5: O Pote de Ouro no Fim do Arco-íris
Mais de meia hora depois, estávamos jogados no chão do quarto, gargalhando em uma altura alucinante por motivo nenhum.
Meu corpo parecia pender na borda de um buraco negro invisível, pestes a se desintegrar na luminescência fosca da órbita do seu disco de acreção e dissolver a minha bagunça de átomos no vácuo etéreo que o cômodo havia se tornado, onde valsariam com as partículas de oxigênio e poeira que eram visíveis graças aos tentáculos de luz cor de óleo provenientes da janela aberta.
A vontade de rir era incontrolável. Rir de tudo, desde o pôster com um cantor que certamente já estava morto na parede, até do jeito como o cabelo de Jader me fazia pensar em salada de cenoura.
Nossos ombros roçavam um no outro e os nós dos seus fios incendiários se mesclavam aos meus cachos em um bordado caótico de mechas reluzentes. Parecíamos dois idiotas olhando para cima, mirando a lâmpada que pendia do teto com um fascínio que a fazia parecer um quadro de Picasso.
Eu nunca tinha me sentido daquele jeito. Era muito estranho. As paredes já tinham se diluído em creme cintilante umas cinco vezes nos últimos sete anos. Ou seriam sete minutos?
Não fazia ideia, porque parecia uma eternidade. Era como se estivesse há eras ao lado de Jader, despejando palavras desconexas e o ouvindo soltar aquela gargalhada estranha que o fazia se sacudir todo.
Ele era esquisito. Muito esquisito. E o mais inusitado de tudo eram os seus trejeitos incomuns me fazerem sentir tão estupidamente confortável com os meus.
O brownie não tinha matado nem um pouco da minha fome. Pelo contrário, meu estômago parecia ter virado uma espécie de furacão cósmico sugador de mundos, com espaço suficiente para comer o planeta Terra e um tubarão-martelo de sobremesa.
- Morar nesse país... - A voz arrastada do ruivo começou a entoar a música que ecoava da vitrola próxima à nós.
- É como ter a mãe na zona... - Continuei, erguendo o dedo para fazer círculos no ar.
As notas da guitarra ecoavam, preenchendo o ambiente da melodia e se mesclando às nossas risadas enquanto Ultraje a Rigor continuava a surrar Filha da Puta em nossos ouvidos.
Não que eu tenha nada contra profissionais da cama...
Mas são os filhos dessa dama
Que você sabe como é que chama.
- Filha da puta! - Nossos berros se entrelaçaram ao completar a música e, em seguida, uma crise de riso irrompeu das nossas gargantas.
Um pequeno momento de silêncio se seguiu, com as batidas do meu coração competindo com o eco dos instrumentos ao fundo.
- Eu queria ser uma barata. - Jader soltou, de súbito, o timbre grave carregado de seriedade.
- Por quê? - questionei, resistindo bravamente ao impulso de rir.
- Porque, veja só... - Arregalou ligeiramente os olhos, como quem visualiza um cenário catastrófico. - Se o mundo acabasse em uma explosão assim, ó. Puf! Eu ainda voaria pelo céu como uma nuvenzinha muito linda...
A risada que irrompeu do meu peito foi tão forte que meu corpo se projetou para frente.
- Eu queria ser um peixinho bem pequenininho. - Deslizei a mão no ar para simular um nado. - Aí, eu subiria na cabeça de uma baleia e ia parar no potinho de ouro no fim do arco-íris...
Jader soltou uma risada estrondosa, e seus dedos roçaram nos meus quando voltou a ficar parado, a pele quente infiltrando minúsculas partículas de calor na minha corrente sanguínea.
- Tô pedindo sua ajuda porque sou amaldiçoada. - As palavras escaparam sem permissão, em meio à agitação que fervilhou no meu sistema.
Senti as orbes do ruivo queimarem minha face.
- Como é que é?
- É... - Soltei um riso frouxo. - É uma coisa de família, eu acho. A gente e sedução não combinam. Minha mãe teve uns seis quase maridos, acho que quatro deles morreram de desastre e os outros dois traíram ela. - Inclinei a cabeça para o lado, mirando seus olhos direcionados a mim. - Minha avó nunca casou, também. Ela dizia que muitos dos caras que gostavam dela sumiam misteriosamente.
Um vislumbre hilário de pânico converteu as feições de Jader.
- Puta que pariu, vocês são tipo aquelas aranhas que matam os machos depois de transar e ainda comem eles pra não sobrar nada? - Seu tom exasperado carregava um misto de incredulidade e horror.
- Claro que sim. - Forcei o máximo de seriedade que consegui. - A gente cozinha em fogo médio com uma receita de família e serve na janta. Faz parte do plano.
Um longo instante de silêncio se estendeu sobre nós pelo que pareceram semanas, seu castanho se desmanchando em cada traço do meu rosto em uma análise minuciosa, como quem compete para ver quem vai sustentar o olhar sem rir primeiro.
O resultado foi que voltamos a gargalhar feito dois imbecis sob efeito de algum tipo de gás hilariante, até que nossas vozes foram sendo absorvidas pelo vento suave que a janela permitia entrar e, gradativamente, se deixaram ser engolidas pela música que ecoava do aparelho antigo próximo à porta.
As réstias de sol invadiam o cômodo, derramando-se na bagunça de livros, pincéis e tintas que enfeitavam a escrivaninha de Jader, bem como soprando sua luz nas minúsculas partículas de poeira em frente à parede recheada de pessoas que todos já tinham ouvido falar, mas ninguém, de fato, conhecia.
Ali, jogados no chão no meio daquela desordem irreparável enquanto respirávamos o mesmo ar, embalados pelo sol e pela poesia errante que pincelava seus tons por toda parte, senti como se estivesse flutuando em algum lugar entre o céu e a terra, onde o mundo caía em seu caos lá embaixo e nós apenas assistíamos tudo no topo de alguma nuvem qualquer, em silêncio, com dores, angústias e dúvidas girando ao nosso redor como planetas que perderam o rumo em meio às constelações internas.
Depois de pensar tudo isso, tive a absoluta certeza que estava chapada até os ouvidos. Não que eu já não tivesse desconfiado. Afinal, quem em sã consciência não acharia no mínimo estranho todas aquelas sensações completamente não naturais?
Inclinei novamente a cabeça para observar o garoto ao meu lado, mirando os cachos afogueados que moldavam suas feições imersas em algum ponto indefinido do teto.
- Cara, a gente tá muito doido. - entoei, um riso me escapando por baixo da respiração. - Teu irmão caprichou na erva que colocou naquele brownie.
- Tomara que a gente não morra. Acho que sou meio velho pra morrer tão jovem... - Uma pretensa expressão melancólica desenhou-se em sua face.
- A gente só comeu um pedacinho. Daqui a pouco o efeito passa. - murmurei, sem ter a exata certeza se realmente tinha sido só um pedacinho.
Estava muito bom, e quando se trata de doces, meu autocontrole costumava comprar uma passagem só de ida para a casa do cacete.
- Me desculpa, cactozinho. - ele pediu, baixo, as sobrancelhas apertando uma ruga em sua testa. - Meu irmão usa esse negócio de vez em quando, mas eu não sabia que dava pra colocar na comida. Tô falando sério, seríssimo, acho que nunca falei tão sério na vida minha vida, e eu não costumo ficar sério sempre, é sério. Eu não te droguei por querer pra, sei lá, tentar me aproveitar de você, ou te estripar e sumir com o corpo depois...
- Tá tudo bem, cara. Eu já percebi isso. - ressaltei, e vi suas feições relaxarem. - Fica de boa, não fiquei chateada nem nada do tipo, até porque isso aqui não é a pior coisa do mundo. Mas por que você tá me chamando de cactozinho?
Ele virou o rosto para o lado, as íris se fixando nas minhas conforme o sopro morno da respiração ondulava meu nariz. Estava tão perto que, dali, eu conseguia contar todas as sardas que se reuniam em um mapa inteiro rabiscado nos contornos da sua pele.
- Porque é isso que você é. - afirmou, simples. - Mas até cactos florescem, e eu aposto que você também deve ter as suas flores, mesmo sendo grossa, irritante e com uma voz estranha que parece um sino tilintando. Você é tipo a Sininho daquele livro lá, Peter Pau.
Eu gargalhei tão alto com o erro do título que quase cuspi meu pulmão para fora do corpo, sem conseguir afastar meus olhos da órbita dos seus.
Eles tinham uma beleza diferente. Pareciam duas balinhas de caramelo.
O pensamento me deu ainda mais fome.
De súbito, suas feições mudaram, as sobrancelhas se estreitando e os lábios se partindo ligeiramente, como se tivesse sido atingido por uma epifania repentina.
- Acho que o meu cérebro trabalha melhor chapado, porque acabei de pensar em uma ideia incrível pra você chamar a atenção do Antônio.
- Fala. - encorajei.
E, então, começou a recitar o que tinha em mente.
Saudações, terráqueos!
Capítulo menorzinho, eu sei. Acontece, às vezes, hahaha.
E aí, curtiram?
O que será que esses dois vão inventar?
Carmelita e Jader chapados é uma das minhas coisas favoritas no mundo. Só isso que tenho a dizer.
Beijos de nuvem pra vcs! <3
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