Capítulo 4
Braços cruzados na altura do peito e boca contraída, Adriano parece bravo, mas, na verdade, está com medo: foi devolvido por uma família na semana passada. Postura ereta, roupas comportadas e alinhadas, o comportamento sexual inadequado de José, começou no dia em que a mãe perdeu a sua guarda. A velha cadeira de balanço range, e Susana não sente a tensão que emana dos outros como Imaculada sente: menina nova, ela não conhece os colegas de acolhimento.
Susana é a única que não quer fugir.
— Ceci? — Agatha se agacha em frente a Imaculada. — Por que não penteou o cabelo dela?
— Eu fiz. Faça melhor se acha que não ficou bom.
O pente vermelho toma o espaço entre mulher e criança, os dentes grossos e espaçado não tem piedade do cabelo, e Imaculada não pode evitar se encolher. O couro cabeludo arde dos fortes puxões, há fios grudados em sua roupa e espalhado pela sala, Cecília explicou que o cabelo dela é ruim.
— Arruma um lacinho de cabelo. — Agatha ignora o pente.
— Só tem elástico.
— Fazer o quê?
O rosto preso entre as mãos de Agatha acompanha os olhos da mulher, eles percorrem a pele e Imaculada não tem idade para ter espinhas.
— Escovou os dentes?
A menina assente.
— Sopra.
Menta. Ela também sente o cheiro. Ela sente o cheiro e verifica se não há resto de pasta de dente manchando a roupa de sair, que veste às três horas da tarde de um dia comum.
— Um casal vai visitar o lar. Seja simpática. Gargalhe para eles como você costumava fazer para a Ceci. — As mãos de Agatha unem os cabelos negros, Imaculada sente os fios se acomularem no alto da cabeça. — Abrace a mulher. Elogie ela o tempo todo.
Cecília para ao lado delas.
— Não adotaram a Bubu quando era bebê, por que acha que vai dar certo agora? — O elástico preto tem o dobro do tamanho que deveria ter, Agatha não gosta do vê ou ouvi, e Cecília chacoalha o prendedor em frente a ela. — Foi o que achei.
As mãos unem os cabelos negros, Imaculada sente os fios estirados puxarem o couro machucado.
— A Bubu está crescida, não tem mais cara de joelho quebrado. — A assistente social prende os cabelos da menina. — E você, melhore esse comportamento. A preferência é a Bubu, mas não é pra deixar esse casal sair daqui sem uma criança.
— E por um acaso esse casal sabe a idade delas?
Agatha se coloca de pé. As mulheres se encaram.
— Eles querem conhecer os candidatos à adoção. É o que importa.
— Eles sempre vem aqui buscando o perfil de crianças que nunca vimos no lar.
— O que sugere?! Que abandonemos todas ela, como os pais fizeram?
O estalar de três batidas na madeira percorre os cômodos, e foge por uma janela aberta.
— Melhor que eles não tenham ouvido essa conversa. — Agatha segue em direção a entrada da casa. — Se estragou nossa oportunidade, dou um jeito de você ser demitida. — A voz baixa ameaça.
Apreensiva, Imaculada assiste a porta abrir.
Apreensiva, ela assiste a imagem sacra saudar os visitantes: de pele branca demais, quase transparente, a menina jamais viu pessoas assim; de cabelos finos, lisos e amarelo, ela não faz ideia de onde eles vem; de andar silencioso, lento e calculado, Imaculada não entende porque parecem inseguros.
A mulher se ajoelha diante dela.
— Oi, como você se chama? — Os dentes brancos brilham, e a menina não quer confiar naquelas pessoas. Agatha não conhece eles de verdade. Cecília menos ainda.
— Maria Imaculada. — A assistente social responde pela outra. — Perdoem a timidez, as crianças não recebem muitas visitas.
Alguns passos distante, o homem para ao lado da cristaleira, a protetora das porcelanas abandonadas. Ele não quer assustar Imaculada. E por que assustaria?
O estúpido bebê não teve o instinto de chorar. A idiotinha não aprendeu a diferenciar o bom do ruim. São olhos azuis — a menina pensa. — Olhos azuis nunca são maus.
— Não chore. — Os dentes brancos brilham, e o homem sorri. A mão masculina agita o ar lenta, ameaçadora, e Imaculada treme.
— Não se impressionem. Ela não é chorona, isso é emoção. — Agatha acerta tapas nas costas infantil. — Busque água pra Maria, Cecília. E traga um café para a visita.
Se eles tivessem a escolhido, Imaculada teria aceito o futuro obscuro que o estranho casal oferecia. Ela não poderia recusar. Sua vida está nas mãos do governo.
Sempre esteve.
Em breve não vai estar.
Foi o choro barulhento, o soluçar compulsivo, o catarro escorrendo do nariz, que estragou a primeira chance verdadeira de Imaculada. Última chance. Eles escolheram Suzana, a menininha sorridente na velha cadeira de balanço.
Maria não ouviu mais falar de Suzana.
Ela não sabe se a menina está em melhor situação que a recém chegada.
— Não me deixe aqui. — Pede a garota. — Não quero ficar. — Diferente dos outros acolhidos, ela não chora. Está diante da fronteira do abandono, e Fabiana não chora.
— É por pouco tempo, filha. Até as coisas se acalmarem.
Pronúncia perfeita, Fabiana não é o tipo de pessoa que devora as vogais quando fala. Limpa, ela cheira a alecrim, veste roupas alinhada e de cores vibrantes, uma boa menina que foi expulsa do país das famílias.
— Por favor, pai.
— Filha, é a sentença do juiz.
Acima dos pais, estão os avôs. Dois pares: maternos e paternos.
Ao lado dos pais, estão o tios. Infinita possibilidade que vaga entre nenhum e muitos.
Abaixo dos tios, estão os primos, amigos, conhecidos, vizinhos... O que uma boa menina fez de tão errado para ser condenada ao lar? — Maria tenta entender.
— Eu venho visitar você — o pai promete.
— Não quero receber visita, quero ir embora daqui.
— É por pouco tempo. Em breve o juiz fará uma nova audiência.
— Não é em breve. Vai demorar.
O olhar rancoroso e enojado percorre as faces que se reúnem na sala para assistir a despedida. — Não, Maria não é a única curiosa sobre a menina de roupas boas que chegou de carro: eles não têm problemas financeiros, grande parte dos acolhidos reconhece a fome. — Por antecipação, Fabiana odeia cada um deles.
— Eu não acredito no que dizem sobre o senhor.
— Independente disso, filha. Temos que fazer tudo como manda a lei, ou eu posso perder a sua guarda. — A mão afaga o cabelo sedoso. — Promete que vai se comportar.
Fabiana assente muda.
— Não vai te faltar nada. Eu vou estar sempre por aqui. — O beijo seco não estala, não se prolonga. De olhos marejado, o homem dá as costas e vai embora. A imagem sacra recebe a novata de braços abertos, e Maria decide que fez bem em rejeitar o estranho casal.
Agatha fecha a porta e se dirige a Fabiana.
— Seja bem vinda.
— Eu duvido muito. — A garota avalia os colegas de acolhimento.
— Eu sei que é difícil, — a mulher envolve os ombros dela — mas logo irá descobrir que o nosso lar não é tão ruim.
— Para de mentir, Agatha. — A outra ri. — Esse lugar é uma amostra grátis do inferno.
— Só pra você, Julie, que nunca está satisfeita.
A assistente social social segue em direção aos quartos com Fabiana presa junto ao corpo.
— Por que ela vai ficar no quarto de cima? — Julian intercepta as duas. — A Bubu continua na senzala.
— A Fabiana não vai ficar muito tempo por aqui. Logo ela volta pra casa.
— A Bubu também, a diferença é que ela vai pra rua mesmo. — Adriano intimida.
Cercada, a mulher não consegue disfarçar a preocupação. Os acolhidos a encaram, e ela entende que, no fundo, eles não se interessam por Maria, mas a causa da outra atingi a todos: O lar têm regras rígidas e exageradas, Agatha pessoalmente as atualiza a cada pequeno problema, um monte delas usadas para manter a crianças sob o seu comando.
As regras não podem ser usadas contra a Maria.
Ela e os colegas de acolhimento descobriram isso.
Maria já foi punida.
Resta apenas a angústia de não saber quem será o próximo.
— Dá o quarto pra Fabiana, eu não ligo de ficar na senzala. — A voz fria e controlada de Maria, atraí a atenção dos que permanecem na sala.
— Por favor, parem de chamar o quarto assim, não existe mais senzala nesta casa. — A mulher dá as costas para a garota.
— Que seja, mas se eu resolver botar fogo na casa, quero começar por lá.
— Bubu! — Esquecida da novata, Agatha avança até ela. — Não diga uma coisa horrível dessa nem por brincadeira.
— Eu estou brincando?
Cercada, a mulher não consegue disfarçar a preocupação. O olhar vagueia entre os acolhidos e volta para Maria.
— Não colocaria a vida dos seus colegas em risco — a assistente social afirma.
— É fácil alertar eles.
— Eu ajudo no que precisar. — Julie ri.
O pé esquerdo recua, o direito o acompanha. Diante de Agatha está o bebê que viu engatinhar pela primeira vez, criança carente que tanto pediu atenção, cresceu solitária pelos cantos da casa e, agora adolescente, a mulher não reconhece mais Maria.
— Fique um pouco com os seus colegas, Fabiana. — Ela corre em direção a cozinha. — Eu vou resolver o problema do quarto.
— Quer dizer que a Bubu vai finalmente ganhar uma cama decente? — Julian grita para ela.
— Vai!
Dois pesos e duas medidas.
Maria percebe que só é respeitada quando exigi isso.
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