Capítulo II - A aurora em seus olhos
— Calíope Lucis Aureum. — Orfeu fala com uma pausa entre cada nome. — Se sua pretensão for morrer de fome ou sede nos arquivos reais, por favor me avise com antecedência.
A garota suspira alto e logo depois solta um grunhido, colocando uma mão em cada orelha e encarando a mesa com raiva. Virando a cara após murmurar diversos xingamentos, seu irmão finalmente pôde ver as olheiras profundas dela, contrastando com um cabelo surpreendentemente arrumado, embora despenteado. Confuso, não soube se repreendia ela pela falta de sono ou se parabenizava pelo cuidado estético do corpo, embora o segundo fosse menos importante.
— Eu estou comendo! Aos poucos. — ela reclama enquanto usa uma mão para afastar o rapaz pela quinta vez naquele dia. — Não irei morrer de fome, tenha piedade. Morrerei se não terminar esse estudo esta semana, isso sim!
— És uma princesa, irmã, tens todo o tempo do mundo para besteiras. — Orfeu se aproxima e coloca a mão no ombro dela. — É o que nós mais temos.
Mais uma vez grunhindo, a princesa desajeitada se levanta e anda batendo o pé, se sentando em outra mesa e voltando a ficar imersa em seu estudo. Observando isso o príncipe fica atônito, caminhando a metade do caminho até a nova mesa de sua irmã, mas seus sentimentos tomam o melhor de si. Ele para, respira e evita adotar uma expressão de raiva, optando por virar-se de costas e começar a ir embora, falando alto o suficiente para ela ouvir.
— És incorrigível, Calíope.
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Clip, clop, clip, clop, clip, clop.
O som rítmico e simulado de um animal flamejante é a única coisa que pode ser ouvida, muito por conta do uivar do vento. Vez ou outra a princesa se pega divagando em seus pensamentos, passando a mão pelo fogo que mantinha uma forma única, claramente de alguma criatura que ela não conhecia. Quando deixava de se distrair com o animal quadrúpede desconhecido, ela se distraía com os sons simulados.
Afinal, por que a mulher em sua frente criaria sons falsos? Não conseguia entender a dedicação a essa imagem. Embora estivesse extremamente grata pela ajuda dela, ainda estava confusa com as respostas dadas para todas as suas questões até então.
Sol.
Esse foi o nome dado pela mulher que controlava chamas. Em primeira instância, era um nome belo, fascinante para a princesa. Após vasculhar mais as suas memórias, no entanto, lembrou que esse era o nome da estrela que iluminava a primeira civilização. Poderia ser uma coincidência, ou ela sabe mais do que fala. O animal quadrúpede a qual estavam montando, o fato de que ela estava nesse planeta, seu poder único, seu jeito estranho e cativante. Pistas fracas, mas era tudo que Calíope precisava.
— E-ei... — a tímida princesa começava mais uma sessão de indagação, gaguejando enquanto chamava ela e colocava uma mão em seu ombro. — Que tipo de animal é este? Eu n-nunca vi antes...
Com o toque repentino em seu corpo, a mulher demora alguns instantes para responder, ajeitando o seu sobretudo como se fosse a coisa mais importante em sua posse. Instintivamente, Cali ajeita o casaco pesado que foi dado para ela, mesmo sem necessidade. De qualquer forma, o casaco servia mais uma função estética, já que as chamas esquentavam ela muito melhor do que qualquer roupa.
— Véi, tu é estranha. — Sol solta uma risada enquanto se mantém olhando para frente. — Tudo indo pra desgraça, eu tô te levando pra algum canto que tu nem sabe onde é, e a primeira pergunta que tu me faz depois do meu nome é "que animal é esse"?
— Ah! É qu-, eu não... E...
Calíope corta diversas frases e decide por fim ficar calada, aceitando que a mulher estava certa. Ela havia pensado em todas essas coisas, mas por medo decidiu não fazer esse tipo de pergunta. Um erro, só que um justificado segundo seu próprio julgamento.
— É um cavalo. — a resposta calma de Sol fez com que a princesa tivesse seus ânimos reacesos, e a possibilidade de poder fazer mais perguntas parecia real. — É bicho antigo, eu gosto.
— Eles eram usados como forma de locomoção nas primeiras eras? Que fascinante...
— Usavam pra tudo. Usavam pra ir de um lado pro outro, pra levar coisa, pra ganhar dinheiro. Sobreviveu até quando num tinha mais carro. — a mulher explica enquanto olha de um lado pro outro. — Só que não é isso que tu quer me perguntar.
Surpresa, o olhar de Calíope se acanha novamente, forçando ela a começar a indagar o que realmente queria. E, tímida, prossegue:
— Para onde... para onde você está me levando?
— Agora sim tu perguntou algo direito. — Sol solta uma risada curta e serena, o que faz com que a princesa se sinta provocada. — Eu tô indo pra um lugar onde eu acho que vamo conseguir chamar teu povo.
— E-eles já viriam de qualquer forma! Creio que seja melhor... esperar?
— É, viriam. Viriam destruindo tudo pela frente e deixando esse mundinho ainda menor. — seu tom se torna repentinamente mais sério e mesmo sem conseguir ver o rosto dela, Cali conseguiu sentir seu olhar penetrante. — É melhor tu falar com eles que tá tudo tranquilo, mais fácil. Além do mais, tá comigo tá com Deus.
A princesa poderia se incomodar com o tom da resposta, mas nunca conseguiria negar. Conhecendo o temperamento do imperador, invadir um planeta até achar ela não seria muito longe da realidade. Ela não teria reclamações se apenas houvessem os criminosos que estão atrás dela, porém sabia que haviam pequenas civilizações.
Novamente em silêncio, ela inconscientemente se afasta de Sol, envergonhada. Percebendo esse afastamento, a mulher suspira e se vira em cima do cavalo, ficando de frente para Calíope com seu corpo inteiro. Já assustada, a princesa quase pula para longe quando as duas mãos da moça encontram ambos os lados de seu rosto, cobrindo ele quase inteiro. Embora tenha sido pega de surpresa, a sensação do calor descomunal, porém confortável, daquelas palmas fazem com que ela não se mova.
— Vai lá princesinha, desembucha.
Os olhos dourados dela encontravam temporariamente os olhos castanhos de Calíope, que não conseguia manter contato visual por mais de um segundo, ao mesmo tempo em que recua nervosa.
— Q-q-quem é você?
— Sol, só Sol.
— C-certo. De onde vens?
— Da casa do caralho, ou além da Orla exterior em termos chiques.
— Existem civilizações além da Orla exterior? — a princesa parece tomar um interesse muito grande, se ajeitando e segurando com calma os pulsos de Sol. — Como são?
— Não existem mais não.
A resposta confundiu a garota, que ainda se mostrava bem empolgada. Ela vira a cara e levanta uma única sobrancelha, e a mulher parecia nem um pouco afetada. O ar de confiança e a velocidade a qual ela respondia tudo era quase uma garantia da veracidade do que dizia. Ou pelo menos uma garantia de que era uma exímia mentirosa. Ela não havia ouvido falar de planetas avançados fora dos limites marcados, muito menos de locais terem sido exterminados, então decidiu fazer uma pergunta mais pessoal:
— Q-quantos anos v-você... — Calíope começa a perguntar e trava, encarando Sol nos olhos, buscando algum semblante de rejeição nessa pergunta. A expressão dela estava inalterada, então decidiu prosseguir. — Quantos anos você tem?
— Poucos.
— Ah... hum... — a princesa começa a ficar cada vez mais confusa e levemente irritada com as péssimas respostas. — Qual seu objetivo neste planeta?
— Resolver uns problemas familiares.
— Ah.
Chegando a conclusão que ela havia sido enganada com a ilusão de respostas definitivas para suas perguntas, Calíope decide desistir. Nesta conversa ela só conseguiu saber o plano delas para o futuro imediato e mais dúvidas sobre quem era Sol. O lado estudioso da princesa estava enfurecido por não saber mais sobre as civilizações além das conhecidas, e outro lado estava incomodado com não saber mais sobre uma pessoa que ela considerava tão fascinante.
— Já estou... satisfeita.
— Massa! — Sol exclama enquanto se vira de costas e segura rédeas flamejantes, voltando a sua posição normal. — Então bora voltar ao caminho que a estrada é longa!
Para a infelicidade da princesa, o silêncio de antes havia sido restaurado. Não havia dado atenção para isso antes, mas agora até mesmo os uivos do vento estavam incomodando ela. Não conseguia compreender a mulher, por que ela mandaria ela fazer perguntas e não responderia a maior parte? No caso, responderia, porém de forma tão vaga que seria melhor não ter feito a pergunta.
Cruzando os braços e levemente decepcionada, Calíope quebra o silêncio mais uma vez.
— Não queres... me questionar também?
— Acho que eu já sei o bastante.
Arregalando os olhos, a princesa abre a boca, mas nenhuma palavra sai. A resposta foi tão direta, tão ao ponto, que não pôde nem encontrar formas de refutar aquilo. Não é como se não tivesse achado formas de causar uma discussão por isso, só não conseguiu encontrar motivo. Sol não tinha feito nada de errado, ela que era extremamente curiosa, não poderia ser culpa da mulher de não reciprocar isso. E mesmo se a curiosidade fosse mútua, esse tipo de informação básica era bem fácil de achar quando se tratava da família real.
Então... por que ela estava tão decepcionada? Por que ela estava sentindo tanta vontade de Sol estar interessada a ponto de fazer as mesmas perguntas que ela havia feito?
Não fazia sentido. Portanto, ela só ficou em silêncio mais uma vez.
Por muitas horas a viagem foi marcada pela quietude presente entre as duas. Calíope não abria a boca e Sol acompanhou ela nisso. A princesa se recolheu em seus pensamentos e na observação de seus arredores, muitas vezes se encontrando encarando os vales de gelo daquele planeta. Grandes montanhas cercavam o único caminho existente para frente, e ver além disso era impossível por conta da neve.
Em alguns momentos a dupla saia dos vales e encontravam planícies, mas nenhum ponto de interesse conseguiu entreter Calíope. Afinal, não havia nada a ser visto, não ali. Sem fauna e nem flora para analisar, a princesa começou a se perguntar como as comunidades daqui sobreviviam. A única linha de pensamento que conseguiu seguir foi a de que comida e coisas necessárias para sobreviver eram compradas de fora.
Certamente não conseguiria afirmar que aquela escassez estava presente em toda a extensão do planeta, mas se não viu nada até agora, ela acreditou ter alguma razão para tal. E, mesmo sabendo que viver ali era impossível sem ajuda externa, sentiu beleza no que via. Era a natureza real, não o que ela havia visto toda a sua vida. Não era a imagem de florestas ricas e cheias de vida, muito menos um ecossistema farto de animais, era apenas a natureza em sua forma mais brutal.
Um planeta tão longe de qualquer estrela que estava completamente congelado, e mesmo assim tinha uma atmosfera natural que não era hostil, tinha água — mesmo que em forma sólida e se não fosse pelo clima, poderia ser um dos planetas mais habitáveis do sistema atual. Era belo de uma forma intimidadora. No ápice de suas reflexões, se pegou pensando que talvez só pensasse isso por estar no conforto de um meio de transporte que convenientemente a aquecia.
Conhecendo o mínimo de si mesma, sabia que se não fosse por isso iria odiar tudo aquilo ali, não veria beleza, apenas um inferno gélido. Abrindo um sorriso amarelo discreto, a princesa suspira enquanto apoia a sua testa nas costas de Sol, fechando os olhos. Mesmo com sua mente preenchida com pensamentos diversos, não podia deixar de pensar na gratidão que sentia por ter a liberdade de se distrair, mesmo com o risco presente.
Claro, não conseguia abaixar completamente a guarda, mas já estava confortável o suficiente para sentir que poderia pelo menos divagar sem paranoia.
Enquanto suas linhas de raciocínio encerravam e outras iniciavam, sua distração foi interrompida pela voz serena de Sol:
— Se liga. — ela comenta e Calíope imediatamente ajeita a sua postura, desencostando da mulher e recuando um pouco, se preparando para o que quer que venha depois. — Vamo' sair do cavalo e descer essa parte aqui a pé, fechou?
— Uhum.
A princesa responde calmamente enquanto acena com a cabeça, mesmo que a outra não consiga ver.
A dupla se move até a beirada do morro em que estavam, e a princesa se inclina para olhar a distância até o chão. Sua capacidade de medição apenas por olhar não era tão precisa, mas chutou que era pelo menos 100 metros de altura. Mesmo não tendo medo de queda, uma sensação de tontura tomou conta dela, fazendo com que ela dê um passo para trás, olhando para a mulher com uma cara de preocupação.
Em resposta, Sol coloca as mãos na cintura e suspira, levantando as duas sobrancelhas enquanto olha para a princesa. Ainda mantendo seu silêncio, ela estende a mão para Calíope, que encara aquilo com um péssimo pressentimento. Hesitante, ela agarra a palma quente da mulher.
Bruscamente, Calíope é puxada para perto de Sol, que solta a mão que usou para puxá-la e a utiliza para segurar a garota pela cintura. Antes que a princesa sequer consiga perguntar o que está acontecendo, Sol se joga da beirada.
— N-não! NÃO!
Calíope começa a gritar desesperada enquanto agarra a mulher com toda a força que tem nos dois braços, também decidindo fechar os olhos. Em queda livre, ela ouve apenas uma risada sincera, confundindo-a ainda mais.
Nos dois primeiros segundos, conseguiu imaginar apenas que seus últimos momentos seriam assim, agarrada em desespero com uma pessoa insana. No próximo segundo questionou a possibilidade de sobreviver na queda, e nos próximos instantes — que mais pareceram eternidades — passou por várias fases de uma pessoa que está prestes a morrer: medo, raiva, confusão, arrependimento e, por fim, aceitação.
Sem conseguir ver nada, sentiu a queda sendo desacelerada e uma sensação de calor nos seus pés. E pelo medo de estar alucinando, decidiu abrir os olhos para confirmar. Nesse momento viu uma concentração imensa de chamas no chão. Quando olhou para Sol, viu apenas a expressão de alguém que estava dando de tudo para não cair em risada.
— Você...
Ela sussurra enquanto processa aos poucos o que ocorreu. Decidindo soltar seus braços e se manter de pé, suas pernas falham um pouco, mas depois de um leve tropeço se estabilizou. Em sua cintura ainda estava a mão de Sol, que embora confortável, irritava ela profundamente.
Em vez de manter seus pensamentos para si mesma, decidiu falá-los em voz alta.
— Você é... maluca? — perguntou enquanto buscava manter a postura e não se exaltar. — Perdão, mas, decidiste se jogar comigo de um local tão alto tão de repente? Querias me matar de susto ou pela queda?
— Oxe, qual o problema?
— Qual o prob- — Calíope começa a elevar a sua voz, porém consegue tomar controle de si mesma no último momento, respirando bem fundo. — Apenas me avise quando fores fazer algo assim.
— Qué isso princesa? — Sol usa o dedo indicador de sua mão livre para levantar o queixo de Calíope, fazendo com que as duas se encarem por alguns instantes, fazendo com que a princesa fique envergonhada. — Deixa de xaxo, eu não vou matar a gente.
Com seu rosto completamente corado, Cali afasta bruscamente ambas as mãos de Sol e vira de costas, dando alguns passos para o horizonte, mas parando por não ter para onde ir, decidindo cruzar os braços e bufar.
— Brincadeira estúpida.
— Num era brincadeira, a gente tá com pressa e ia demorar pra te convencer.
— Seria ótimo ao menos ter avisado!
Dando outra risadinha, Sol estende o seu braço e abre a sua mão com a palma apontada para baixo, soltando fogo pela ponta dos seus dedos até o chão. Olhando de canto de olho, Calíope reconheceu que era assim que ela havia formado o cavalo da última vez. Ainda se acalmando, a garota controla a sua respiração para ficar mais tranquila, encarando a imutável paisagem.
— Tá, tá, bora?
— Hm. — Cali responde enquanto olha para o horizonte, observando algo que chama a sua atenção. — Vamos, mas espere uns instantes.
Cerrando seus olhos e protegendo seu rosto da neve, a princesa caminha para frente devagar, fazendo com que Sol absorva de novo as chamas do cavalo. Ainda parada, a mulher apenas encara enquanto a garota adentra mais e mais pela planície.
— Epa, pera aí. — Sol começa a se aproximar, mas eventualmente percebe o mesmo objeto que a princesa. — Ah...
Na distância, ambas conseguiam ver destroços metálicos e congelados, com um formato familiar para Calíope. Seu coração — que estava ficando mais calmo após sua respiração controlada — acelerou mais uma vez, mas por animação. Se estivesse vendo certo, aquilo era uma prova de que seus estudos tinham base.
Surpreendendo Sol, Cali corre até os destroços animada, fazendo com que a mulher tenha que a acompanhar. E quando a princesa finalmente alcança o seu destino, ela confirma o que viu: uma nave antiga.
— Isto é... isto é primeira geração! — ela se anima enquanto investiga os destroços com empolgação, olhando cada centímetro como se fosse a coisa mais importante que já viu, e possivelmente era. — Astra 1, não tinha capacidades interplanetárias, uma bela relíquia, mas a estrela de seu tempo.
— Esse diabo aí é uma nave? — Sol questiona enquanto olha para o objeto enterrado pela metade no chão. Mesmo desconsiderando seu estado destruído e tentando imaginar como seria se estivesse em perfeitas condições, não tinha certeza se aquilo contaria como uma nave nos tempos modernos. — Parece um barco.
— Tem razão! — Calíope se vira para a mulher com um grande sorriso e junta as palmas das mãos, respirando fundo para sua explicação. — Nossos antepassados fundiram o conceito das aeronaves e dos barcos, aplicando fundamentos semelhantes para criar um veículo que pudesse tanto permitir uma viagem rápida quanto acessibilidade. O resultado foi magnífico!
Ouvindo o resumo animado da princesa, Sol olha mais uma vez para os destroços. O casco era majoritariamente composto por madeira, com metal reforçando. Pôde supor que esse design era feito para equilibrar peso e resistência. Sua parte interior era pequena, provavelmente caberia duas pessoas na parte da frente e a de trás se assemelhava a parte de carga de uma nave atual, mas várias vezes menor.
— Infelizmente... algumas regulações errôneas proibiram a evolução dessa geração em específico, que foi tão reprimida que viu pouco uso. Pouquíssimas dezenas foram fabricadas! É uma pena, se não fosse pela ganância daqueles que não queriam ver o desuso das antigas aeronaves, provavelmente a linha Astra teria evoluído muito mais cedo.
A princesa continua, tão imersa na sua explicação que nem estava prestando atenção se a outra estava ouvindo alguma palavra sequer. Enquanto ouvia ela e observava os destroços, Sol percebeu que algumas maquinarias mostravam o que era um escapamento ligado a uma turbina, mas o que mais chamava atenção era um mastro quebrado que ficava na parte superior. Antes que ela começasse a se perguntar como aquilo conseguia decolar, seu bom senso fez com que ela desistisse.
— Como tu sabe disso tudo rapaz? — Sol pergunta enquanto abre um leve sorriso de canto vendo a empolgação genuína da menor, que por sua vez nem percebe seus olhos brilhando mais ainda com a pergunta feita. — Essa parada aqui é velha.
— Hmph. — Calíope sorri convencida. — Tenho me dedicado ao estudo da primeira civilização, é um assunto particularmente interessante, e é de grande importância ter conhecimento sobre as etapas de desenvolvimento de uma tecnologia tão amplamente utilizada.
— Percebi... — a mulher se aproxima bem de Cali, olha para os lados, dá de ombros e começa a falar. — Então vamo' fazer o seguinte, pesquisadora, bora seguir outro caminho, tu vai se amarrar.
Desconcertada com a proximidade, mas ainda assim expressando apenas sua felicidade, a princesa pergunta confusa:
— C-como assim? Achaste outra coisa aqui?
— Só vem comigo e aproveita a viagem, quando chegar tu vê.
— Não vais me contar o que é?
— Não. — Sol forma o cavalo novamente, seguindo o mesmo método das últimas vezes, imediatamente subindo nele e estendendo a mão para puxar a princesa, que prontamente aceita e sobe na garupa. — Vai ficar como surpresa.
Grunhindo pelo suspense e ainda mais ansiosa, Calíope mais uma vez encosta sua testa nas costas de Sol, sentindo mais uma vez aquele calor agradável. Pelos próximos minutos a dupla entrou em um ciclo de "Por favor!" ou "Não faça suspense!" que era seguido por "Nananinanão" ou "Fica tranquila, oxe", repetidas vezes.
Não demorou muito até a princesa descobrir do que se tratava a tal surpresa. Ainda em cima do cavalo, conseguiu ver silhuetas gigantescas. Em primeira instância não conseguia acreditar no que estava vendo, mas logo percebeu que era exatamente isso.
Ruínas.
Edifícios derrubados, casas abandonadas, pilares de gelo e neve. Nem em seus sonhos mais fantasiosos Calíope poderia imaginar que ia encontrar algo assim. Quanto mais próximas chegavam, mais os detalhes se tornavam claros. A arquitetura, os materiais e o design, tudo isso era reconhecível para a garota. Aquilo não era a primeira geração, era uma mistura da segunda e da terceira.
Precisamente como algumas regiões do mundo se encontravam quando a primeira civilização foi extinta.
— Uma cidade...
Ela comenta enquanto arregala os olhos. Acelerando o passo, Sol olha aquela cena com indiferença, já tendo visto esse lugar várias vezes. Mesmo assim, estava aproveitando a reação da princesa. Por alguma razão sentia orgulho de ter mostrado isso, e nem sabia se tinha sido a decisão certa.
— É.
— Uma... cidade... — a princesa é incapaz de formar outra frase, ainda pensando nas implicações daquilo.
— Isso aí, uma cidade.
— Como sabias deste lugar? — Calíope consegue se focar o suficiente para tirar o máximo de dúvidas possível enquanto Sol parecia estar disposta a falar. — Existem outros como este?
— Eu vim aqui umas vezes um tempo atrás, e num sobrou muitos outros não, o resto tá bem longe.
— Saberias dizer se as ruínas distantes das quais fala são parecidas com a atual?
— É, são, se pá.
Calíope acreditava firmemente que nunca deixaria de se surpreender com as respostas da mulher, mesmo se acabassem se vendo mais vezes, o que não acreditava que aconteceria. De qualquer forma, dessa vez pôde confirmar algo que preenchia o coração dela com uma felicidade imensa.
Felicidade essa que não sabia se já sentiu ou se sentiria novamente.
Colocando a sua cabeça no lugar e pensando nos fatos, concluiu que se esse planeta não fosse o berço dos seus ancestrais, no mínimo foi um dos primeiros planetas colonizados. Tanto a primeira quanto a segunda opção já faria Xey ser um planeta considerado de suma importância culturalmente.
E tão bom quanto, seria importante para ela. Talvez tudo que aconteceu tenha tido motivo e levado para isso. Provavelmente era só sorte, mas tudo encaixou tão bem que é até difícil de acreditar.
Ao adentrarem a cidade de vez, a princesa mais uma vez tem que se segurar para não gritar de felicidade, como se tivesse vencido. Saindo do cavalo, ela caminha entre vários pontos de interesse, desde a entrada destruída de um prédio até veículos enferrujados no chão. Observando a garota andando de um lado para o outro, Sol sente um arrepio na sua espinha.
Sua percepção de tempo desacelera gradativamente e os sons dos passos de Calíope começam a ficar tão distantes que não podem ser captados pelo seu ouvido, tudo isso pelo seu foco: um pequeno detalhe no canto do seu olho que havia incomodado ela no momento em que chegou. Em silêncio, ela sai do cavalo e absorve de volta suas chamas, se aproximando da garota sem alarmar ela. Enquanto fica atenta para todas as direções, ela percebe uma pequena luz em cima de um dos prédios tortos a pelo menos um quilômetro de onde estavam.
Arregalando os olhos e agindo instantaneamente, ela estala seus dedos da mão esquerda e move seu braço completamente para a esquerda, formando uma parede de chamas enquanto chama a atenção da princesa.
— CUIDADO!
Espantada, Calíope se vira na mesma hora em que um projétil atravessa com toda a força a cobertura criada, chegando a criar um grande buraco no chão. Antes que pudesse reagir, Sol já havia chegado perto o suficiente para segurá-la pela mão e puxar para dentro das ruínas. Alguns edifícios não obstruídos estavam presentes ali, o que parecia ser a melhor opção para se proteger. Mesmo assim, assim que passou pelo buraco que serviu como porta, a mulher se vira e estala seu outro dedo, movendo a parede de antes para cobrir a passagem.
Sem perder tempo, ela forma uma pequena bola de fogo com a mão direita enquanto puxa Calíope para o que antes era a recepção de um hotel. Subindo o que sobrou das escadas, ela joga a bola de uma forma curvada, estourando ela quando estava fora de seu campo de visão. Ouvindo grunhidos logo após isso, a mulher avança no corredor do primeiro andar, observando duas pessoas. Sua primeira reação foi atirar uma bala de fogo na pessoa de trás, que estava armada e menos atordoada, mas assim que fez isso xingou instintivamente.
A bala não penetrou a pessoa.
— Merda!
Assim que teve os dois no campo de visão, imediatamente percebeu que ambos estavam utilizando armaduras pretas com alguns detalhes laranja nas articulações. Não levou isso em consideração, já que essas tecnologias costumavam proteger de danos físicos. Infelizmente, ela percebeu que era especificamente proteção contra fogo.
Agindo sem parar, Sol solta a mão de Calíope e corre para cima dos dois, travando seu braço no pescoço do primeiro e pulando para chutar a arma do segundo, aproveitando o seu próprio peso para derrubar a pessoa que havia agarrado junto com ela. Ainda no chão, ela posiciona a palma da sua mão esquerda na cabeça do homem que havia acabado de derrubar, acionando seu fogo com tudo.
Mesmo que não pudesse atirar neles, poderia deixar a armadura tão quente que seria o próprio inferno ali dentro, e assim fez. Usando o seu braço direito, ela puxou pelo pé a pessoa que estava mais atrás, só nesse momento tendo sua mão esquerda segurada pelo primeiro.
Mantendo sua mão no lugar usando a sua força, ela tentou segurar a segunda pessoa pelo rosto também, com o intuito de incinerar ambas. De surpresa, o homem que foi arrastado tenta socá-la na cara, mas tem seu ataque redirecionado com facilidade por Sol, que usa seu braço para empurrar o punho do homem para outro lado. No mesmo movimento, ela segura o rosto dele e levanta, batendo no chão e repetindo isso mais três vezes, também ativando seu fogo.
Pressionando os dois no chão com força e aumentando a intensidade das chamas, em cinco segundos o capacete de ambos já estava completamente derretido, e seus movimentos haviam cessado. Se levantando em silêncio, ela se aproxima de um dos fuzis e pega ele com as duas mãos, percebendo a ótima qualidade daquela arma. Já surpresa com a armadura — que não era nada fácil de achar, muito menos em Xey — ela agora estava curiosa com relação a qualidade do arsenal também.
Um fuzil de energia de nível militar, com tranca biométrica e três opções de miras holográficas, que eram ativadas ou desativadas com um pequeno interruptor na lateral. Esse era o tipo de coisa que ela esperava que um exército fosse ter, não um monte de rebeldes em um planeta acabado.
— S-sol! O que está acontecendo? — Calíope questiona assustada, lembrando a Sol que a garota havia sido deixada na escada sem nenhuma explicação. — Como eles nos encontraram?
— Vou ficar te devendo essa, mas esses são dos bons. — Sol responde enquanto segura a arma, que era inútil para ela, com apenas uma das mãos. — Armados pra caralho e proteção contra fogo, em um planeta congelado. É coisa de maluco.
Enquanto fica indignada com a preparação, Sol demora alguns instantes antes de notar a expressão apavorada e confusa da princesa, que estava com as mãos tremendo tanto que dava pena.
— O que nós vamos fazer? — Calíope pergunta enquanto se aproxima rapidamente da mulher.
— Ei, fica calma, eu cuido de tudo, tranquilo? Eu tenho um plano, mas tu tem que prometer que vai ficar calma.
— É extremamente difícil ficar calma agora! — Cali exclama e a sua parceira compreende. — São os mesmos de antes?
— Eu não sei te dizer, mas fica tranquila. Eu preciso que você se esconda e fique quietinha igual morto.
Assim que Sol termina de proferir a palavra "morto", Calíope vacila e recua para trás instintivamente, fazendo com que a mulher se arrependa de sua escolha de palavras. Colocando suas mãos em cada lado do rosto dela, ela continua falando.
— Tu vai se esconder e eu vou quebrar eles na porrada, quando acabar eu te chamo, é só isso. Vai ficar tudo bem.
Sentindo as mãos quentes de Sol, a princesa tenta racionalizar a situação e acaba concordando com o plano, olhando a mulher diretamente nos olhos. Mesmo assim, continuou a fazer perguntas que expressavam o quão assustada ela estava.
— E acaso me encontrem?
— Não vão, mas se acabar acontecendo, tu vai me imitar. — ela solta uma metade do rosto e segura a mão de Calíope que estava com os dedos faltando, provocando algumas alterações. O fogo verde que estava cicatrizando as suas feridas mudou de cor e forma, tomando uma entonação roxa e crescendo até tomar o lugar dos seus dedos antigos, replicando exatamente o tamanho que tinham. — Se concentra nessa parada aí, sente o fogo cobrindo tua mão, aponta e atira. É fácil assim, tu só tem que acreditar, ok?
— T-tá...
A princesa responde enquanto olha para os seus novos dedos flamejantes, confusa sobre como aquilo era possível, mas incapaz de pensar mais sobre, já que Sol já estava arrastando ela para uma das portas no corredor, abrindo-a e se deparando com um cômodo destruído, mas fechado o suficiente para ser um bom esconderijo.
— Ó, fica com isso também. — Sol chama a sua atenção e entrega uma pequena faca, também botando a princesa dentro da sala se preparando para fechar a porta com os escombros. — Eu vou tar de volta em dois pulo, então fica calma.
Bloqueando a passagem para dentro do quarto temporariamente, ela aguça seus sentidos mais uma vez, estalando os dois dedos. Pequenos filetes de fogo começam a pular da sua mão, correndo por toda aquela área quase instantaneamente. De olhos fechados, Sol inspira forte e se prepara, tendo a contagem total de inimigos na sua cabeça.
Botando todo o ar pra fora em um único sopro, ela se move para frente, deixando marcas de fogo nas suas pegadas e grita:
— Vocês não tem poder aqui.
Empurrando com o ombro uma pessoa que havia acabado de aparecer no fim do corredor, ela segura a arma com as duas mãos novamente, dando um giro. Fazendo isso ela acumula uma grande quantidade de força para arremessá-la na cabeça de um dos soldados que se aproximava sorrateiramente pelo lado esquerdo. Aproveitando o mesmo movimento, ela convoca um acúmulo absurdo de fogo no seu braço, socando o homem que havia empurrado com o ombro diretamente na lateral de seu torso.
Observando que o impacto foi o suficiente para quebrar a armadura, ela posiciona uma mão no buraco e dispara um grande projétil, matando o soldado na mesma hora. Sem perder tempo, sua outra mão já havia sido usada para agarrar uma machete vibratória no cinto de seu inimigo morto. Pulando em direção ao seu segundo adversário, que já estava prestes a se recuperar do arremesso, ela chega a tempo de usar sua mão livre para empurrar a arma dele para cima, evitando ser atingida pelas balas.
Em um único movimento, ela faz um corte fundo em seu pescoço e se move até as suas costas, segurando-o pela nuca bem a tempo de usá-lo como cobertura, já que um terceiro soldado havia chegado do andar superior. Se movendo usando o homem que havia morrido tanto pelo corte quanto pelas balas de seu aliado, Sol conta as balas cuidadosamente, arremessando para frente o corpo quando percebe que a bateria da arma havia esquentado demais. Utilizando-se da agitação do soldado, ela vai com toda a força e mais uma vez usa seu ombro para empurrá-lo pela parede, indo junto.
Aterrissando no chão por cima dele, ela enfia sua machete no peito do seu inimigo, olhando para frente e vendo outras cinco pessoas mirando suas armas nela.
— Se rende, agora. — uma mulher fala por baixo do capacete se aproveitando do microfone interno, portanto tendo uma voz mecanizada por isso. — Você sabe que o Raum não quer te matar.
— Eu tô ligada, fia. — Sol fala enquanto se levanta e passa dois dedos em cada lado da lâmina, queimando o sangue como forma de limpeza. — Se ele quisesse ele tinha vido ele mesmo, e ainda assim eu num acho que daria tão certo.
— Atir-
Antes que ela pudesse concluir seu comando, Sol estala os dedos e mais uma vez estoura uma das pequenas bolas de fogo, criando uma explosão de luz que atordoa todos menos ela, que havia fechado os olhos como precaução. Se aproveitando da confusão, ela avança.
Ali perto e ouvindo tudo, a princesa tremia com cada bala e cada explosão. Tapando o seu ouvido e destapando logo depois, pensando que ela deveria ouvir caso Sol a chamasse. Sua mente estava a mil, tanto pelo medo dela ser encontrada tanto por temer que Sol não consiga lidar com tudo sozinha. Todo disparo que ouvia poderia ser o último, e ela não conseguia deixar de lado a possibilidade, mesmo confiando na força da mulher.
Em toda a sua vida, viu poucas pessoas lutando como ela havia lutado contra aqueles dois soldados. E isso só com as suas próprias mãos. Ainda assim, sabia que tudo tinha um limite, e que a princesa estava tendo toda a sua felicidade tirada de si. Se Sol morresse por sua causa, não saberia o que fazer.
Se ela ao menos não tivesse ido para essa cidade, se ela não tivesse divagado e pulado de um lado para o outro como uma criança vendo uma besteira qualquer, talvez elas não tivessem sido emboscadas. Como ela pôde ter deixado aquele conforto subir a sua mente? Sol era tão boa assim em passar essa sensação de segurança, ou Calíope que não estava confrontando a realidade da sua situação?
Não era um passeio difícil, uma excursão com vários seguranças. Era ela e uma pessoa. Não importava o quão forte Sol era, se ela não fosse ajudar, não deveria atrapalhar. E ela sentiu estar fazendo precisamente isso, atrapalhando. Se nem isso era o suficiente para ela ficar precavida como deveria estar, então o que seria? Ver aquela mulher ser executada em sua frente? Ou sentir a morte mais uma vez?
E aos poucos as dúvidas foram passando. Em sua mente estava claro: Sol não tinha culpa em ter cuidado bem dela como cuidou, ela fez o que sentiu ser necessário. O problema era Calíope, e continuaria a ser.
Pensando mais uma vez na luta de Sol, ela finalmente pôde identificar uma sensação estranha que havia ficado em seu coração. Além da admiração, era algo como inveja. Ela queria ser forte daquela forma, ela queria saber como era poder destruir seus inimigos assim, com suas próprias mãos.
Calíope queria matar todos esses soldados pelo medo que eles estavam colocando nela.
E, acima de tudo, ela queria poder matar a sua própria identidade. O seu título de princesa. Se não fosse isso, então estaria tudo certo. Ela não precisaria se preocupar com uma perseguição intensa, ela não teria que provar nada para ninguém. Não haveria aquele peso do comodismo em sua mente.
Como todo ser humano normal, Calíope gostaria de viver uma vida confortável em paz, e era precisamente essa vida que ela levava. Porém, sempre que ela se sentia parada, sempre que sentia estar aproveitando demais aquilo, ela lembrava que nada disso era uma conquista. Era uma herança, uma conquista de seu pai que estava sendo passada para ela por nenhum motivo.
Ela só teve sorte.
E embora sorte seja uma coisa boa, ela sentia como se isso fosse um fardo. Essa vida confortável que ela vive nunca seria satisfatória, pois ela sempre teria aquela sensação. Aquele vazio em sua alma. E por isso ela lutaria, ela lutaria tão ferozmente quanto Sol se fosse necessário, mas ela não sabia fazer isso.
E aquilo era cansativo. Só de pensar nisso sua mente ficava pesada com a culpa de estar reclamando, mesmo sabendo que haviam pessoas com situações bem piores. Então por que ela ainda sentia isso? Por que ela não achava um objetivo que nem suas irmãs e irmãos?
Ainda encolhida no canto sentindo pena de si mesma e culpa, ela ouviu um som que não gostaria de ouvir. Não foi um disparo distante, muito menos um dos gritos que ouvia, foi um passo. Um movimento no corredor alertou ela mais do que qualquer explosão conseguiria. Se havia alguém ali mesmo, era alguém que sabia onde ela estava, ou só estava de passagem?
Instintivamente, ela segura a faca com as duas mãos enquanto encara os escombros sem piscar os olhos. Com a mente completamente focada nisso, ela mal percebe enquanto sua respiração vai ficando cada vez mais acelerada, suor frio começa a aparecer na sua testa e seus olhos ardem pelo tempo que estão abertos.
Os segundos vão passando e os sons vão ficando cada vez mais distantes, mas aquele único passo não se repetiu. Para a garota, pelo menos meia hora havia se passado enquanto esperava algo acontecer, mas nada veio.
Sentindo vontade de abaixar sua faca, ela balança a sua cabeça em rejeição dessa ideia. Ela não sentia que tinha o direito de abaixar a sua guarda. Com seu foco completamente direcionado a se proteger daquela direção, ela percebeu imediatamente quando uma das frestas escureceu repentinamente, tendo a certeza de que ela havia ouvido corretamente. Aquela sombra se move até ter apenas uma única parte de seu corpo na fresta: seu olho.
Arregalando os olhos, Calíope recua de volta para o canto, rezando para ela não ter sido pega.
Segurando completamente a sua respiração, ela treme enquanto aponta a sua faca, aguardando qualquer coisa. E, assim como esperava, veio um impacto. Algumas pedras saíram voando para dentro da sala, e ela não conseguiu segurar um grito fino e curto.
— Ahaha! — o soldado ri enquanto remove os escombros com rapidez. — Te achei, caralho!
Tentando pensar rápido, Calíope olha para um lado e para o outro, decidindo pegar uma pedra no chão. No momento em que ele passa pela porta para agarrá-la, a garota arremessa a pedra bem na cara dele, passando por ele desesperada enquanto corre. Porém, assim que passa, ela sente sua jaqueta sendo agarrada pela parte de trás.
— Filha de uma puta, essa merda dói!
Puxando ela para perto, ele vira a garota de frente, no mesmo momento socando ela bem em seu nariz, fazendo com que ela fique atordoada. Sua visão escurece parcialmente e a dor era terrível, parecia que o osso de seu nariz havia quebrado. Quando sua cabeça volta para o lugar após ter ido para trás quase que completamente, ela vê alguns filetes de sangue saindo e cobrindo sua roupa.
— O-o que...?
Ela questiona o que havia acabado de acontecer, pois em sua visão uma hora ela estava olhando para ele e na outra estava olhando para o teto e tudo doía. Ela mal chegou a ver os movimentos do soldado.
— Tá vendo? Isso dói! Agora tu fica quieta e vem comigo.
Recobrando uma parte de sua noção e raciocínio, a princesa sente a mão dele agarrando o seu pescoço, bloqueando a sua passagem de ar. Reagindo como pôde, ela tentou usar a faca para furar o pescoço dele, mas seu braço foi agarrado assim que ela tentou isso. Se afundando em seu desespero, ela olha para o rosto do homem e vê que o visor de sua armadura estava quebrado, dando visão para um sorriso macabro e cheio de malícia.
— Me... solta...
Ela ordena enquanto tenta soltar a mão dele que estava agarrando o seu pescoço, porém não foi capaz de movê-lo nem um centímetro. Gradativamente, a sua visão que já estava escurecendo vai apagando. Calíope começa a sentir um frio em todo o seu corpo, e seus braços pareciam moles, mas ela não conseguia desistir, ela nunca conseguiu.
Pensando nisso, ela se lembra de mais um momento de seu passado antes de apagar.
————————————————————
Hologramas e hologramas, mas nada que poderia ser considerado uma prova concreta. Toda linha de raciocínio eventualmente encontra uma parede, uma contradição irresolúvel. Organizando em diferentes ordens todas as vezes, Calíope assistia os mesmos vídeos diversas vezes, seguindo um detalhe diferente a cada momento. E nada disso resultava, nada trazia ela mais próxima do seu objetivo.
Seus olhos já não aguentavam mais, eles ardiam a todo momento e uma pressão incomodava a região entre seus olhos. Seu corpo se recusava a fazer movimentos bruscos: assim que ela levantava, sua pressão caía e ela precisava esperar antes de se mover, já que sua visão escurecia completamente. Antes ela também precisava lidar com o sono, mas nem isso existia mais, seu cérebro estava excluindo completamente isso após passar duas noites em claro.
E, mesmo com tantos sacrifícios, ela não havia chegado em lugar algum. Aos poucos a sua desculpa de "Astraea fazia a mesma coisa e funcionava" se esgotava. Talvez ela só não tivesse sorte ou só não fosse tão esperta. Colocando seu indicador e dedão direitos, ela pressionava o osso do nariz enquanto olhava para cima e ficava largada na cadeira, descansando enquanto "reinicia" a sua mente.
Nesse momento, ela ouviu duas batidas rápidas na porta.
— Orfeu, tu voltaste para me incomodar novamente? Se for isso, abstenha-se de perder seu tempo, por favor.
— Não é o Orfeu, irmã. — uma voz serena e familiar preenche aquela parte da biblioteca, fazendo com que Calíope revire seus olhos sem nem se virar. — Vim ter uma conversa.
Evitando sequer olhar na direção dela, Calíope já imaginava como ela deveria estar. Allegra, a segunda irmã e terceira na linha de sucessão, possivelmente se tornando a segunda, ignorando a ordem de nascimento. Tudo isso com sua qualidade que todos adoravam, mas Calíope detestava: sua língua de prata. Para imaginar que tipo de pessoa Allegra é, apenas deveria observá-la por um dia.
E ela já havia feito isso.
Tudo, desde suas roupas, seu cabelo, seu perfume e sua expressão facial era completamente fabricado. Toda ocasião requisitava algo diferente, e ela nunca falhava em mostrar o que todos queriam ver. Sua escolha de palavras, sua entonação, ambas eram completamente infalíveis. Não é como se ela fizesse isso por maldade, Allegra era apenas esperta até demais.
Sem dúvidas era a pessoa que mais aparecia de toda a família real, perdendo apenas para o imperador. E agora essa pessoa extremamente importante estava na porta da biblioteca, importunando Calíope, que não gostava de ter essa presença marcante para os seus irmãos. Desde sempre foi assim, só conseguia se sentir confortável falando com seu irmão gêmeo, um de seus irmãos mais velhos e seus irmãos mais novos. O resto da sua família causava um desconforto imenso nela, muito provavelmente pela pressão que causavam.
Com passos sutis, Allegra já estava ao lado da cadeira oposta a Calíope, e aquele sorriso dela era audível em sua voz.
— Posso me sentar?
Suspirando e ajeitando a sua postura, a princesa mais nova finalmente encontra os olhos de sua irmã, respondendo ela com uma expressão desconfiada:
— Vá em frente.
Agradecendo com um aceno de cabeça, Allegra se senta elegantemente, dando uma boa olhada por toda a mesa antes de virar-se novamente para Calíope, encarando-a. Ela sabia exatamente o que estava acontecendo, Allegra estava analisando ela. Ela odiava olhar para a sua irmã por esse exato momento, era difícil manter a compostura quando ela parecia ver até a sua alma.
— Pois então, minha querida irmã. — ela parece terminar sua análise, voltando com seu sorriso simpático e mantendo contato visual a todo momento. — Em que está trabalhando?
— Estou pesquisando sobre a primeira civilização.
— Oh! Sempre considerei este tópico interessante, no entanto, nunca encontrei nenhuma pesquisa oficial sobre o assunto. Você encontrou algo?
— Em verdade, sim, encontrei. Tudo indica ser um planeta específico nos confins da orla.
Sem responder, Allegra acena lentamente com a cabeça enquanto olha para o holograma diretamente, assistindo-o para entender o conteúdo. Nesse momento, Calíope percebe a escolha de aparência de sua irmã: um vestido azul escuro com manga transparente e longa, com um sidecut na perna direita. Anteriormente, quando ela estava passando, Cali também conseguiu ver que a parte das costas era aberta.
Além disso, ela não usava acessório nenhum. Apenas um pequeno brinco que ela mantinha em sua orelha quando estava "casual", e Calíope imaginava que aquele era o jeito mais casual que ela conhecia. Seu cabelo estava belo como sempre, curto na altura dos olhos e levemente ondulado, com a parte da direita solta e a da esquerda posicionada atrás da orelha.
E por fim, seus olhos. Aqueles olhos pequenos brilhavam com o laranja de sua íris, fazendo com que ela se destaque naturalmente, tornando impossível Allegra não ser considerada uma pessoa marcante. E ela sempre capitaliza nisso.
— Se não for muito incômodo. — Allegra quebra o silêncio, notando o olhar de sua irmã mais nova. — Gostaria de saber onde encontrou tais hologramas.
— Aqui.
— Não creio que alguém simplesmente se depare com uma pesquisa tão importante.
— Estás duvidando de mim?
— Jamais. — a mais velha nega enquanto respira fundo. — Calíope, embora seja admirável sua tenacidade, não podes renegar suas outras obrigações assim.
Suspirando e soltando uma risada, Calíope finalmente confirma que era isso o tempo todo. Sua irmã estava aqui para devolvê-la ao mundo normal, tirá-la dessa biblioteca, assim como todos. Essa era mais uma das dezenas de vezes que sua irmã se aproximou dela com um objetivo em mente.
Para a mais nova, Allegra era incapaz de ser genuína.
— Minha obrigação para com o império e a família real não foi esquecida, irmã. — Calíope cruza suas mãos na mesa enquanto toma uma aparência mais séria. — Essa pesquisa é importante, como deves saber, cultura é importante.
— E tua confiança é tão grande a ponto de passar dias a fio distante dos olhos do povo?
— Eu passaria anos longe dos olhos do povo.
— É precisamente disso que estou falando, Calíope, sua pesquisa pode ser importante para você, mas ainda és jovem, não tem para que desperdiçar seu tempo. — seu tom traia que subestimava a sua irmã, mesmo apesar de suas palavras. — Não peço para desistir disso aqui, apenas peço para conciliar as coisas.
Allegra fala enquanto usa sua mão para apontar para a bagunça na mesa.
— Não é um desperdício de tempo, estou fazendo considerável progresso.
A mais nova se controla para não elevar a sua voz ou falar algo que não deveria, mas não sabe se conseguiu evitar de expressar no rosto seu descontentamento. Não entrava na mente dela o porquê daquilo, ela não estava atrapalhando nada, se fosse tempo perdido apenas ela mesma se prejudicaria, nem mesmo os trabalhadores do palácio estavam envolvidos nisso. E mesmo assim, as pessoas à sua volta pareciam se incomodar.
— Naturalmente.
A resposta da mais velha, mesmo que curta e sem conter nenhuma indicação de malícia, incomodou fortemente a mais nova, que viu o sorriso de Allegra como uma afronta.
— Não consegues ver como... isso é uma idiotice? — Calíope questiona rispidamente, fazendo com que sua irmã levante suas duas sobrancelhas, admirada. — Minhas "obrigações", irmã? Estás falando de aparecer diante dos burgueses que buscam tanto bajular nosso pai, ou estás falando de vossa política?
— Calíope...
— Compreenda que não sou uma política, Allegra, e não pretendo me tornar uma para agradar nossa família.
— Desculpe-me, Calíope, mas não me importo.
Sem nunca ter visto sua irmã mais velha agir assim, a princesa franze o cenho em confusão, aos poucos acumulando raiva daquela conversa. Antes que pudesse protestar, foi interrompida.
— Minha preocupação não é se você se tornará uma figura política ou não, o que me preocupa é sua postura em relação às suas responsabilidades, que, de fato, são obrigações. — Allegra prossegue com um tom sério e com seu sorriso de sempre ainda presente. — Achas mesmo que Atlas, mesmo sendo um bruto e um general, deixa de ter boas relações? Obviamente não, ele necessita de fundos que a família real não pode suprir sem causar mais danos do que benefícios.
Ouvindo palavra por palavra, Calíope não consegue evitar uma sensação ruim de se espalhar pelo seu corpo. Ela não podia negar que isso era verdade, mas não conseguia concordar.
— Astraea nunca precisou fazer tais coisas!
— Astraea conhece as pessoas certas, Calíope. Ela se dedicou o suficiente para impressionar o seu tutor, e uma coisa leva a outra. Você não vai conseguir isso longe dos olhos de todos. — Allegra responde casualmente, deixando de manter contato visual, fazendo com que sua irmã sinta mais uma vez que não estava sendo levada a sério. — Eu compreendo, é difícil fazer o que os outros vêm fazendo muito antes de você. Você não sente que pode ser uma general, uma administradora, uma política, uma cientista, e nenhum de nós pode ser um profeta.
— Não creio que entendas.
— Não sou uma monstra, tenho consciência sobre esse tipo de situação.
— Então... — a princesa começa a indagar suas próprias razões, se sentindo desencorajada pelas palavras que ouviu. — o que queres que eu faça?
Dessa vez Allegra quem deu uma risada curta, olhando no fundo dos olhos de sua irmã como nunca antes, congelando-a por alguns instantes.
— Convença-me, Calíope. — ela profere, vendo a princesa mais nova se manter em silêncio enquanto pensa, e enquanto fazia isso, Allegra pôde notar que ela não estava mais se sentindo intimidada pelo fogo em seus olhos. — Dê seu melhor.
Levantando-se com uma expressão séria, Calíope se vira e caminha para sair da sala, fazendo com que Allegra abra mais o seu sorriso. Antes que a mais nova possa ir embora, no entanto, a mais velha solta mais um comentário.
— É curioso, tu nunca foste parecida com nenhum de seus irmãos. Até mesmo os que compartilham uma mãe com você. Me pergunto o que mais guarda para si, minha querida irmã.
Parando para escutar, mas mantendo-se de costa, a princesa ignora e sai pela porta, determinada a ter respostas de qualquer forma.
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Essa memória.
Se aquela conversa não tivesse acontecido, Calíope provavelmente já teria desistido e retornado para o vazio do seu dia a dia. Mas, o ideal não é sempre o que acontece. A princesa estava ali, na porta da inconsciência, e Sol estava distante demais para ouvir algum grito.
A fúria que estava sentindo antes se acumula com a fúria que sentiu ao lembrar da conversa com Allegra. A única vontade que Calíope sentia nesse momento era a de voltar para o palácio e esfregar as provas na frente dela, apenas para ver a reação da sua irmã. Se ela voltasse do jeito que estava, com feridas, provas e dedos flamejantes, qual seria a expressão que ela faria? O sorriso de sempre ou algo novo?
Calíope precisava saber, ela precisava mostrar que estava certa, e aquele homem estava em seu caminho.
Com o sangue que estava saindo de seu nariz e caindo em sua boca, a princesa cospe nos olhos do soldado, que os fecha em reflexo, grunhindo. Sabendo que ele não soltaria apenas com isso, Calíope deixa de tentar fazer força para se soltar com o braço esquerdo e o usa para agarrar a sua faca que estava inutilizada na sua mão presa. Com sua última reserva de energia, a garota apunhala, não conseguindo ver onde acertou, mas tendo a sensação da carne sendo perfurada.
— ARRRRGHH, PORRA!
Com um grito de dor, o soldado finalmente solta Calíope, que de costas no chão enquanto inspira o máximo de ar que consegue, arregalando seus olhos. Seu pulmões e sua garganta doíam sempre que ela respirava, porém era necessário. Inspirando e expirando rapidamente, a princesa vê o soldado cambaleando com o ferimento repentino, e só assim ela pôde ver o que fez.
A faca estava fincada no meio da barriga do homem, jorrando sangue.
Aproveitando o tempo ganho, Calíope se vira e começa a se arrastar para onde Sol foi, eventualmente adquirindo força o suficiente para obrigar seu corpo a se levantar. A dor que sentia era localizada, mas ela se sentia fraca em todas as partes. Acompanhando a fraqueza, sentia um frio que com certeza não era natural, mesmo considerando o planeta que estava. Nesse momento, ela ouve uma explosão mais barulhenta e mais longa do que as demais, acompanhada de um terremoto que dura alguns segundos. Quase caindo, ela se encosta na parede ao seu lado.
Apoiada, seus passos ficam cada vez mais rápidos, eventualmente alcançando o ponto em que ela consegue caminhar sem apoio. Não demora muito até ela alcançar o buraco da janela que Sol havia atravessado anteriormente. Olhando para baixo, Calíope pôde ver cinco corpos, um diretamente abaixo da janela e quatro no meio da rua, com um rastro de chamas indicando o caminho da mulher.
Pensando na queda, Calíope olha para trás e vê o soldado arrancando a faca de vez, tapando o ferimento com a mão e se virando para a princesa. Sem pensar duas vezes, ela se joga da janela, usando o corpo que estava abaixo dela para suavizar a queda. Se levantando com um pouco de dificuldade, a garota começa a seguir o rastro das chamas, eventualmente se recuperando o suficiente para correr.
— VOLTA AQUI!
O soldado grita pela janela, mas Calíope se recusa a olhar para trás, vendo de longe os pilares de chamas e explosões. Se aproximando, ela sente o chão tremendo, e a sua direita ela vê o motivo: um prédio caindo. A garota por pouco mantém o equilíbrio, tapando os seus ouvidos por conta do som. Sem tempo para ficar encarando, ela se vira e anda até a direção de antes, e nesse momento ela se toca.
As ruínas estavam apoiadas pelo gelo, e Sol estava derretendo quase tudo ali. Era questão de tempo até tudo cair novamente, e ela pretendia estar bem longe quando isso acontecesse. Com mais uma motivação, Calíope corre até ver uma curva que precisaria fazer, e ela tinha certeza de que Sol estava ali, o som estava muito próximo.
Esperançosa, a garota por pouco não vê mais um dos desabamentos que estava acontecendo bem na sua frente. Um prédio pequeno, que já estava inclinado, finalmente cede e começa a cair. Estando no caminho que ela precisava seguir, Calíope cogita tentar correr para atravessar, parecia ter tempo para isso.
Porém, na hora de tomar a decisão, ela recua. E essa foi a escolha certa, já que a mesma se viu sendo esmagada caso tivesse tomado mais um passo ali. Cambaleando para trás pelo terremoto e atordoada pelo som e pela poeira levantada, a princesa começa a buscar outra rota de fuga.
— Agora... tu me paga... desgraçada...
Assustada, Calíope ouve a voz do soldado vinda do caminho pelo qual ela havia seguido. Ele estava andando devagar, porém com uma velocidade que mostrava a sua condição atual. O homem estava fraco, mas a princesa ainda não ganharia um confronto direto.
— Não!
— Se tu só ficasse quieta... a gente ia tirar o que a gente precisa do teu papaizinho. — ele comenta enquanto se aproximava mais e mais de Calíope, que se levanta e caminha para trás. — E aí tu ia voltar pra casa, quase inteira.
— Eu mandei sair de perto!
— Quero ver tu me impedir.
Se vendo encurralada, a princesa não vê outra opção. Se lembrando das ordens de Sol, ela fecha os olhos. Com a sua mente, ela se concentra nos dedos flamejantes e os imagina cobrindo a sua mão inteira, sentindo desde o calor até a textura. O fogo sai da base dos dedos e começa a se espalhar, passando por sua palma, seus outros dedos e eventualmente ultrapassando por pouco os limites do pulso.
Abrindo seus olhos novamente, ela vê a mesma coisa que imaginou, sua mão coberta pelas chamas assim como Sol. A diferença era uma só: a entonação roxa. Sua mão estava preenchida por um fogo roxo que nunca havia visto antes. Saindo de seus pensamentos, ela aponta o dedo do meio e o indicador para o soldado, também levantando o dedão, formando uma arma com os dedos.
— Que porra que voc-
Interrompendo o soldado, Calíope imagina todo aquele fogo formando um projétil e sendo disparado pela sua mão, e isso é precisamente o que acontece. As chamas parecem ejetar-se dela, se deslocando com tanta velocidade que a única coisa que a garota conseguiu ver foi um borrão roxo.
E para o homem, ele não pôde ver nada. Em um instante a princesa estava apontando dois dedos para ele, no outro apenas escuridão. Seu corpo demora alguns instantes de pé, com um buraco bem no meio do visor quebrado.
Por fim, ele cai reto, a meros dois metros de Calíope.
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