a m i g o s
"Dorme. O sono também salva, ou adia."
— Caio Fernando Abreu.
***
Sabe, meu pai sempre ficou muito tempo trancado em seu escritório, principalmente nesse dia, pois ele havia iniciado seu novo livro. Que de acordo com suas próprias palavras "uma obra prima do romance juvenil".
Bem, já se faziam dois meses que você se mudou e nos viramos meio que amigos. E pense, foram dois -fucking - longos meses que eu sufocava, esmagava, pisoteava esse sentimento.
Por que?
Por medo!
E durante esses meses você veio diversas vezes aqui em casa e invadia a privacidade do meu quarto, porém você nunca havia visto meu pai e sabemos que seu sonho - depois de ter lido o livro - era conhece-lo.
Bruno, se lembra do dia que teve a primeira conversa com meu pai?
Ele te adorou tanto, quase como um segundo filho.
E tudo isso começou em uma sexta-feira à tarde, tínhamos acabado de chegar da escola e sua mãe tinha saído deixando você trancado do lado de fora.
Então decidiu vim pra minha casa e assistimos um filme na netflix, que não me lembro qual.
Talvez tenha sido sharknado.
Você estava sentando na minha cama, ao meu lado, com as pernas cruzadas e o balde de pipoca sobre elas e confesso que aquela visão era incrivelmente e apaixonadamente perfeita.
- Que filme podre! - você disse comendo um punhado de pipoca que estava na sua mão esquerda.
Eu apenas sorria da sua falsa raiva e do seu jeito divertido.
E naquele tempo eu notei que você se encaixava perfeitamente no meu quarto.
Uma pena que estava namorando minha melhor amiga.
- Não tem nem como defender esse filme, é totalmente intragável.
- Bela palavra Henrique. "Intragável" - você sussurrou a última palavra. - É exatamente isso que esse filme é. Devíamos assistir algum filme de cinema independente. São tão bons.
Você adorava quando eu usava palavras pouco usuais. Por isso passei a usá-las direto. Queria te impressionar.
- Qualquer coisa é melhor que tubarões voando e comendo pessoas. - sorri e você retribuiu.
- Qualquer coisa é melhor mesmo. Na próxima eu trago filme.
- Será se da tempo pra mais um?
- Acho que não - você disse olhando a hora no celular. - Minha mãe já vai chegar.
- Ah claro. Bom, te levo até a porta.
Você assentiu mastigando a pipoca que acabara de colocar na boca e se levantou guardando o celular no bolso. Eu lhe acompanhei, feliz.
Eu adorava quando tínhamos esses momentos a sós. Agora entendo como é bom ter amigos homens.
Principalmente amigos como você Bruno.
Tínhamos mesmos gostos para filme e série, até mesmo livros.
Se lembra quando eu terminei aquele que você me emprestou?
Passamos quase à noite toda conversando em meu quarto, rindo enquanto você falava de um jeito tão gostoso explicando seu ponto de vista sobre o porquê do cara trocar de corpo todo dia.
Ah Bruno, você era especial. Ou melhor, eu te tornei especial.
Naquela mesma tarde, depois do filme, meu pai saiu do seu escritório quando descíamos a escada e Bruno, você ficou tão, mais tão feliz.
- Filho, você viu aquela agenda preta, que faço anotações?
- Não pai! - Descemos o último degrau e o vimos enfrente a mesa procurando. - Ver se tá entre as dobras do sofá.
- Ah Claro.
Bruno, você nem se mexeu, nem lembrou que tinha que ir pra casa, apenas ficou ao meu lado observando meu pai ir até o sofá e achar a tal agenda no local que eu tinha dito.
- Sempre se perde nessas dobras, dá até medo. - até aquele momento meu pai não ti viu.
- Pois é. - eu sorri envergonhado. - Pai esse é Bruno, um grande fã.
Você consegue se lembrar da cara que fez quando eu falei isso? Pois é, eu me lembro, pois não consigo tirar aquele seu sorriso espantado da minha mente. Você estava quase tremendo.
- Sério? - meu pai ajeitou o óculos sobre o nariz e se aproximou até nós. - Um prazer te conhecer Bruno, o Henry fala muito de você.
Não, eu nunca falei de você para os meus pais. Mas não posso negar que minha mãe possa ter comentando. Ela adorava você e meio que torcia para nos dois darmos certo e passássemos da fase de "amigos".
De imediato você não respondeu meu pai, dava pra notar que você não acreditava na veracidade daquilo, do mesmo modo que eu, no dia que nos conhecemos.
Aquilo me fez sorrir e muito.
- O-O prazer é todo meu. Cara.. quer dizer... Senhor, você escreve tão bem.
- Ah, obrigado. - meu pai sempre tão educado. - Espero que goste quando eu lançar meu novo livro. Tá difícil de extrair da minha mente, mas em algum momento irá sair.
- Imagino. Se eu tentasse por para fora tudo que penso sairia uma bagunça.
Você sorria descontroladamente, parecia tão contente que sempre vou me lembrar de todo esse momento e todos seus trejeitos. Você pela primeira vez parecia tímido, de verdade.
- E é isso que eu sofro todo dia. Nossa mente é sempre tão rápida, cheio de ideias surgindo como raios, ela não entende que nossas mãos não acompanham.
- C-Claro. - sorriu. - Queria ter seu talento.
- E eu queria ter seus olhos. Sério, que cor é essa, não pode ser um simples azul?
Meu pai sempre foi e sempre será inconveniente.
Agora você sabia como é ter um pai escritor, ele não tem papas na língua.
- Pai! - meu Deus, eu me lembro que morri de vergonha naquele momento, você deve ter percebido, já que não parava de sorrir.
- O que foi? Esses olhos são muito azuis! É natural ou isso é lente? - continuou meu pai.
- São genética mesmo. Obrigado senhor.
- Não precisa chamar de senhor, pode me chamar de Júlio. Desculpa se constrangi você. É meu jeito.
- Sem problemas. - você respondeu.
- Pois é Júlio, Bruno tem que ir. Vamos?
- Ah Claro. - você parecia ter se lembrado que tinha uma mãe e que a mesma te esperava em casa. - Até mais senhor... quer dizer... Júlio.
- Até. - meu pai acenou e eu te levei até a calçada.
Quando ficamos em frente à porta da sua casa eu me desculpei.
- Meu pai é meio louco. Deu pra perceber.
- Ele é maneiro. Você acha que consegue um autógrafo pra mim?
- Sério?
- Sério! Se tornou meu livro favorito. Seu pai é brilhante ao mesmo tempo que visceral. Aquela história parecia tão... Verdadeira.
- Mas aquele final me deu um ódio. Eu enchi meu pai pra ele me dizer o que acontece de fato, mas ele nunca me contou.
- Por isso aquele final é tão bom.
- Mas eles não ficam junto.
- Quase nenhum casal fica junto na vida real mesmo. Gosto de livros assim.
Isso você entendia bem.
- Se você diz. - sorri e pus as mão no bolso. - Eu consigo o autógrafo.
- Você é um amigão.
Sabe o que aconteceu depois disso?
Adivinha?
Você me puxou para um...
Abraço.
Primeiro, sua mão direita veio até mim e puxou meu ombro levemente fazendo que meu tronco fosse de encontro com o seu e meu rosto ficasse entre seu pescoço e ombro. Segundo, todo seu cheiro, involuntariamente, penetrou minhas narinas como se fosse o oxigênio mais puro de toda a galáxia. Um cheiro parecido com de grama molhada e maresia, como se a natureza tivesse em você, um cheiro humano, mais humano que a própria humanidade. E terceiro, eu amei isso de todas as formas.
Mas no fim durou apenas alguns, eternos e magníficos, segundos que permeiam minha memória até hoje.
Você se afastou e entrou correndo dentro de casa indo até seu quarto e pegou o livro do meu pai, que havia comprado na internet, e depois voltou para a porta de entrada. Enquanto eu esperava pacientemente.
Peguei o livro de suas mãos e você se despediu com um:
- Até logo.
Sabe, eu não gostava dessa sua despedida. "Até logo" parecia tão desinteressado e arrogante como se não importasse se fosse me ver amanhã ou não.
Mas eu queria que você se importasse.
Por isso me incomodava.
Corri até minha casa e meu pai estava na porta de entrada me esperando com uma xícara de café nas mãos. Eu não conseguia tirar um sorriso do rosto.
- Ele é um bom rapaz. Gostei dele.
Eu também gostei pai.
- É, ele é legal. Pai tem como autografar esse livro? É pro Bruno, ele me pediu.
- Claro filho. - meu pai tomou um gole depois de falar
Assenti e entreguei seu livro pra ele, depois subi as escadas rumo ao meu quarto, mas antes, pude ouvi algo que não era pra eu ter escutado, eu acho.
- Garotos apaixonados são tão fofos. - disse meu pai.
Até ele percebeu e você não.
Meu pai, que me via poucas vezes por causa dos seus livros e que te viu por poucos minutos, havia notado meu estado e você não notou.
Acho que são os dons de escritores.
Sei que você deve tá se perguntando o porquê de eu está falando muito sobre quando conheceu meu pai e etc.
E bem, o motivo disso é simplesmente para mostrar que não foi só eu que me iludi por você.
Todos ao meu redor te viam como um amigo, meus pais o amaram. Eu aceitava me machucar e deixar eles não entrarem nisso. Porém, os afetou.
Bruno, seja sincero comigo apenas uma vez.
Em algum momento você já se importou com alguém além de si mesmo?
Eu tenho minhas dúvidas.
E você devia se perguntar também.
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