
Não É Uma Despedida | Capítulo Cinquenta E Um
Nick Sinclair [7:48pm]: HEEEEEEEEEEEEEEEEEY
Nick Sinclair [7:48pm]: Vi que você passou para o curso de computação gráfica aqui em Nova York
Nick Sinclair [7:48pm]: Sei que não nos falamos faz algumas décadas, pareço louco aparecendo assim, só queria dizer que estou muito feliz por você 😊
Noah Crowford [9:51pm]: Obrigado!!!!!!!!!!
Noah Crowford [9:51pm]: HAHAHAHA Que tipo de ex você seria se não aparecesse aleatoriamente com uma mensagem?
Nick Sinclair [10:15pm]: Definitivamente estaria desempenhando meu papel de ex namorado errado
Nick Sinclair [10:15pm]: Posso te buscar no aeroporto quando você vier para cá? Eu te mostro a cidade, podemos comer alguma coisa ou sei lá
Noah Crowford [10:25pm]: Não sei, tenho muita coisa pra organizar
Nick Sinclair [10:45pm]: DEIXA DEIXA DEIXAAAAAAA
Nick Sinclair [10:46pm]: Eu te ajudo com as malas
Noah Crowford [10:59pm]: Nick...
Nick Sinclair [11:30pm]: Por favor?
Noah Crowford [11:31pm]: Tá, mas você fica com as malas pesadas
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O aeroporto estava mais movimentado do que da última vez que estivera ali com seu pai, acertando os detalhes do apartamento e arrumando um pouco da mudança para que não precisasse carregar tudo de uma vez.
Noah ainda levava algumas malas pesadas, mas o pequeno apartamento perto da faculdade já estava arrumado com o essencial desde a última viagem. Encarou a multidão de pessoas indo de um lado para o outro, mas não encontrou nenhum rosto familiar.
Aquilo lhe deixava tenso. Crescera numa cidade pequena, via rostos familiares o tempo inteiro, mas a multidão desconhecida de Nova York era amedrontadora e empolgante ao mesmo tempo.
Se perguntou se Nicholas viria. Havia dito o horário de chegada, o local do desembarque, ele havia respondido com um simples "beleza". Fazia quase um ano que não se viam pessoalmente, estava ansioso, perguntando-se se ele estaria ali ou se deveria simplesmente pegar um taxi e ir para casa.
Casa. Como se aquele apartamento apertado fosse sua casa.
Sentia falta do apartamento grande e arejado da mãe. O local mais próximo de casa que tinha agora era a casa do pai, imaginava se conseguiria se acostumar a viver tão longe.
— Ei, estranho! — Noah prendeu a respiração quando se virou.
Nicholas estava ali, sorrindo animadamente. Simples assim, ele estava em sua frente, sorrindo.
Parecia o mesmo. Tinha cabelos mais curtos, uma pele menos bronzeada e mais pálida, mas continuava com o mesmo sorriso, os mesmos olhos castanhos profundos. Usava a mesma jaqueta de couro e os coturnos pesados.
Ficou tão surpreso por um momento que apenas o encarou, sem saber como cumprimentá-lo. Deveria simplesmente sorrir de volta? Falar um 'oi'? Queria jogar-se nos braços dele e abraçá-lo forte, porque sentira tanta falta dele nesses dois anos separados...
Não precisou tomar nenhuma iniciativa, Nicholas lhe puxou para um abraço apertado e Noah afundou nos braços dele, sentindo o coração pulsar forte com a familiaridade do abraço e do perfume de Nicholas.
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— Quando você se ofereceu para ajudar com as malas, não era para eu dormir na sua casa — comentou Noah, passando a mão pelos cabelos úmidos numa tentativa de tirar o excesso de água. Havia tomado banho no apartamento de Nicholas porque não tivera tempo de passar no mercado e comprar sabonetes.
— Seu apartamento está uma zona, duvido que você consiga achar a cama lá — riu Nicholas, inclinando-se sobre a mesa e levando uma garrafa de cerveja até a boca. Ele usava o mesmo tipo de roupas que costumava usar no ensino médio, agora vestia um suéter confortável que delineava o peitoral. Noah tentou não encarar demais o movimento que os músculos dele faziam.
— Porque não tivemos tempo de arrumar — Noah argumentou, Nicholas estava sorrindo levemente quando ofereceu uma garrafa de cerveja igual à dele. Acabou aceitando
A cozinha dele era bem pequena, tinha uma bancada e móveis compactos.
— Estávamos fazendo coisas mais importantes. — Nicholas bebeu mais um gole da cerveja, Noah não conseguiu evitar que seus olhos descessem para os lábios dele encostando no gargalo da garrafa.
— Nicholas, atravessar a cidade para ir até sua pizzaria favorita não é prioridade — falou num tom muito sério, tirando os olhos nos lábios dele e tentando focar em qualquer outra coisa.
Nicholas riu. Noah foi automaticamente atraído para os lábios dele de novo, por causa daquele maldito sorriso debochado.
— Mas você adorou, então perdeu o direito de reclamar — retrucou ele, convencido e petulante, do jeito que se lembrava de Nicholas. Se encararam por um momento, Noah bebeu a cerveja e achou o gosto amargo. Preferia destilados. — O que está achando daqui? — Não tinha muito para falar, só as primeiras impressões de alguém muito assustado com a enormidade da cidade.
— Eu não sei ainda, me sinto perdido num lugar tão grande — resumiu em poucas palavras, e Nicholas assentiu com um sorriso compreensivo.
— Eu sei, é meio assustador, mas você se acostuma. — Aquilo fez o aperto na garganta voltar. Nicholas havia passado por tudo aquilo sozinho, Noah havia se afastado depois que terminaram e deixado que ele lidasse com Nova York por conta própria.
— Nick... me desculpe, eu deveria estar com você — disse num tom culpado, sentindo-se revirar por dentro quando se lembrou da última conversa que tiveram como namorados, quando terminou com ele. Havia sido na última noite em que tocaram juntos, na festa de despedida. Tocara mal naquela noite, a bateria soou enfurecida porque Noah estava enfurecido e descontava no instrumento. A raiva fora um sentimento muito constante nos últimos anos.
Nicholas apenas sorriu e balançou a cabeça.
— Estou bem — afirmou. Noah ainda se sentia extremamente culpado.
— Mas eu prometi que nós tentaríamos, que você não estaria sozinho e...
— Não se desculpe, sério. Não quero ouvir desculpas — ele interrompeu com seriedade. Noah estava pronto para retrucar dizendo o contrário, mas Nicholas continuou falando. — Noah, você estava passando por muita coisa, um relacionamento à distância era a última coisa que você precisava, eu entendo. — Ele parecia firme, não estava magoado ou ressentido como Noah se sentia. — Você queria espaço, era o mínimo que eu podia fazer por você — completou suavemente. Noah suspirou baixinho, apertando a mão em volta da garrafa de vidro.
— Depois de tudo aquilo, eu estava meio perdido. Passei o resto do ensino médio no piloto automático, então estar aqui é um alívio — confessou quando levantou os olhos para ele. Quando pensava no resto do ensino médio, pensava numa confusão borrada de festas, álcool, aulas entediantes, sempre tentando de rodear se pessoas para que não pensasse demais.
Nem sempre estava com as melhores companhias, nem sempre estava fazendo a coisa certa, às vezes só queria se entorpecer e calar tudo o que sentia. Nem sempre de uma forma segura e saudável. Não se orgulhava disso.
Dera trabalho para seu pai. Foram dois anos intensos, mas que ficaram para trás. Pelo menos Bethany se saíra melhor, ela havia florescido depois de ir para Manchester, ir para longe fizera bem — estava empolgada com o curso, Noah podia perceber pelo modo como ela falava animadamente sobre cada matéria.
Ela voltara a ser a Bethany introvertida e focada nos estudos, o que era bom, porque lembrava-se da época em que ela exagerava nas festas e chegava vomitando em casa. Bethany estava feliz nas fotos que mandava, sempre sorrindo abertamente entre os amigos e falando empolgadamente sobre algum novo projeto artístico.
— Você sabe que não está sozinho aqui, não sabe? Estou aqui para tudo o que você precisar, não precisa começar do zero em Nova York — disse Nicholas, e Noah pensou ter ouvido um tom esperançoso na voz dele. — A não ser que queira — ele completou rapidamente. Noah achou aquela leve vermelhidão nas bochechas dele a coisa mais fofa do mundo.
— Não quero — respondeu sem hesitar. — É bom ter você aqui. — E eu senti saudades. E eu preciso de você comigo. E eu estou muito feliz por não estar sozinho.
Pensou tudo isso, mas segurou as palavras.
— Também estou feliz porque você está aqui. — Havia tanta sinceridade nas palavras de Nicholas que quase o abraçou mais uma vez. — Como Beth está? Não nos falamos mais e ela nunca posta nada, então... — ele riu.
Noah sempre via vídeos e fotos de Nicholas nas redes sociais, mas evitava interagir, apesar de ter entrado no perfil dele algumas vezes. Vídeos em que estava cantando e tocando, fotos em festas, se divertindo com novos amigos que não conhecia...
— Ela está bem, muito bem. Adora Manchester e o curso. — Fazia tempo que não via Bethany pessoalmente, era difícil viajar de tão longe, era caro e ela não tinha tempo por causa da faculdade. Sempre se falavam por mensagens ou vídeo-chamadas. — Inclusive, está namorando um cara que vomitou nos sapatos dela numa festa de calouros. — Nicholas conteve a risada.
— Muito romântico — brincou, Noah deu de ombros com um sorriso leve no rosto.
— É o que ela acha, pelo menos. — Havia conversado poucas vezes com Kevin, nunca havia o visto pessoalmente, só pelo computador. Ele e Bethany pareciam felizes, os olhos dela sempre brilhavam perto dele e Kevin era cuidadoso com ela, sempre a abraçando como se Bethany fosse a coisa mais preciosa do universo. Era o que ela merecia. — E você?
— Eu o quê? — Nicholas levantou as sobrancelhas, Noah quase se arrependeu de ter perguntado.
— Está com alguém? — Diz que não, diz que não, diz que não.
— Não, na verdade. Não estive com muitas pessoas desde que me mudei para cá, acho que desencanei dessa personalidade de adolescente pegador. — Aquilo fez Noah gargalhar. — Não estive com nenhum outro garoto desde você — contou ele, aquilo fez as risadas cessarem. Noah não sabia por que, mas a informação lhe pegara desprevenido e fizera alguma esperança reacender dentro de si.
— Sério?
— Só com algumas poucas garotas e uma pessoa não-binária, mas não com garotos — confirmou ele, e Noah fingiu uma expressão séria de julgamento.
— Que decepção, acho que terei de cancelar sua carteirinha de bissexual — falou com muita seriedade, mas não durou muito tempo, porque os dois caíram na gargalhada logo depois.
Terminaram a cerveja e depois foram jogar videogame por pura nostalgia, passaram um bom tempo disputando e conversando, amontoados no sofá. Quando ficou tarde e já estavam cansados, Noah decidiu que dormiria no sofá. Não eram mais namorados, afinal.
Quando Nicholas foi para o próprio quarto, ficou ali no escuro, ouvindo o barulho do trânsito insano de Nova York, percebendo como era estranho estar naquele lugar. Nada era familiar, nem os cheiros, os sons, nem mesmo o teto.
Vinte minutos se passaram enquanto se revirava de um lado para o outro, desconfortável naquele lugar novo, querendo sentir o conforto da própria casa. Foi quando desistiu e se levantou.
A porta do quarto estava entreaberta, Noah bateu levemente para anunciar que estava ali. Nicholas estava deitado, mas mexendo distraidamente no celular, que iluminava sua face e parte do cômodo.
— Nick — sussurrou levemente, e Nicholas deixou o celular de lado quando lhe viu. Se encararam por um momento, viu a face dele delineada pela escuridão, os cabelos escuros desaparecendo no breu.
Quando ele sorriu, Noah entrou no quarto. Não precisou falar nada, se aconchegaram juntos na cama como antigamente, como se nada tivesse mudado. De repente, estavam abraçados e estava em casa de novo.
« ♡ »
Elisa achava que o corredor mais parecia uma floresta subterrânea. Ainda não havia explorado aquele lugar, sair para procurar novos pontos na dimensão era um novo passatempo que havia adquirido com Lena e Clarissa. Clarissa carregava uma bolsa com um livro, um caderno, canetas e marcadores, Lena levava uma caixinha com baralho de tarô e os cristais que havia escolhido para o dia.
Aquilo lhe era tão familiar, sempre fazia Elisa sorrir. Não era sempre que podiam passar tempo juntas, Clarissa estava muito envolvida com seu trabalho na biblioteca, Lena enfiada na estufa tão empolgada quanto um gênio maluco fazendo experimentos. Quando conseguia sair com as duas, quando exploravam um novo local simplesmente para fugir da realidade, era seu momento favorito.
Estavam andando fazia um bom tempo, Elisa ouvia a conversa animada das duas, mas não falou nada, queria apreciar o momento, observar as plantas verdes que formavam paredes vivas com seus emaranhados de galhos, cipós e flores coloridas. Lena apontava para as plantas e dizia seus nomes, especificando suas utilidades. Ela pegara uma flor azulada para colocar no cabelo de Clarissa, que riu e protestou, mas acabou deixando a flor no meio dos cachos.
Depois de algum tempo rindo e andando, chegaram num ponto em que o corredor se abria para um piso de pedra bruta e um lago enorme de superfície cristalina. Estrelas brilhavam no teto aberto, não havia parede, exceto vigas que atuavam como barreiras de proteção nos limites onde o piso de pedra acabava e se transformava na mesma escuridão estrelada do céu. As três pararam e olharam ao redor.
Era como estar flutuando no espaço, cercadas de estrelas que pareciam vagalumes. A água ondulava e refletia o brilho das estrelas, Lena se animou e estendeu a manta que havia trazido, as três se ajeitaram perto da água. Elisa ficou olhando para o lago cristalino, pensando em como queria nadar naquelas estrelas, mas com pena de estragar a serenidade ondulante da água.
Logo foi envolvida por Clarissa numa conversa sobre o livro que ela havia obrigado Elisa a ler — era o que ela fazia às vezes, chegava com um livro, empurrava para seus braços e simplesmente dizia: é incrível, você vai amar, leia. Não era um pedido, era uma ordem. Elisa não questionava porque amava tudo o que Clarissa lhe entregava, ela era ótima selecionando histórias.
— Você parece bem — comentou a loira, quando Elisa riu de algum comentário que Clarissa fizera sobre a história. O riso fora sincero, o sorriso também.
— Eu estou, agora eu estou — disse com calma, e Lena desviou a atenção das cartas com um sorriso leve, aliviado. Clarissa teve uma reação diferente, ela estreitou os olhos e lhe encarou com cuidado.
— O que você não está dizendo? — A loira se inclinou para perto até que os cabelos loiros volumosos roçassem as bochechas de Elisa. A ruiva encolheu-se um pouco, olhando para as estrelas, imaginando se elas seriam seu destino.
Não queria mentir para Clarissa. Lena havia abandonado as cartas de tarô para lhe escutar, Elisa também não queria esconder nada dela.
— Eu não posso ficar aqui — disse de uma vez, meio vomitando as palavras sem cuidado. Era melhor falar tudo de uma vez, mas sentiu toda a coragem escorrer quando viu o olhar no rosto das duas. Clarissa chocada, Lena compreensiva, mas triste. — Falei com minha mãe. Não sou querubim, posso seguir em frente. — Clarissa balançou os cachinhos loiros com força, o que fazia quando queria negar algo veementemente. Elisa já vira aquele gesto muitas vezes.
— Seguir em frente? E ir para onde? — indagou com o desespero fluindo na voz.
— Eu não sei, não tenho as respostas — Elisa tentou tranquilizá-la, mas aquilo só a deixou mais apavorada, pôde dizer pelos olhos arregalados e cheios de chamas arroxeadas. — Não sei se tudo acaba ou recomeça, mas preciso ir. Este lugar não é para mim — sussurrou numa última tentativa de fazê-la compreender.
— Você só pode estar brincando — riu Clarissa, se afastando quando Elisa tentou tocá-la. Ela se levantava apressadamente, cuidando coma beira do lago para não cair na água.
— Cass, eu ficaria por você e por Lena, mas não posso, você sabe que não. Preciso fazer isso por mim — disse, tentando não olhar para Lena, não olhar para aquela face triste e conflitante. Já se sentia assim por dentro, não precisava dos sentimentos dela.
— Preciso de um tempo. — Elisa quis correr atrás dela quando Clarissa pegou a bolsa e guardou o livro, queria ir atrás quando ela desapareceu no corredor cheio de plantas e flores. Se contentou em ficar congelada ali, vendo-a sumir.
Lena lhe abraçou por trás, Elisa inspirou fundo. Passou um bom tempo conversando com ela, deixando que ela lesse as cartas de tarô. Depois, ficou deitada com a cabeça no colo dela, observando as estrelas e a água.
Quando a ansiedade falou mais alto, convenceu-a de que precisavam procurar Clarissa.
Encontraram-na no próprio quarto, escrevendo furiosamente num caderno e encolhida na cama, cercada de almofadas de veludo preto. Elisa se aproximou lentamente, sentando no lado esquerdo da cama, Lena no direito.
Clarissa fechou o caderno, então alternou o olhar entre Lena e a ruiva.
— Eu odeio vocês duas — declarou dramaticamente, e isso fez Elisa rir, puxando-a para perto. Envolveu Clarissa nos braços, as duas confortáveis contra as almofadas. — Você sabia, não sabia? — ela perguntou para Lena, que hesitou por um momento. Lena não negou e nem confirmou.
— Eu tirei cartas quando vi que Liz não estava bem, foi sobre isso que conversamos naquela hora — contou num tom distante, brincando com um pingente de cristal cor de rosa. — Não sabia que tomaria este caminho. — Elisa baixou um olhar por um momento, apertando Clarissa contra si, deixando a face afundar no meio dos cachos dourados.
— Nem eu sabia — confessou num tom melancólico, depois sorriu com o que lhe restava de energia. — Eu amo vocês, passaria uma eternidade com vocês, sabem disso, não sabem? — Se afastou de Clarissa para que pudesse olhar as duas nos olhos.
— E nós passaríamos uma eternidade com você — respondeu Lena.
Poucos segundos depois, Elisa estava envolvida num abraço entre duas. Foi tão calmo, tão repleto de carinho, que se sentiu totalmente feliz e realizada naquela bolha de sentimentos.
Em vez de sair para explorar e passar tempo, ficaram ali, juntas, num lugar familiar. Era tudo o que precisava. Sentir que tinha uma casa, porque sabia que tinha. Depois de algumas horas entre cartas de tarô, poesias recitadas, algumas lágrimas trocadas, acabou adormecendo do lado delas, o que era a coisa mais confortável do mundo.
Como não estava tão cansada, acordou para encontrar Lena e Clarissa dormindo, Lena abraçando a loira e com o rosto escondido nos cabelos ondulados dela. Aquilo lhe fez sorrir.
Levantou-se depois de um tempo as admirando, foi até a escrivaninha de Clarissa. Ela sempre tinha papel e caneta disponíveis em todo lugar, onde Clarissa estava, havia uma caneta e um caderno. Pegou o primeiro bloco de anotação que encontrou e uma caneta cor-de-rosa.
Isto não é uma despedida, é um até mais.
Te encontro em outra vida.
Com todo o amor do mundo,
Liz
Deixou o bloquinho de notas em cima do livro de Clarissa, querendo que fosse a primeira coisa encontrada quando ela acordasse. Deu uma última olhada nas duas, apreciando aquela paz, todo aquele amor que tivera tanta sorte de encontrar.
Foi difícil sair para o corredor, foi difícil fazer o caminho para longe das duas. Estava justamente hesitando em um dos salões quando ela apareceu dos corredores, os cabelos escuros se destacando no meio do mármore branco.
— Liz. — Foi automático quando abraçou Sara, não se dera conta de quanto precisava desse reconforto. Eram um ponto muito pequeno naquela gigantesca dimensão, mas aquilo lhe fazia sentir que podia encarar qualquer coisa. — Posso te levar até lá? — perguntou Sara, cheia de expectativa quando se separaram.
Conversaram muito desde que saíra do santuário, ela lhe ajudara a clarear as ideias e ter certeza do que queria. Ter Sara ouvindo, poder desabafar com alguém que não era Clarissa e nem Lena, fora essencial para reunir a coragem e fazer o que precisava.
— Eu adoraria — sorriu para ela, feliz por ter companhia. Entrelaçaram os braços, queria a sentir próxima, ter aquele conforto. — Você vai ficar bem? — perguntou ao olhar para Sara, que assentiu com a cabeça. Ela parecia bem, parecia animada, mas Elisa não sabia o quanto daquilo era sincero. — Sério? Se você quiser eu fico, eu...
— Liz, você já fez muito por mim, está na hora de pensar em você — interrompeu Sara, apertando seu braço de leve enquanto adentravam um corredor longo e cheio de luminosidade resplandecente. O piso era feito de ametista lapidada. — Tenho passado um bom tempo com Eric e, surpreendentemente, Azazel tem me ajudado. — Aquilo lhe tranquilizou um pouco. Eric sempre dava um jeito de burlar as regras para passar tempo com ela, exatamente como Elisa costumava fazer. Percebeu que aquilo lhe mantivera mais centrada, lhe devolvera algum propósito depois de se afastar de Noah e Bethany, a maior dificuldade dela desde que chegara ali.
Elisa se virou quando Sara mencionou Azazel.
— O que é essa ligação entre vocês duas? — Sara deu de ombros.
— Nada, nós estamos tentando organizar as coisas, temos poderes parecidos, só isso — disse. Elas realmente passavam muito tempo juntas. Com a ausência de três líderes infernais e o colapso dos exércitos, as coisas estavam caóticas. Tentavam prever a ascensão de novos líderes, colocar alguma ordem na bagunça. Bethany e Noah não conseguiram acabar com todas as criaturas demoníacas, afinal, só as que estavam na cidade, e o resto vivia em anarquia.
Apesar disso, Elisa levantou as sobrancelhas com interesse.
— Não acredito que não estarei aqui para ver o desenrolar desta crise de sexualidade — provocou com uma risada, mas deixou o riso morrer lentamente quando percebeu que estavam no fim do corredor.
— Eu não estou a fim dela, estou muito bem com Arthur — retrucou Sara, mas Elisa a encarou com um olhar insistente. Sara negou com a cabeça. — Você está errada. — Elisa deu de ombros, mas sem conseguir notar era diferente o modo como ela falava de Azazel. Acontecia sempre assim, Sara sempre negava antes de admitir completamente os próprios sentimentos.
— Eu estou sempre certa, achei que já havíamos definido isso — respondeu quando pararam na frente das portas duplas. Sara riu por um momento, só então o peso da despedida caiu sobre as duas, que estavam paradas frente a frente, se encarando.
— Vou sentir sua falta — disse ela, e Elisa teve de controlar as próprias lágrimas. Riu para tentar aliviar o peso que tomava o ar.
— Eu queria poder dizer o mesmo, mas... — De repente, as duas estavam abraçadas de novo, parecia o certo a se fazer. Aquilo lhe deixava mais calma, lhe dava coragem.
Quando Sara se foi, Elisa ficou um bom tempo no corredor gigantesco, olhando para o ponto onde ela havia desaparecido na bifurcação. Piscou algumas vezes, querendo que Lena e Clarissa estivessem ali, mas então se virou para as portas duplas e as empurrou de uma vez.
Aquele santuário era maior do que os outros em que já havia estado, Elisa entendia por que a mãe havia o escolhido. Era lindo. Lindo, brilhante, com paredes transparentes que revelavam uma imensidão luminosa. Era como estar no céu.
O piso era o mármore branco com o qual estava acostumada, mas cheio de fissuras douradas. Olhou ao redor, encontrou Maitê sentada num dos bancos de madeira clara, os cabelos ruivos como uma chama no meio de toda a luminosidade branca.
Sua mãe se levantou assim que Elisa pisou no salão e fechou as portas, ela estava sorrindo. Foi até ela, encantada com o lugar, com o fato de que aquela dimensão flutuava num espaço cheio de luz e estrelas.
— Fez todas as despedidas? — perguntou a mãe, e Elisa deu uma última olhada ao redor, uma última olhada naquele santuário infinito. Com toda a certeza, assentiu.
Deram as mãos, Elisa entrelaçou os dedos nos dela e apertou forte. Depois disso, as coisas começaram a brilhar. Foi envolta por uma luminosidade intensa, os pensamentos se expandiam e de repente sumiram, as memórias flutuaram ao seu redor, engolidas pela luz.
Estava ali, mas no outro momento não estava. Tornou-se ar, luminosidade, calor, sombra, tudo ao mesmo tempo. E então acabou.
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