4
Nely passou manteiga em um dos pães que tinha comprado (agora não mais quentes) e despejou leite em uma xícara. Sandra cortou uma fatia enorme de bolo de milho e preferiu café preto, com duas colheres de açúcar.
Sandra olhou para a amiga, que permanecia em silêncio, a cabeça baixa lendo as notícias do jornal enquanto tomava o seu café da manhã.
– Tudo bem com você hoje? – perguntou ela, preocupada.
Nely a fitou com um leve sorriso e respondeu:
– Tudo bem.
– Você levantou cedo. Teve algum tipo de pesadelo?
Ela suspirou.
– É, eu tive, como sempre. Mas não foi tão ruim assim.
A última parte do sonho ainda era bem nítida em sua mente.
Houve um momento de silêncio. Sandra cortou uma fatia de queijo minas e a colocou no pão.
Nely perguntou:
– Você se lembra de 1979?
A pergunta a surpreendeu:
– O que tem 1979?
– Nós quatro nadamos peladas em uma cachoeira atrás da escola em Santo Antônio e fizemos um pacto de amizade eterna.
Sandra se lembrava perfeitamente, e hoje em dia aquilo era uma lembrança dolorosa.
– Faz tanto tempo! Eu tinha 9 anos.
– E eu tinha 10. Érika tinha 13 e Angélica também tinha 10.
– Mas por que está se lembrando disso agora, querida?
– Eu sonhei com isso hoje. É como se... – Por um momento ela ficou em silêncio. Seus olhos fitaram o nada, como se estivesse perdida em pensamentos. Depois suspirou, voltou a olhar para Sandra e completou: – Como se eu tivesse voltado no tempo.
– Não tem como voltar no tempo, Nely. Você só pode seguir em frente. É o que tem que fazer: esquecer o passado e seguir em frente.
– Eu sei disso.
Voltaram a ficar em silêncio.
Pela vidraça, Sandra contemplou o jardim lá fora, encoberto por uma densa e pálida camada de neblina.
– Eu falei com o Nicolas ontem – disse Sandra.
Nely sorriu. Havia um leve tom de malícia naquele sorriso.
– Não é o que você está pensando.
– E o que pode ser?
– Falamos sobre a viagem que vamos fazer no final de semana.
– A viagem que vocês vão fazer.
– Como assim?! Não me diga que...
– Eu não estou com nem um pouquinho de vontade de ir.
Sandra arregalou os olhos.
– Nely! Mas se você não for, não tem viagem!
– Como não tem viagem? E o pessoal que vai?
– O pessoal que vai, vai por causa de você. A viagem é por sua causa.
Nely largou o jornal e franziu o cenho.
– Por minha causa?!
– Escute, Nely, você está muito enclausurada dentro de casa. Tem que sair um pouco, relaxar, respirar um ar puro. Não pode simplesmente se trancar aqui e achar que isso é vida, amiga.
– Para mim está ótimo.
– Eu sei. Mas você ouviu o que o terapeuta falou. Você precisa sair. Tem que começar a se desprender do passado e tocar sua vida para a frente.
Nely suspirou.
– Eu sei.
– E então?
– Um fim de semana em uma fazenda no fim do mundo? Meu Deus! Odeio lugares assim!
– Mas vai ser bom pra você relaxar um pouco.
– Por que não vai você, sozinha? Eu sei que você está louquinha para ter um momento a sós com o Nicolas.
– Ora, não diga asneiras, amiga! Se você não vai, então eu também não vou.
– E por que não?
– Porque não tem graça sem você. Vou precisar de ajuda para aturar a chata da namorada nova do Rodrigo.
– A tal Darlene? Ela vai?
– Com certeza. E tem também a sebosa da Nicole com aqueles peitos siliconados. Essa sim está louquinha para dar a buceta para o Nicolas.
Nely balançou a cabeça.
– Não sei, não. Parece que essa viagem vai ser um tédio. Só tem gente chata.
– O Márcio vai estar lá.
Nely a fitou com aparente interesse. Sandra sorriu e deu uma piscadela.
– O Márcio... aquele Márcio?
– Em pessoa.
– E por que o Nicolas convidaria o Márcio?
– Eu sei lá.
Nely franziu o cenho.
– Quem mais o Nicolas convidou para a viagem, Sandra?
– Ora, deixe-me ver. – Sandra pensou um pouco, puxando pela memória. – O Rodrigo, a namorada dele, a tal Darlene, o Márcio, a Helen e a Nicole. Eu acho que são esses. Além de você e eu.
Nely pensou nos nomes. Eram pessoas que certamente ela conhecia, mas não intimamente. Podia-se dizer que eram, com exceção talvez de Helen, que era prima de Sandra, meros conhecidos, que elas viam de vez em quando. Certamente um grupo bem improvável de pessoas, no entanto, eram os convidados de Nicolas para aquela inútil (na opinião de Nely) viagem até a roça.
Teria Nicolas, um cara que ela conhecia desde os tempos da faculdade, alguma coisa em mente com aquela viagem?
Nely achava uma perda de tempo, não era importante para ela, mas parecia ser importante para Sandra, e isso já bastava.
– Está certo. Eu vou nessa merda de viagem. Vamos ver no que dá.
Sandra sorriu.
– Que bom, Nely! Garanto que você não vai se arrepender.
Mas ela se arrependeu. Se arrependeu profundamente.
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