Capítulo 21
Fazia uma semana que Cora estava na clínica de reabilitação para alcoólatras. Não havia muitas delas espalhadas por São Paulo, mas aquela era relativamente boa, para uma instituição pública. No entanto, ela não se importava para a qualidade do lugar ou da comida, pelo contrário, só se importava em sair dali como uma pessoa melhor. Tudo pelo seu filho, Abner... Por onde ele anda? Perguntou a si mesma.
A saudade era tamanha no seu peito, mas precisava aguentar firme. Da forma como estava não podia continuar. Ela precisava mudar, e até que aquela tarefa não estava encontrando tantos empecilhos, pelo menos externamente, afinal, parecia que as pessoas da clínica não se importavam por ela ser Cora Maldonado, aquela que teve um filho bastardo de Michelangelo Berson. Chegava ao de ponto de ludibria-la com a ideia de que não a reconhecessem – como muitas pessoas faziam na rua, apontando o dedo a face e acusando-lhe.
Talvez o motivo real era porquê aqueles indivíduos de tipologias tão diversas mal davam conta de sua própria vida, tentando superar traumas e vícios. Atentar-se a uma mulher era uma atitude supérflua, para eles, digamos assim.
No entanto, Cora viu que até mesmo os funcionários não a olhavam com cara de espanto sempre quando a conheciam, nem muito menos ficavam aos cantos cochichando assim que ela passava. As pessoas daqui são diferentes das que estão lá fora. Refletiu. A exemplo disso, tem-se a psicóloga Daiane, que naquele momento, tratava-a como se não soubesse dos escândalos que rondavam a respeito dela.
- Diga-me: quais são seus pensamentos agora? – A doce doutora interrogou a matriarca Maldonado, que permaneceu quieta nos cinco primeiros minutos da consulta.
Cora pensou por alguns segundos e então disse:
- Bom... Penso nas coisas que deixei lá fora.
- Que coisas são essas? – Instigou a psicóloga.
- Infinitas coisas...
O silêncio depois disso fez Daiane perceber que Cora ainda não estava pronta para se abrir naquela área de sua vida. Mas elas precisavam chegar a algum lugar, naquela sessão, por isso continuou:
- Então, conte-me sobre o seu filho.
Naquele momento, Cora olhou fixamente para a doutora e pode-se perceber um mero brilho resplandecer nos seus olhos. Ela amava falar sobre Abner, e não somente isso, amava detalhar cada parte dele. Por isso, deslanchou-se em palavras, às vezes atropeladas e esbaforidas, sobre o filho e todas as qualidades que tinham nele. Não se viu ser pontuado defeitos. Tudo ia bem até uma pergunta fatal ser dita.
- Quem é o pai de seu filho? – interrogou Daiane.
O semblante de Cora mudou de alegria para um misto de raiva e tristeza. Para ela, no início o sentimento de ser abandonada falava mais alto, mas logo depois, tomou consciência de que Abner foi abandonado pelo pai, também. Os primeiros cinco anos da vida dele foram difíceis, pois moravam de favor com uma amiga de Cora, que por sua vez, não tinha emprego. Logo veio as oportunidades que a fizeram criar bem seu filho, mesmo que em um ambiente singelo. Um marido veio a tira colo, sem muitos motivos. Terríveis anos, porém, foram esses.
Tudo isso levava Cora a acreditar que Michelangelo era o maior culpado. Embora fosse um amor ainda não superado, ela jamais admitiria. Foi então que percebeu, ela também abandonara Abner. A atitude radical de vender tudo e mudar-se para um hospital de viciados foi total e completamente egoísta. Ela não levou em consideração o tempo que passaria aqui. E se passassem muitos anos? Sua meia-irmã cuidaria de seu filho em seu lugar longinquamente? Eles só tinham um ao outro. Por que nem mesmo achando saber o certo, consigo fazer o errado? Lamentou no seu imo.
- Eu preciso sair daqui! – Afirmou mais alto que gostaria.
A psicóloga estranhou a resposta singular de Cora e tentou acalma-la.
- Não, você não entende, eu deixei meu filho sozinho!
- A senhora precisa se acalmar, nós vamos dar um jeito.
- Não quero jeito nenhum! Eu só quero sair daqui! Vocês prometeram que nossa ida e vinda não seria tirada... Deixem-me ir!
Cora já chorava, falava com a voz arrastada. Quão terrível ela se sentia culpada. Deixara para traz a pessoa que mais amava, sendo egoísta como a pessoa que mais odiava.
✦ ✦ ✦
Do outro lado da história, Michelangelo Berson ouvia atentamente a tudo que seu informante lhe dizia. Mesmo depois que Cora e Abner se mudaram para São Paulo, ainda tinha pessoas a seu mando que os seguiam e notificavam tudo que acontecia. Ele sabia que os dois estavam fugindo dele quando foram embora de Minas, e isso o torturava todas as noites. Que represálias cometera para que as pessoas mais importantes de sua vida não o quisessem por perto? De certa forma entendia, afinal, os dois foram importantes "cartas" no seu jogo de defesa perante a imprensa. Mas mesmo assim, não aceitava muito bem.
Naquele momento, Michelangelo ficava sabendo que Cora estava tentando sair da clínica que se internara a dois dias, porém, sem sucesso. Talvez aquele fosse o momento para ressurgir do anonimato e ajuda-la? Mesmo que não compensasse todos os anos afastados, já seria um grande passo para o perdão. Ele estava cansado de ser somente um expectador, queria ser o protagonista.
- Prepare o voo. – Ordenou firmemente.
A ansiedade, de imediato, percorreu seu corpo. Imaginar como seria reencontrar aquela que em vida mais amou e o fruto disso fazia seu estômago borbulhar. Pensou nas buscas de sua equipe pelo seu filho que ainda não havia chegado à casa da sua tia, mesmo após uma semana desde que saiu da capital. Será que as duas coisas estavam ligadas? Por que Cora desistiu tão fácil da clínica? Talvez a notícia tenha chegado a ela. No entanto, isso não importava, a única coisa que queria era usar seu poder para salvá-los.
Que se dane a imprensa, os jornais e o resto do mundo. Michelangelo Berson queria ser, de verdade, um pai.
N° de palavras: 1017
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