e n c o n t r a d o
"Nós, no final das contas, acabamos descobrindo que é no meio do nada que encontramos o que precisamos. Quando nós perdemos, nos encontramos."
- Desconhecido
***
Me faça sentir algo, eu preciso sentir algo. Depois que você se foi, bem, era evidente que eu não estava bem. Eu tentava disfarçar me ocupando com deveres, lendo livros e te ignorando.
Se passaram alguns dias após sua partida mas, parece que foi ontem que tudo congelou ao meu redor. Os vestígios estão por toda parte, desde um simples "bom dia" que era só seu à uma música que pra mim, era exclusivamente nossa.
A partir daquele dia no meu quintal as minhas cortinas sempre estiveram fechadas, até mesmo nos dias que a vontade de te olhar pela janela era grande o suficiente para eu me trancar no banheiro na espera da vontade passar.
E bem, durante esses dias passei a comer bem menos que o habitual, e consequentemente emagreci uns 5 quilos.
Essa monotonia me acompanhou até certa noite, em que, quando estava chegando em casa depois de um dia exaustivo na escola, meu pai, que estava sentando no sofá sozinho, me chamou.
- Podemos conversar depois, tenho dever pra fazer. - menti.
- Não Henrique, tem que ser agora. Acredito que já esperei tempo demais. - quando ouvi meu pai me chamando por "Henrique" soube que a conversa seria séria.
Andei devagar e sentei na outra ponta do sofá.
- O que é?
Meu pai estava com um cigarro nas mãos e levou a boca deixando a casa completamente silenciosa. Ele não me respondeu.
- Como você está? - perguntou.
- Bem.
- Não. - ele tragou e soprou a fumaça para cima. - Você não está bem, na verdade, está longe de estar "bem"
- Talvez eu e o senhor tenhamos ideias relativas de se sentir bem. - tentava ao máximo cortar essa conversa, pois tinha noção do que se tratava.
Ele sorriu só para si.
- Por que eu e você somos tão difíceis em admitir que estamos errado?. - voltou os olhos para mim. - Henry, você pode achar que eu não ando muito presente por causa do meu livro. E sim, isso pode ser verdade, mas o pouco que vejo, já me diz tudo. Você anda desligado, não come, parece um fantasma por essa casa.
- Desculpa. - disse baixo encarando o chão, não tinha força para olhar no rosto do meu pai.
Estava envergonhado. Era deprimente saber o que eu havia me tornado, tudo por culpa sua.
- Não se desculpe. Eu e sua mãe queremos que você reaja, que grite, que pelo menos demonstre alguma emoção além de tristeza, queremos pare de fazer as coisas que nós esperamos que faça. Seja você, apenas isso.
Permaneci em silêncio, sem ter uma resposta que não me fizesse querer chorar na frente do meu pai.
- Tem que haver com o Bruno? - não respondi. - Óbvio que é.
Tentei argumentar do contrário, mas meu pai interrompeu.
- Está na hora deu falar um pouco. - ele fez silêncio como se estivesse pensando, depois continuou. - Henry, eu não intervir quando ele publicou aquele vídeo, pois achava que você teria força suficiente para se levantar. Mas agora vejo que eu vou te da um pouco da minha força. Não aguento ver meu filho morrendo sem eu poder fazer nada, por causa que alguém que não o merecia.
Ele tragou e ajeitou os óculos enquanto nos dois encaramos a televisão que estava desligada.
- É evidente que você o amou filho, e muito. E não posso pedir para que o esqueça, mesmo com toda essa merda que aconteceu, foi amor, foi momentos felizes. Eu sei que você deve estar tentando matar tudo que viveu, toda a dor, mas permita-se sentir, pois quando mais gastamos de nós mesmo para preencher o que foi levado, acabamos nos perdendo tão rápido e tendo menos a oferecer a pessoa seguinte. Você tem que viver tudo, sem desperdiçar nada. Existem coisas piores que estar sozinho, mas geralmente leva décadas para entender isso e quase sempre quando você entende é tarde demais. E não há nada pior que tarde demais
A primeira lágrima veio.
- Mas filho, eu preciso te contar algo que nem você mesmo percebeu. Henry, eu sei que dos problemas que passa com seu próprio corpo, da sua insegurança. Então por isso lhe digo o motivo de você ter se apaixonado tão facilmente por ele. - ele pausou para respirar e meu coração apertou. - Você queria ter aquela sensação de amor, mesmo que não seja recíproco. Você desejava ter aquela sensação de ficar com alguém que estivesse te abraçando, beijando e amando. Por que você não conseguia fazer isso por si mesmo. Você não consegue se amar e isso é triste filho. E se não consegue sentir isso por você mesmo, nunca achará um relacionamento duradouro. Todos os próximos irão te magoar, e vai chegar um momento que você não vai aguentar. E eu temo por esse dia. Pois sei que nem sempre eu e sua mãe estaremos aqui para lhe ajudar, e você terá que enfrentar tudo isso sozinho e está tudo bem se sentir meio perdido às vezes, até eu fico, mas sempre temos que achar meio de nos encontrar.
Mais lágrimas vieram, mas eu forcei-me a não fazer nenhum barulho, não quero atrapalha-lo. E como se fosse automático eu comecei a me aproximar dele enquanto falava.
- Filho, você tem que dizer a si mesmo que você é especial. Dizer a si mesmo que você é insubstituível. Diga a si mesmo que você é intocável, radiantemente atraente. Faça isso todos os dias, mesmo que pareça estar mentindo para si mesmo. Insista para o espelho que você é a coisa mais linda que já se refletiu. Se você fizer isso o suficiente, eventualmente, não vai querer mentir mais, será automático, e você se reconhecerá como a pessoa incrível que você realmente é.
Ele tragou o cigarro e sorriu um pouco mais alto, como se tivesse lembrando de algo ou alguém. Lágrimas estavam presentes em seus olhos.
- Você ainda tem tanto pra viver. Tanto pra sonhar. Amadurecer. Aprender. Não deixe que alguém estrague o que há de mais bonito em você filho. Seja feliz. Mesmo que todo o mundo conspire para que isso seja impossível, mesmo que as pessoas não tenham empatia.Você é a melhor pessoa que conheço e tenho orgulho do filho que criei.
E antes deu respondê-lo, os braços dele passaram pelo meu ombro e puxou-me para um abraço. Seu cheiro de cigarro e perfume forte penetrou minhas narinas e aquietou meu coração como se eu estivesse finalmente respirando depois de dias no espaço. Eu o abracei de volta, o apertando com força, sentido seu blaser marrom. Era como se meu transe, meus dias de neblina estivessem evaporando, eu estava imerso na realidade. Nos dois chorávamos naquele momento e eu não queria larga-lo chamais. Ele depositou um beijo na minha testa e soltou-me.
- Amo você filho.
Dessa vez eu o abracei. E ficamos ali abraçados por um bom tempo e toda raiva que eu havia do meu pai por muitas vezes ele não está presente, desapareceu. E a partir dali eu teria que trilhar meu caminho sozinho.
Sabe Bruno, na madrugada desse mesmo dia eu me senti angustiado, meu quarto parecia pequeno demais para as lembranças gritando a minha mente. E durante essas horas de insônia, eu decidi abrir a cortina da minha janela e ver seu quarto. Confesso que estava receoso, mas fiz mesmo assim. Não tinha nada a perder afinal das contas.
Entretanto, ao ver tudo que tinha além das cortinas, entristeço. As coisas do seu quarto não estavam lá. Ver aquilo me doeu um pouco, mas não o tanto que eu achava que iria doer. Você tinha ido embora, e eu não morri. Tinha feito um belo progresso.
Então, enquanto encarava a parede vazia do seu antigo quarto, eu tive uma ideia que poderia me machucar - na verdade era nítido que ia doer - , mas sabia que depois disto eu te esqueceria totalmente.
Ou era isso que pedia a Deus quando sai de casa decidido a seguir meu plano louco e pedalei pela cidade até achar o local do nosso primeiro encontro. Não havia sol, nem comida e nem você. Mas tudo estava lá. As árvores, as gramas e o riacho. Respirei fundo e andei por cima da grama rasteira e adentrei as águas gélidas, sentindo meu corpo arrepiar e meu peito palpitar forte. Ao chegar no meio, eu mergulhei e como havia esperado, acabei sendo rodeado pelas lembranças de seus beijos, sua pele e seu cabelo. Tudo que vivemos parecia um sonho distante e intocável, doloroso, mas bom.
"Eu amo você Henrique" sua voz estava sussurrando na minha cabeça. "Você é lindo." afundei mais um pouco, como se cada vez que ficasse mais submerso d'água sua voz saia mais nítida "Não será esquecido."
Sim, serei.
Bruno, eu, naquele momento, precisava sentir minha dor, sentir você. Tinha fé que só assim poderei me encontrar na bagunça que sou. Mas aquilo doía, ouvir sua voz era como chicotadas, deixando-me cheio de cicatrizes incuráveis. Então lembrei-me do vídeo e você dizendo que não me amava. A raiva veio e como consequência soltei um grito silencioso cheio de raiva e vi as bolhas de oxigênio escapando pela minha boca.
Prendi a respiração novamente já sentindo falta de ar. E então, com o silêncio das águas, comecei a me questionar.
"O que eu amava em você Bruno?"
Seu olhos?
Seu cabelo?
Sua pele?
Mas aquilo era aparência, coisa que eu poderia achar em qualquer um. Não me permitir ser só isso, não era fútil o suficiente para amar só sua beleza. Na verdade eu era. Mas não agora. Amava mais coisas em você. Amava me sentir completo, desejado.
"E o que mais?"
Nada!
Tudo que eu amava em você eram apenas reflexos do que queria em mim. Pois eu queria me desejar, eu queria está completo.
E cheguei uma conclusão sobre o amor.
Bruno, o amor é apenas projeções melhoradas de nos, na outra pessoa. E vejo que isso não é justo. É impossível suprir as expectativas de cada um, no fim sempre alguém sairá ferido.
Aprendi tarde, eu sei.
Meu pai tinha razão, sempre teve.
Eu precisava me deixar afogar na dor. E então, em algum momento, eu começaria a nadar. E cada respiração me tornará mais forte.
Bruno amar você era como está me afogando nesse riacho, agonizante sufocante, com a propaganda enganosa de que me traria paz. Eu precisava nadar, subir para superfície e renascer te deixando para trás. E foi o que fiz.
O nascer do sol estava no topo da minha cabeça e o oxigênio cada vez mais próximo. Senti o vento frio contra meu rosto e o ar puro da natureza penetrou meus pulmões com vigor. Eu havia conseguido. Você agora era só uma lembrança, que às vezes virava saudade, mas não o suficiente para eu querer voltar para o fundo desse riacho.
Eu estava livre do Bruno Martins.
Busquei o ar e encarei as árvores a minha frente, sentido-me - pela primeira vez na minha vida - completo.
- Você está bem?
Uma voz veio detrás de mim e me pegou de surpresa. Ao virar vejo um rapaz de cabelos negros e óculos de grau parado próximo a nascente, vestia regata e bermuda, parecia que estava prestes a ir para alguma academia local. Ele repete a pergunta e eu respondo
- Estou. - e vou andando até a bicicleta, o rapaz desconhecido permanece me encarando. - Estava apenas nadando.
- Fiquei preocupado, pensei que estivesse... Se afogando ou algo do tipo.
- Não estava. - ficou um silêncio constrangedor, como aqueles de dois desconhecidos que apenas falam um boa noite, mais que ambos desejam continuar a conversa, sem ter o que falar. - Obrigado pela preocupação e até logo.
- Quer que vá com você? - ele se aproximou um pouco, a ponto de sua mão esquerda tocar levemente meu braço direito que segurava o guidom. Seu toque me pegou de surpresa e logo o garoto se afastou envergonhado. Notei que sua bicicleta estava perto da minha. Seus olhos eram escuros, bem pretos para dizer a verdade. - Parece pálido, como se estivesse prestes a desmaiar.
- Estou bem. - disse curto e indiferente, tudo que eu quero nesse momento, é não me envolver com outra pessoa. Eu me bastava agora.
Vou com minha bicicleta até a rua e começo a pedalar.
Então eu reparei que havia sequelas da minha aproximação com você Bruno. Passei a ser a pessoa que diz "até logo" e eu odiei. Espero que isso passe.
Escuto barulhos de bicicleta atras de mim e para minha surpresa o carinha do riacho me seguia.
- Não me precisa me acompanhar. - repeti
- Não estou acompanhando você.
Dobrei a esquina e ele também.
- Então o que está fazendo?
- Pedalando na mesma direção que você. - sorriu quando ficou ao meu lado. Um sorriso não debochado, mas de divertimento.
Pedalei mais rápido como se estivéssemos em uma corrida. Queria testá-lo, e sim, ele estava me seguindo. Quando acelerei o rapaz desconhecido também acelerou e ficava apenas alguns centímetros atras de mim.
Quando parei em frente à minha casa ele também parou. O pneu da frente dele bateu na minha roda traseira e nos dois ficamos de pé ao mesmo tempo.
- Está entregue. - disse brincado.
- Eu disse que não era precisava me acompanhar.
- Mas eu quis acompanhar você. - sua voz rouca demonstrava um certo duplo sentindo. - Não há de quer. - seu sorriso preencheu todo seu rosto. - Meu nome é Caio caso queira saber.
Ele havia estendido a mão.
- Henrique. - não apertei.
- Eu sei quem você é.
E como se aquilo tivesse despertado um gatilho na minha cabeça eu dei alguns passos na direção dele, meio receoso, mas curioso o suficiente para tentar reconhecê-lo. Enquanto encaro profundamente a escuridão dos olhos dele, vejo certa familiaridade. Fiquei tão próximo do Caio que consegui sentir o cheiro de menta da sua pasta de dente e o doce dos seus cabelos.
Parecia que entre a gente existia uma imensidão de palavras não ditas, mas que os olhos diziam muito.
- Eu te conheço? - perguntei.
- Estudamos juntos desde 4ª série.
- Sério? Meu Deus, não lembro de você. - fiquei envergonhado.
- Imaginei, você ver apenas quem quer ver. - sua fala parecia uma agulha que tocava em cheio minha alma, suas palavras não soaram raivosas, apenas séria. - Tenho que ir, espero que nos vejamos por aí.
- Também. Até logo.
E Caio sumiu por entre as ruas da minha casa e a partir desse dia demorou para reencontra-lo. E observando ele pedalando para longe de mim eu acabei concluindo o que descobriria anos depois.
O amor pode ser gerado espontaneamente, a partir do nada.
Bruno, nosso amor acabou aqui.
Teve recaídas de saudade? Teve. Mas nenhuma insuperável.
Bruno eu tenho que te falar: Eu te amo!
Você foi a primeira pessoa que amei, mas também não será a única.
Isso é adeus. Espero que seja feliz como estou sendo nesse momento.
-Com amor, Henrique
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