5
Nely conhecia Nicolas dos tempos de faculdade. 1985 foi o ano em que ela entrou para a faculdade de letras, curso que jamais chegaria a completar porque a vida não era do jeito que se queria que ela fosse, porque se fosse, aquele tempo mágico de sua adolescência, quando o quarteto inseparável de garotas ainda existia, jamais teria passado, e ela viveria lá para sempre.
Nicolas era bonito, tão bonito quanto Codder. Havia momentos em que ela achava que ele tinha uma certa semelhança com Codder, mas talvez fosse apenas imaginação sua. Nicolas era um cara bem mais baixo, forte, mas nem tanto, e seus olhos eram claros, azuis como o azul do céu; os de Codder eram negros como a própria escuridão.
Passava pela sua mente o fato dela não saber muita coisa a respeito de Nicolas, apesar de o conhecer há pelo menos 14 anos. Não sabia em que ele trabalhava e como se sustentava. Era certo que ele parecia ser um cara rico, andava em um carro importado, tinha uma bela casa ali na cidade e, pelo que ela sabia, uma grande casa na praia. Às vezes ele aparecia de moto, que geralmente era uma BMW ou uma Harley Davidson preta. Cogitava-se que ele trabalhava no ramo de publicidade, mas não era uma certeza. Nem ela nem Sandra perguntavam sobre isso porque julgavam ser uma invasão de privacidade.
Não se sabia se ele tinha ou não namorada. Falava-se que ele fora casado ou tivera um caso sério no passado. Nely achava que isso não era da sua conta. Sandra dizia que Nicolas era louco por ela; Nely achava que um homem como Nicolas era um bom partido, mas ela não conseguia se interessar, ainda continuava fechada para o amor e continuaria para sempre, ela pensava. Se Nicolas alimentava alguma esperança com ela, era por sua conta, porque ela não mostrava nenhum outro interesse que não fosse amizade simplesmente.
Havia aquele interesse de Nicolas em querer ajudá-la, e era um interesse tão grande que parecia anormal. Talvez — e com certeza era mesmo — fosse apenas cisma. Nicolas simplesmente queria ajudá-la a enfrentar os fantasmas de seu passado (assim como todos os seus amigos), um passado que ele bem conhecia. Nicolas sabia mais coisas sobre ela do que ela sabia sobre ele, e aquilo meio que a incomodava. Ele sabia sobre Codder e a morte de Angélica em 94, sabia sobre sua equivocada prisão, e sobre a desgraça que se abatera sobre ela em 97, quando Coder tentara matá-la para se vingar da morte de sua verdadeira mulher: Angélica.
Ela achava que Nicolas também conhecia Angélica, só não sabia o que ele realmente pensava sobre tudo aquilo, e quais eram suas verdadeiras intenções. Nicolas lhe parecia uma incógnita e aquilo a incomodava profundamente.
Apenas cisma. Com certeza era isso. Nicolas era apenas um cara rico que gostava dela, que queria transar com ela, e quem sabe mais que isso. E ela era uma mulher de 35 anos completamente fechada dentro de seus próprios complexos, enclausurada dentro de seu mundo tenebroso de dores e lembranças do passado, talvez desperdiçando a chance de ser feliz. Ela tinha 35 anos, ainda era uma mulher relativamente jovem, era bonita e tinha um corpo de dar inveja. Mas aquilo não duraria para sempre, o tempo passaria como em um estalo, e em breve ela teria 45, e não tinha certeza de que seria assim tão bonita quando isso acontecesse. O que seria então?
Talvez o melhor a fazer fosse se abrir enquanto era tempo e esquecer de vez o maldito passado. Mas seria Nicolas a porta para que isso começasse a acontecer? Nely tinha dúvidas, e enquanto as dúvidas permanecessem, ela não se sentiria segura para se expor. Talvez se ela conhecesse um pouco mais sobre Nicolas. 14 anos não foram suficientes. Era como se Nicolas se escondesse por detrás de uma máscara que encobria quem realmente ele era. Era o que ela sentia, e parecia real.
Mas por que Nicolas se escondia? O que haveria por trás daquela suposta "máscara"?
Nely não sabia, mas achava que poderia descobrir. Quem sabe naquela viagem, quem sabe se ela se abrisse um pouquinho com ele, abaixasse um pouco a guarda, ele se sentisse à vontade para também se abrir com ela.
Talvez aquela viagem até a odiosa fazenda fosse a oportunidade perfeita.
Nely pensou na viagem.
Márcio iria.
Os pensamentos sobre Nicolas deram lugar à imagem nítida de Márcio.
Márcio era um empresário do ramo de construção civil. Os dois ficaram se conhecendo há quase seis meses, quando ela e Sandra viajaram para Ubatuba para o aniversário da prima de Sandra, Helen. Márcio era, por sua vez, primo de Helen, um daqueles primos com quem se tem uma amizade bem grande.
O fim de semana em Ubatuba ao lado de Márcio tinha sido um dos mais agradáveis que ela já tinha passado.
Márcio tinha um barco e as levara para um agradável passeio em alto-mar. Márcio era um amor de pessoa. Um dos caras mais legais que ela já conhecera e gostara dela como se a conhecesse já há tempos.
Nely reconhecia que ficou mexida com aquele encontro inesperado. Márcio era um homem pelo qual parecia valer a pena se abrir e sair de seu mundo tenebroso de lembranças. E agora ela ficava sabendo que Nicolas o convidara para ir à tal viagem até a fazenda. Era estranho. Por que Nicolas o convidaria? Os dois não eram amigos pelo que ela sabia.
Na verdade, o grupo de pessoas que tinham sido convidados por Nicolas parecia uma piada. Ela não conseguia ver Nicolas como amigo daquelas pessoas. Eram conhecidos, é claro, estiveram juntos em uma ou duas ocasiões, é claro, mas não era um círculo de amizades frequentado por Nicolas.
William, por exemplo, era um playboy duas vezes mais rico do que Nicolas, e ela sabia que eles tiveram desavenças no passado. Parecia que os dois tinham ido às vias de fato por motivos que ela desconhecia. Nely tinha certeza de que Nicolas nunca ouvira falar da namorada dele, a tal Darlene. Ela ficava imaginando Nicolas em uma conversa de WhatsApp:
— E aí, Will, amigão. Vamos dar uma festa na fazenda. Sua presença é indispensável. Pode levar a Darle. Aliás, mande um abraço para ela.
Era hilário, totalmente irreal, e cheirava a falsidade.
Ela pensou em Nicole, que na sua opinião não passava de uma puta de luxo que com certeza já tinha dado para Nicolas vezes sem conta. Nely tinha certeza de que Nicole a odiava. Definitivamente Nicole não era nem amiga sua, nem de Sandra, e nem de Nicolas. Então por que Nicolas a convidaria para aquela porcaria de viagem?
Ele devia ter seus motivos, mas Nely não sabia quais eram, e aquilo a incomodava profundamente.
Mas ela confiava em Nicolas, Sandra confiava em Nicolas (e o amava), não tinham motivos para não confiarem. Nicolas era amigo delas e estava preocupado com ela, e fazendo de tudo para ajudá-la.
— Que se dane — balbuciou Nely e se jogou na cama.
Ela fechou os olhos e tentou se livrar dos pensamentos, mas eles não a deixavam, grudavam em sua mente como câncer.
Nely adormeceu e sonhou...
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro