cinegrafista filmava tudo.
– Quem é aquele? – O jurista perguntou.
– Pedi ao pessoal do marketing que documentassem tudo que vamos fazer aqui hoje. – O empresário devolveu.
– Por quê?
Michelangelo não respondeu e o advogado ficou preocupado. Era uma má ideia filmar o que fariam, pois quem sabe o que iria acontecer? Durante o voo, aquela decisão maluca de ir a Brumadinho, ao invés de somente sobrevoar, teve seus últimos detalhes ajustados, mesmo sob desaprovação do jurista.
O advogado de Berson achou um tremendo equívoco a vontade de Michelangelo em se tornar algo além de espectador, que desejava conversar com pessoas, não aquelas que detinham a visão externa do acidente, mas sim as que viveram os fatos. Ele não entendia que o empresária só queria ver gente comum. Ao seu ver, era um grande risco e talvez algo desnecessário, afinal eles tinham pessoal para fazer aquilo.
– Se não se importa, pedi que mais alguns seguranças nos escoltassem hoje. – Assumiu o advogado.
O presidente Berson olhou pelo retrovisor e viu dois carros pretos os seguindo. De fato, a segurança deveria ser reforçada, afinal, o mundo inteiro cuspia ódio contra Michelangelo e sua empresa e bem ali, no "centro do vulcão", a sua vida corria perigo sobremaneira. Afrouxou a gravata no pescoço e suspirou alto. Estava calor e odiou ter tido a ideia vir usando terno. Pediu que ligassem o ar condicionado. Um celular tocou.
– Alô?!... Advogado Martim... Sim, ele está comigo... Pode.
O atendente abafou o celular e disse ao Michelangelo que a ligação era para ele.
– Alô. – Atendeu ao telefonema.
–Pai, você desligou o celular! Soube que fez uma viagem a Brumadinho. Por que não me chamou?
– Foi de última hora. – Michelangelo se lembrou que não comunicara nada ao seu filho, vice-presidente da empresa.
O filho de Berson suspirou do outro lado da linha. Quantas vezes o seu pai fizera aquilo, viajara sem nem ao menos dizer-lhe. A verdade era que ele não o via capaz de fazer algo de útil na empresa. Sempre existiria a imagem de um garoto imaturo que dizia não querer ser como o seu progenitor na infância. Jamais seria importante sua opinião, mesmo que nos últimos meses tivesse feito acordos milionários com acionistas no Exterior. Michelangelo não via que o rapaz realmente pegara gosto pelo trabalho depois que crescera.
Por outro lado, o filho de Berson se chateava não somente por ser um incapaz aos olhos de seu pai, mas também por ele ter quebrado a promessa que fez à sua família: esquecer que existia pessoas que lhe interessavam ao redor daquelas minas.
–O senhor prometeu que nunca mais voltaria para esse lugar.
Michelangelo não soube o que responder. Mal sabia o filho que ele nunca tinha cumprido essa promessa de tantos anos atrás. Sempre realizará viagens a Brumadinho e quase todas elas eram por motivos pessoais. O trabalho ali não exigia sua presença de forma urgente. A verdadeira causa da proibição era porque sua esposa descobrira o caso que tinha com a jardineira da casa. Ela subordinou a moça e mandou-a para a comunidade Córrego do Feijão.
– Volto à noite... Diga a sua mãe para não me esperar. – Disse por fim.
Encerrou a ligação com medo de ser julgado. Devolveu o celular e sentiu um nó na garganta. Ele não deveria estar lá.
– Então tudo isso é porque você vai vê-la? – Pergunta o advogado, abismado.
– Claro que não, Martim. – Tentou se defender – A barragem estourou e eu preciso resolver esse assunto.
No entanto, ela já sabia a resposta verdadeira não era essa. Michelangelo seria incapaz de ignorar a mulher da sua vida e seu filho perdido que estavam a poucos quilômetros de distância. O passado sempre chamava a ele, não importasse os seus esforços para ficar no presente. O fundamento principal de "olhar para o futuro" só se aplicava aos seus negócios. Na prática, sua vida pessoal sempre caminhou ao precipício.
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O filho de Cora teve de arrumar as malas sozinho. Desde a última conversa, ele não falará com a mãe. Estava cansado de viver no escuro a mercê de um pai fantasioso e imaginário. Ele era esperto demais para sua idade. Já havia procurado quem conhecesse seu pai fazendo um verdadeiro trabalho de detetive, mas mesmo assim, não encontrara nada. A única coisa que sabia era que sua mãe o tinha levado para bem longe do seu progenitor.
Comparou diversas vezes a foto dele e de Cora e constatou que só herdará dela o cabelo preto e os olhos claros. Então, talvez as outras feições faciais fossem como a do seu pai. Á vista disso, quando criança, olhava os narizes e bocas que passavam na rua esperando um dia reconhece-lo. Nada encontrou se não decepção e solidão. Depois de catorze anos, será mesmo que ele não sabia que tinha um filho? Ou talvez sabia e já teria lhe procurado? O menino começou a achar que já haviam se visto pelo menos uma vez. A ausência paterna estava lhe causando loucura.
Todos se dirijam a entrada do dormitório. – Uma voz masculina e robótica anunciou.
Era hora de partir. Precisava chamar a mãe, então jogou a mochila velha nas costas e puxou uma mala. Não precisou andar muito, pois ela já estava a porta do dormitório feminino. Vista uma saia que ia até os pés e blusa de manga longa. O cabelo negro estava todo jogado para frente do rosto e andava com o corpo levemente curvado, o que talvez fosse por vergonha de encarar as pessoas ou por carregar um peso nas costas, sozinha.
Nenhum dos dois disse uma palavra. Nenhum deles procuraram o marido de Cora. Ninguém precisou do marido de Cora. Simplesmente lhe deixaram.
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Notas: 1053 palavras
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