Capitulo 23
O garoto e sua duplicata encontraram o que parecia ser uma pesquisa científica detalhada não somente daquele pedaço de cratera exposto no museu, mas também sobre aquilo que causou o grande buraco. Bem amarradas, as folhas amarelas escondiam os manuscritos do monge - que agora tinha nome, pois Abner o leu na primeira capa, Messias Americo - em uma letra elegante e bem desenhada. A organização impecável do celibato demonstrava sua póstuma inteção de transpassar uma ótima impressão àqueles que achariam os seus escritos.
A Solari desenrolou cuidadosamente o pergaminho, temendo que as folhas amarelas esfarinhassem em suas mãos de tão velhas que eram e pensou, naquele momento, que o tempo aqui na Terra envelhecia muito mais rápido as coisas e os seres. Para ela, a vida chegava a ser quase infinita se em comparação a nossa.
Voltou sua atenção para a pesquisa do monge Messias. Leu por cima algumas informações e percebeu que, apesar de ser muito inteligente, aquele homem não sabia muita coisa sobre seu povo. Felizmente ela sabia e poderia complementar as informações que os levariam em algum lugar. Não queria admitir, mas a ideia de Abner, sua duplicata menos desenvolvida, tinha sido melhor que a dela. O que a garota vermelha queria fazer para encontrar o outro Solari não era nada agradável, mataria muitas vidas, e já bastava ter matado muitas delas quando chegou a superfície terrestre.
A garota vermelha entregou para Abner o manuscrito e deixou que ele olhasse.
- Precisamos encontrar um lugar para ficar, o que tínhamos de conseguir aqui na paróquia já conseguimos. - Abner comentou sem tirar os olhos da folha amarela. Ele percebera que levaria horas para estudar tudo aquilo.
Além disso, embora eles estivessem invisíveis, Abner ainda precisava se alimentar e descansar. Talvez não conseguiria dormir naquela noite, pois seu plano era raiar o dia estudando a pesquisa do monge, mas pelo menos teriam um lugar para sentar e se abrigar. O banheiro comunitário da paróquia não era uma ótima opção, porém. Sendo assim, a garota vermelha e seu duplicata encontraram um ginásio esportivo vazio - bem perto de onde estavam. Conseguiram quebrar o cadiado com facilidade, ora, ela era muito forte. Esse pequeno evento fez Abner lembrar do dia conheceu a Solari, no qual quase matou dois brutamontes. Sem querer, ele soltou um risinho.
Os dois fizeram da arquibancada seu pequeno acampamento, que não tinha nada além da bolsa de Abner, um pacote de salgadinhos que a garota vermelha pegou de um mercadinho no caminho e dois galões de água, um para beberem e outro para se lavarem quando precisassem. O garoto teve um pensamento engraçado e talvez fora de ocasião, devido os verdadeiros problemas atuais. Abner se perguntou se as pessoas veriam somente os objetos flutuando quando ele ou a garota vermelha estivesse manusenado, afinal, ela deixou apenas os dois invisíveis. Não somente isso, ela quebrou a parede do quarto dele, então como a mãe dele conseguiu vender o apartamento assim?
- Não precisa se preocupar. - A garota vermelha comentou no silêncio do ambiente, fazendo sua voz ecoar - Tudo que tocamos fica invisível, como quando quebrei sua parede. Tive que camuflar o buraco e colocar uma proteção. Quem olha para lá nem imagina o estrago que fiz.
Abner riu, mas não entendia muito bem como isso funcionava.
- Você é bem temperamental as vezes. - Abner brincou.
A garota vermelha não fez questão de entrar na onda, infelizmente ela só tinha conseguido imitar a fisionomia humana, não o dom do sarcarmo.
- Vamos ver o que essa pesquisa diz... - Abner falou sozinho, foleando as páginas amarelas.
Nitidamente, o monge não dispunha de aparatos tecnológicos, em virtude da época e da escassez de recursos da Igreja. Eram tantos papéis que Abner chegava a achar que pesava mais que ele. Com certeza não dormiria naquela noite, havia muita coisa para ler. Começou pela primeira anotação, intitulada "O acontecimento; dava um total de 10 folhas.
"No dia 30 de Janeiro do ano de 1951, estive presenciando o maior evento do século e talvez da história humana. Meu horário de oração pela madrugada havia acabado e eu estava cruzando o pátio entre a paróquia e o dormitório quando vi um clarão cortar o céu noturno. A luz era tão forte que irritou meus olhos. Em instantes, vi o segundo pátio, do outro lado da propriedade receber uma grande bola de fogo que explodiu assim que entrou em contado com a terra. Parecia que a cidade estava sendo abalada por um terremoto, mal se podia ficar em pé ante tamanho abalo. Antes de qualquer outro monge, eu, Messias Américo, corri até o local da explosão para entender o que se passava. Poucas coisas podiam se ver através da fumaça densa e sufocante, porém, notei uma mancha brilhosa no centro da catera. Todo a luz vinha dela. Em seguida, ouvi um grito horripilante que cortou o ar e causou uma leve surdez em mim, por breves segundos.
- O que você está fazendo? - A garota vermelha perguntou, assustando Abner.
- Lendo o manuscrito do monge, obviamente. - Ele respondeu, dirigindo os olhos a ela e depois retornando ao papel.
- Não precisa, eu já li tudo.
- Impossível, isso aqui deve ter umas mil folhas e você basicamente ficou com elas por cinco minutos.
A garota vermelha suspirou e levantou-se, usando a mão direita como apoio. Ela cruzou o espaço entre eles, se sentou novamente, dessa vez ao lado de Abner, e lhe tomou os papéis.
- Veja. - Ela disse, folheando até encontrar algo. Apontou o dedo para um trecho e continuou a falar - Página 19, parágrafo 4: "Constatei pela primeira vez que o evento ocorrido na Paróquia de Brumadinho era algo sobrenatural, vindo das estrelas. Minhas crenças religiosas não podiam explicar o que acontecera naquela madrugada. Tampouco era um anjo, um demônio, uma potestade ou um principado. Era um ser extra terrestre."
- Como você sabia? - Abner perguntou, assombrado.
- Eu já te disse que li tudo isso. As vezes você se esqueceu que eu não sou humana. Faço coisas que o seu corpo não consegue.
Abner olhou para o rosto da Solari e viu que ela, agora, era exatamente como uma humana. Não havia mais sequer uma parte de sua pele vermelha como maçã, nem seus cabelos davam mais a impressão de que estavam pegando fogo. Ela parecia ser simplesmente uma adolescente de pele pálida, cabelos castanhos e olhos opacos. O garoto engoliu em seco. De fato, ele as vezes se esquecia de que ela era uma estrela que veio do céu para se fundir a ele. Toda essa história era incabível e as vezes era quase impossível aceitar a realidade.
- Por que esse olhar?
- Nada. - Abner respondeu, envergonhado.
- Eu sei que agora sou exatamente como uma humana. Isso acontece porque quanto mais tempo passo aqui na Terra, mais me torno igual a vocês. Mas isso não anula minhas habilidades. Eu ainda posso voar, agitar minhas moléculas até se transformar em alguma coisa ou posso ficar invisível. Além disso, eu meio que consigo dominar o tempo no seu planeta, já que pra mim ele passa muito mais rápido.
Abner olhava-a como um devoto. Era impossível ele esconder que estava se afeiçoando pela garota vermelha. No início, não queria gostar dela pois isso significava aceitar seu destino como duplicata, mas estar com ela fez algo dentro dele mudar.
- Já que você leu tudo isso - Ele se obrigou a pensar algo diferente - Vamos pular logo para as partes das conclusões e descobrir qual o nosso próximo passo.
- Certo. - A garota vermelha concordou.
- Me diga tudo de importante que você descobriu aqui.
Ela olhou para Abner tempo o suficiente para organizar as ideias e começou a lhe explicar:
- Na página 19 ele fala sobre acreditar que aquilo que caiu do céu era um ser sobrenatural e nas páginas seguintes ele descreve como estudou essa teoria para comprova-la. No fim, Américo disse que, com o microscópio da época, ele comparou amostras de tecidos humanos com partes do ser que encontrou e viu que não havia compatibilidade.
- Como monges daquela época tinham um microscópio? - Abner divagou alto.
- Bom, a Igreja sempre incentivou os estudos pelo que eu aprendi sobre vocês.
Abner olhou desconfiado para a garota vermelha. Ela prosseguiu como quem não notou:
- Todas as informações até ele chegar à conclusão de que somos de fora não importa. O fato é que ele não sabe muita coisa sobre nós. Por exemplo, na página 89 ele diz que somos feitos de um elixir celeste, mas somos feitos de elementos que vocês conhecem como o Hélio e Hidrogênio.
- Espera, então vocês tem uma composição similar a do Sol? - Abner pergunta.
- Sim, o Sol também é uma estrela.
- Por que então você, quer dizer, nós temos essa ligação forte com ele?
- Eu canalizo energia dele. - A garota vermelha dá de ombros - Ele é grande o suficiente pra me emprestar um pouco. Mas isso não importa, é algo um pouco difícil de explicar.
Abner concordou. Ele bebeu um pouco de água e coçou a nuca. As informações começaram a dar um nó na cabeça dele. A garota vermelha passou algumas páginas fazendo o barulho mínimo ser predominante no ginásio.
- Américo também não sabia de uma coisa muito importante e que determina a ligação do meu povo com a Terra.
- O que? - A curiosidade de Abner foi aguçada.
- Anhoraxia, a minha galáxia, acabou engolindo a galáxia de vocês. É como se agora tivéssemos em um mesmo "nicho". Vocês chamam isso de canibalismo galáctico.
- Que interessante. Com essas coisas que você sabe, a gente poderia revolucionar o mundo.
As feições da garota vermelha se contraíram em uma cara de preocupação. Abner começou a cutucar o canto da unha.
- Bom, digamos que outras pessoas já querem fazer isso. - A Solari diz, sombria.
- Do que você está falando?
- Américo disse que... - Ela hesita por um instante - O outro do meu povo foi vendido para um país, na Guerra Fria. Isso até explica porque ele não está aqui em Brumadinho. Levaram-o para uma base de pesquisa chamada Área 57.
- Américo disse onde ela fica?
- Não.
Abner ofereceu um muxoxo. Eles chegaram tão perto de descobrir onde está o outro Solari. Ele podia jurar que estava em Brumadinho, algo no centro daquela cidade atraia e passava mensagens codificadas para Abner. Ele esperava que fosse no sentido literal, mas percebeu que era apenas uma pequena parte de um jornada que ainda não tinha chegado ao fim.
- Você tem certeza disso? - Abner perguntou.
- Tenho, não há nada nessas páginas que digam a localização da base. Na verdade eu acho que Américo se arriscou em revelar essa informação, porque ao que parece, todo esse esquema é secreto.
- O que faremos, então? Já chegamos até aqui, descobrimos tudo isso, mas por causa de uma única informação não conseguiremos achar o outro Solari? Isso não faz sentido! - Abner levou as mãos à cabeça e bagunçou o cabelo.
- Bom, há algo aqui que talvez nos ajude.
A garota vermelha entregou o pergaminho, já nas últimas paginas, para Abner. Um nome brilhou diante dos olhos dele e o desespero pôde se esvair um pouco do seu coração jovem. A duplicata encarou a estrela e lhe disse:
- Tá pronta pra mais uma viagem?
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