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Justificativas | Capítulo Quarenta E Cinco

Noah e Bethany estavam distraídos num torneio de videogame, Sara aproveitou que eles não estavam prestando atenção para acompanhar Liam até o carro. Precisavam conversar sobre o assunto que estava evitando, cada olhar intenso que trocaram naquele jantar lhe levara ao limite.

Fizeram o caminho das escadarias em silêncio, finalmente saíram para a rua pouco iluminada. Alguns postes ainda falhavam levemente, fazendo com que as sombras das árvores e dos carros estacionados se esticassem sobre a calçada.

Pararam perto do carro dele, o vento chiava forte em seus ouvidos e levantava os cabelos escuros. Liam tinha olhos furiosos quando lhe encarou, as írises cheias de sombras.

— Quanto tempo você acha que tem até que eles descubram? — Sara estremeceu. Ele tinha razão. Quanto tempo até eles perceberem que não comia? Que mal dormia? — Não pode continuar mentindo para eles, enganando-os deste modo. — A rigidez na voz dele lhe irritou, fazendo com que assumisse uma postura defensiva. A noite fora tão boa, Bethany e Noah pareciam tão felizes... Por que estragar tudo agora?

— O que você queria? Que eu dissesse a verdade enquanto ela estava feliz? Fazendo planos para o futuro? Que eu estragasse a noite?

— Incrível como nunca é o momento certo — ele ironizou com uma risada fraca, recostando-se no carro e cruzando os braços. Os cabelos loiros perdiam o brilho na escuridão da noite, os postes vacilantes lançavam sombras fracas sobre seu rosto. — O que está acontecendo? O que você está escondendo? — Sara parou por um momento, olhando-o nos olhos. Sentiu uma pontada de ansiedade, em dúvida sobre o que fazer.

Sabia que não tinha mais como escapar, só esperava que pudesse contar a verdade de um modo mais suave, achar uma maneira de amenizar tudo aquilo. Mas ele já havia percebido algo estranho, provavelmente sabia o que estava por vir.

— Eu não posso voltar — disse de uma vez por todas. Liam já sabia que nunca havia saído do hospital, que estava ali, mas ao mesmo tempo não estava. Não havia acordado. — Meus poderes não são compatíveis com um corpo humano, mesmo que eu conseguisse voltar completamente... teria pouco tempo até que tudo cedesse. — Ele empalideceu, lhe encarou em silêncio por algum tempo; Sara esperou até que Liam fizesse as perguntas. Não sabia se tinha voz para falar, o silêncio havia se tornado opressivo.

— Você mentiu. — Mais silêncio. O vento chiou em seus ouvidos e Sara sentiu os olhos arderem, os ombros desabando. Odiava aquela expressão dele, uma mistura de fúria e decepção, odiava tê-lo decepcionado. — Você mentiu quando disse que estava tentando encontrar uma forma da voltar.

— Eu só estou aqui até o eclipse, para ajudar com Mamon — confessou, e dizer aquilo em voz alta fez seu corpo pesar. Piscou para não chorar na frente dele. Queria poder falar sobre Eric, queria dizer o que ele lhe dissera, queria que Eric estivesse ali porque Liam merecia conhecê-lo. — Mas, sim, estou procurando uma forma viável, mas não sou como Azazel e Mamon, o que me prende é diferente. Nunca vou deixar de tentar, você sabe que não, mas não tenho noção de quanto tempo isso pode demorar. — Sara sentia a garganta arder com as palavras. — Por enquanto, meu corpo é a única coisa que me permite ficar aqui.

— Você desapareceu por cinco anos, cinco anos em que não tive tempo de dormir, respirar e pensar porque tinha duas crianças dependendo de mim, porque estava assumindo suas responsabilidades, fazendo o que você tinha me prometido que faríamos juntos. — Havia tanta mágoa na voz dele que Sara recuou um passo, sentindo-se sufocada. As luzes vacilantes lhe deixavam enjoada, só queria poder abraçá-lo e ficar ali para sempre, prometer para Liam que não iria a lugar algum. — Agora você está me dizendo que estou sozinho de novo? — Tudo desabou dentro de si num golpe súbito, porque ele nunca lhe acusara assim, por mais que soubesse que Liam pensava nisso e suprimia a raiva.

— Eu sinto muito...

— Não, eu sinto muito — interrompeu Liam, as mãos fechadas ao lado do corpo quando lhe encarou. — Sinto muito por ter dado a eles a esperança de que você estaria aqui, por ter dito que você estaria presente. Eu sinto muito, porque eles mereciam melhor. — Aquilo fez com que as lágrimas transbordassem, percorrendo todo o caminho das bochechas. Sara tremia levemente, abraçou o próprio corpo para tentar se acalmar.

— Por favor, não aja como se isso fosse minha escolha, porque não é.

— Não quero ouvir suas justificativas. — Ele se virou e deu a volta para entrar no carro. Simples assim, sem se despedir, nem parar para ouvir. Sara apenas se encolheu, parada na calçada quando viu o carro se afastar. As lágrimas continuavam escorrendo, mas sentia-se vazia, mal sentindo o molhado do rosto.

A rua ficou vazia sem o carro dele, sentiu-se engolida pelo silêncio e escuridão, esmagada pelo peso da noite. Ficou ali um tempo, tentando se acalmar, juntar forças para secar as lágrimas e parar de tremer.

Aquilo lhe fazia voltar para os últimos meses de casamento, para as discussões que pioravam e pioravam a cada dia. A diferença era que agora não precisava dormir na mesma cama que ele.

Lentamente, subiu as escadarias e voltou para o apartamento, ouviu a voz de Bethany e de Noah quando passou pelo corredor de entrada. Eles estavam rindo, animados e felizes como deveria ser.

Os dois ainda estavam num torneio de videogame quando Sara se juntou no sofá com eles, sentando-se ao lado de Bethany. Sentia que estava observando tudo de uma redoma, não conseguia internalizar a risada dos dois, sentir a mesma animação.

— Você é péssima nisso — reclamou Noah, apertando os botões do controle com agilidade. Ele fixava os olhos na tela, mexendo sem olhar pra onde estava clicando, só movendo o polegar com tanta rapidez que era impossível acompanhar.

Bethany fez uma careta. Eles estavam jogando algum jogo barulhento de luta, Bethany estava claramente perdendo.

— Porque eu entregava os trabalhos da escola no prazo, em vez de ficar jogando a madrugada inteira — provocou ela, mas sem tirar os olhos do jogo. Seus dedos não eram tão velozes quanto os de Noah.

— E você morreu — declarou o loiro, dando um último golpe na guerreira que representava Bethany. A tela se dividiu em duas, declarando o vencedor e a pontuação final.

Bethany deixou-se cair para trás com um ruído frustrado, soltando o controle. Ela finalmente se virou para lhe encarar, depois se aproximou de forma preocupada.

— Você está bem? — Sara forçou um sorriso e assentiu, esperando que fosse convincente. Havia secado as lágrimas, mas ainda sobravam vestígios em sua face do que acabara de acontecer.

Eles ficaram jogando videogame até tarde. Aproveitou a companhia dos dois, ficou os observando enquanto jogavam e competiam. Aquilo lhe animou um pouco, mas então a madrugada chegou e o silêncio voltou quando Bethany e Noah foram dormir. Permaneceu no sofá, observando a cidade pela sacada, as palavras de Liam ecoando em sua mente.

Eles mereciam melhor.

E ele tinha razão. Bethany e Noah mereciam melhor, mereciam uma mãe que pudesse estar presente, que pudesse estar ali para apoiá-los quando precisassem. Arthur apareceu quando a lua já estava alta, Sara sentiu-se aliviada porque ele lhe impediria de se afogar nos próprios pensamentos.

Quase jogou-se nos braços dele quando atravessou a sala para encontrá-lo.

— O que aconteceu? — Talvez tenha sido o modo como prolongou o abraço, como escondeu a face no ombro dele, mas Arthur percebeu imediatamente que havia algo errado.

— Eu... — Sara não conseguiu completar a frase, as lágrimas lhe interromperam com um soluço fraco. Bastou uma pergunta dele para que tudo desabasse, para que todos os sentimentos que estava tentando conter transbordassem.

Ele lhe abraçou mais forte, envolvendo uma mão em sua cintura.

— Está tudo bem — sussurrou Arthur, e a voz protetora dele lhe fez se sentir melhor, mas as lágrimas não pararam. Ele lhe colocou no sofá, mas continuaram abraçados por um tempo, até que Sara se acalmou. — Quer falar sobre isso? — Ele tinha um tom atencioso, esperou que Sara secasse as lágrimas para perguntar.

— Eu só não faço a mínima ideia de como contar para eles — confessou num tom baixo para não acordar Bethany e Noah. Arthur acariciou sua mão, tentando lhe confortar. — Falei com Liam, foi horrível. — Não tinha vontade alguma de falar com Arthur sobre a discussão com Liam, então não falou mais nada, nem ele fizera mais perguntas.

Arthur não tentou dizer nenhuma palavra de consolo, apenas lhe abraçou em silêncio, e aquilo foi melhor. Sara inspirou fundo, tentou esvaziar os pensamentos. Estava exausta. Mentalmente, energeticamente.

Foram para a cama, deixou que Arthur lhe aconchegasse em seus braços. Ainda assim, estava inquieta, mesmo com a luz apagada, com a presença de Arthur ao seu lado, lhe abraçando.

— As crianças... — sussurrou preocupada. Falar a verdade sobre sua relação com Arthur não estava nos planos, haviam concordado nisso. Abriria espaço para muitas perguntas que não poderiam responder, Arthur também estava sendo cuidadoso, deixando que escolhesse o momento certo para que Bethany e Noah o conhecessem.

Precisava acabar com aquilo, queria ele perto, não eram dois adolescentes saindo escondido. Mas isso poderia ser resolvido na manhã seguinte, não precisavam fazer nada agora.

Arthur sorriu e se inclinou para lhe dar um beijo rápido nos lábios.

— Não se preocupe, nós damos um jeito. — Sara assentiu e adormeceu nos braços dele.

« ♡ »

Noah percebeu que Bethany ainda estava dormindo quando se levantou.

Havia mais de uma voz no apartamento, mas uma voz masculina que não era de seu pai, nem de ninguém conhecido. Encontrou a mãe na cozinha, mas seu olhar foi direcionado para a companhia nova e seus olhos dourados cintilantes.

Os dois estavam sentados lado a lado, a mesa tomada de livros velhos, até mesmo uma bíblia jogada no canto da bagunça.

— Noah, este é Arthur, ele está me ajudando com Mamon. — Sua mãe sorriu e trocou olhares com Arthur, ele estava cercado de luz dourada. Como um querubim, percebeu. Fazia tempo que Noah não via um sorriso tão sincero e despreocupado no rosto de Sara.

O loiro apenas assentiu lentamente, imaginando quando ele chegara ali. Ainda era bem cedo e não ouviu a porta abrir durante a manhã, mas não questionou. O cumprimentou rapidamente antes de checar o horário no celular.

— Combinei de passar a manhã na piscina com Nick — falou. Haviam decidido aproveitar enquanto as aulas estavam suspensas, fazer render o tempo que tinham antes de Nicholas ir para Nova York.

Para sua surpresa, a mãe apenas assentiu lentamente.

— Não esqueça o protetor solar. — Ela inclinou-se para um livro, Noah estreitou os olhos. O dia estava realmente ensolarado, sem sinal de novas catástrofes naturais, nem chuva, mas isso não era o mais estranho.

— Nada de milhares de perguntas desconfiadas sobre ele?

— Acredite em mim, ele não vai querer mexer com você. — Sara levantou o olhar com uma sobrancelha erguida. Noah revirou os olhos com uma risada, já se virando para voltar ao quarto e preparar a bolsa com o que precisava para sair. — Não estou brincando, eu tenho um exército! — complementou Sara, quando já estava no corredor. Apesar do tom de brincadeira, Noah achou ter ouvido um fundo de verdade naquilo.

Nicholas chegou meia hora depois, Noah desceu para encontrá-lo. A casa dele era do outro lado da cidade, já conhecia o trajeto, então aproveitou o caminho até lá com a janela aberta, o sol alto e Fall Out Boy vibrando no rádio.

Passaram pela cozinha, a mãe dele estava em casa, para sua surpresa. A vira uma vez, quando fora até a casa dele depois da tempestade de raios, mas mal se falaram. Foi a mesma coisa desta vez, Miranda estava reclinada sobre a mesa e focada num notebook, os cabelos escuros exatamente iguais aos de Nicholas cobriam o rosto fino. Passaram rapidamente pela cozinha, cumprimentando-a e depois seguindo para a área dos fundos.

Nicholas não havia feito mais festas depois de Ally, nem usaram a piscina depois daquilo. Noah estava acostumado com o local durante a noite, com o gramado iluminado por pequenos holofotes, a água ondulando e os coqueiros balançando com o vento.

Durante o dia, parecia muito diferente. Os muros altos bloqueavam a vista da cidade, a água azul e límpida cintilava em contraste com o gramado verde bem podado. Era um cenário muito tranquilo, diferente do caos de pessoas bêbadas e música alta das festas.

Noah deixou a mochila em cima de uma mesa da área coberta, depois foram direto para a piscina. O pequeno palco improvisado ainda estava montado no meio do gramado, mas provavelmente sairia dali assim que Nicholas se mudasse.

Sentia falta de estar ali com ele, da agitação da bateria, de ouvi-lo cantar.

— Que tal uma festa de despedida? — Noah se sentou na borda da piscina, Nicholas mergulhou para se aproximar e o loiro esperou até que ele emergisse. — Seria legal tocar com você uma última vez. — Não tocavam para muitas pessoas ultimamente, era desanimador. Gostava do caos e de outras pessoas cantando junto, da energia que sentia ao tocar para uma pequena multidão.

— Seria ótimo. — Nicholas sentou-se ao seu lado e sorriu, balançando os pés dentro da água. Os cabelos escuros estavam bagunçados e pingando, as gotículas de água como diamantes ao sol.

Passaram um bom tempo ali, embaixo do sol e água, até que Nicholas foi pegar alguma coisa para comer e Noah saiu da piscina para passar o protetor. A pele estava ardendo, esquecera-se completamente do conselho da mãe e era tão pálido quanto ela, o que significava que já estava vermelho nas duas horas que passaram no sol.

A mesa com sua mochila estava perto da porta da cozinha, Nicholas havia deixado dois vidros de protetor lá. O gel branco ardeu na pele avermelhada, estava espalhando o produto quando ouviu a voz de Nicholas e a mãe, os dois na cozinha.

— Então você é... gay? — Noah inspirou fundo ao ouvir a pergunta da mãe dele. Aparentemente, Miranda aceitava a sexualidade do filho, mas nem tanto assim. Era o que Nicholas dizia, pelo menos.

— Não, nem um pouquinho gay. — Noah podia praticamente ouvir o revirar de olhos de Nicholas. — Sou bi.

— Mas você está namorando um menino — apontou Miranda.

— Também como salada, mas não sou vegetariano. — Noah conteve uma risada.

— Ainda gosta de meninas? — Mais uma vez, Noah achou que pudesse escutar o revirar de olhos de Nicholas. Noah esfregou o protetor com força demais, a pele queimada ardeu.

Pessoas, mãe — corrigiu ele, num tom sem energia.

— O quê? — Nicholas suspirou pesadamente, houve silêncio por alguns segundos.

— Nada. — Ele não parecia nem um pouco com vontade de explicar que a bissexualidade não excluía pessoas não-binárias, um discurso que Noah já o ouvira fazer muitas vezes. — Estou com Noah, mas continuo sendo bi.

— Talvez ainda conheça alguma menina com quem possa ter uma família — comentou ela, então silêncio. Noah quase derrubou o tubo de protetor solar, subitamente enjoado.

— O que quer dizer com isso? — A voz de Nicholas se ergueu com uma pontada de indignação. — Que tudo bem eu ser bi, desde que me case com uma mulher?

— Não foi isso...

— Foi o que deu a entender — interrompeu o menino, soando ainda mais irritado. — A única pessoa com quem penso em estar agora é Noah. Talvez acabemos nos casando, tendo filhos, ou não, mas é com ele que estou agora. Não estou perdendo nada só porque não estou traçando o caminho para um casamento heteronormativo. — Aquilo lhe fez sorrir, era um pequeno consolo escutar Nicholas defender o relacionamento que tinham. Podiam estar no ensino médio, mas era bom saber que levavam a sério um ao outro.

— Talvez mude seu pensamento daqui a alguns anos. — Mais uma respiração pesada de Nicholas, Noah queria poder afastá-lo de Miranda.

— Não, não vou mudar — afirmou ele, num tom muito duro. — Noah já é minha família, ele sempre está presente, me convenceu a ir para Nova York, passa os dias comigo quando vocês estão viajando, me ouve quando preciso e se importa o suficiente para me entender. — Nicholas disse aquilo tudo sem precisar parar para pensar, aquilo lhe fez sorrir. — Então, sim, nós temos planos para o futuro e você vai precisar lidar com isso. — Não houve mais nenhuma resposta, passos soaram na medida que Nicholas se aproximava para sair da cozinha.

Quando ele finalmente saiu para a área coberta, Noah conteve o impulso de abraçá-lo forte. Nicholas ainda tinha um olhar distante, estava carregando três pacotes de salgadinho.

— Você está bem? — perguntou Noah, sentando-se numa das cadeiras ao redor da mesa e deixando de lado as insistentes manchas brancas do protetor.

Nicholas lhe olhou por um momento, depois se sentou na cadeira ao lado e colocou os salgadinhos em cima da mesa.

— Você ouviu. — Noah assentiu lentamente, até porque ele fizera uma afirmação, não uma pergunta. — Toda vez que consigo me abrir com eles, aquilo acontece. — Nicholas fez um gesto vago para a porta da cozinha. — Esse mesmo tom condescendente e nem mesmo uma tentativa de me entender. — Noah ficou um silêncio por um momento, sem saber como consolá-lo. Seus pais eram tão abertos e compreensivos que às vezes se esquecia que os de Nicholas não eram assim.

— Posso ajudar que alguma forma? Se eu puder fazer qualquer coisa... — Colocou a mão sobre a dele. Nicholas riu baixinho e apertou os dedos entre os seus.

— Quer trocar de pais? — brincou ele. Noah riu.

— Acho que é meio inviável, mas você pode tentar morar escondido no meu quarto, se quiser — ofertou num tom sugestivo, como se fosse uma oferta irrecusável. Nicholas riu, mas depois se ajeitou na cadeira e o sorriso desapareceu.

— Me sinto um robô repetindo constantemente sou bissexual, porque se eu não fizer isso, eles se esquecem — reclamou enquanto abria um dos pacotes de salgadinho e o esticava na direção de Noah. — Se eu fosse gay, aposto que eles entenderiam. Não ficariam felizes, mas entenderiam. Bissexualidade e pansexualidade estão fora da capacidade de entendimento. — Noah enfiou um punhado de salgadinho industrializado na boca, assentindo.

Antes de começarem a namorar, Nicholas já reclamava disso. Se estava com uma garota, então o viam como hétero, se estava com um garoto, então supunham que era gay. Ninguém nunca considerava perguntar, como Sara fizera quando Noah dissera que estava namorando Nicholas.

Haviam ligado música numa caixa de som, Nicholas pegou o celular para trocar a playlist, mas o som era mais alto perto da piscina.

— Quer voltar para lá? — Apontou para a água, e Nicholas sorriu quando negou com a cabeça. Ele estava passando protetor solar no rosto.

— É melhor ficarmos na sombra por um tempo, você está parecendo um camarão — provocou ele, batendo na ponta de seu nariz com o dedo e o sujando de protetor. Noah estava prestes a reclamar, mas então viu o olhar dele, meio sorrindo, meio preocupado. Um olhar de quem se importava.

Se aproximou e o beijou levemente, sorrindo contra os lábios dele.

— Eu te amo pra caralho — sussurrou, e foram interrompidos pelo toque eletrônico do celular. Era uma mensagem de Be thany, inclinou o celular para que Nicholas lesse também. — Aparentemente, fomos convocados para uma reunião do Clube Sobrenatural Super Secreto de Pais.

« ♡ »

Camila e Verônica estavam sentadas de um lado da mesa, Sara preferiu ficar em pé, recostada no balcão da cozinha, porque assim conseguia ver todos com mais facilidade.

Nicholas, Noah, Bethany e Ash estavam sentados do outro lado.

— Noah e Nicholas estarão longe da cidade no dia do eclipse, irão para Nova York durante a manhã. — Sara se voltou para Bethany, encarando-a com atenção. — Há alguma maneira de eu te convencer a ficar longe da cidade também? — Havia acabado de comprar a passagem de Noah, depois de Nicholas dar todos os detalhes sobre onde ficariam e quanto tempo passariam na cidade.

Sara não gostava muito da ideia, mas gostava menos ainda da ideia de ter os dois na cidade naquele dia.

— Não, absolutamente nenhuma. — Bethany balançou a cabeça com firmeza, Sara suspirou baixinho, mas teve de conter um sorriso. Se pareciam tanto em algumas coisas, tinham a mesma obstinação, mas Sara não sabia se aquilo era bom.

Sara concordou com receio. O que mais podia fazer? Depois de Bethany ter tirado a espada do lugar, depois de Clarissa relatar que ela fizera o ritual de banimento...

Evitava pensar sobre Thomas e Lilith, mas ela também merecia crédito por isso.

— Tudo bem, mas preciso ter certeza de que você se manterá segura — disse cuidadosamente, Bethany remexeu-se com impaciência.

— Por que nada do que eu faço é suficiente para provar que posso ajudar com Mamon? — reclamou fazendo uma careta, batendo ritmadamente com os dedos na mesa. Noah concordou levemente com a cabeça. — Eu meio que impedi o apocalipse nesta cidade, acho que mereço algum crédito depois de Lilith e Thomas. — Era bom ver que ela conseguia falar sobre aquilo sem parecer tão incomodada, Sara notou que ela tocava no assunto com mais naturalidade. Respondeu com um sorriso tenso.

— Só estou preocupada, Beth. — Ash se voltou para Bethany, os olhos brilhando levemente com admiração.

— Isso significa que você é um membro do Clube Sobrenatural Super Secreto de Pais agora? — sussurrou ela.

— Acho que precisamos mudar o nome — Bethany sussurrou de volta, sorrindo de canto de boca. Camila riu.

— Clube Sobrenatural Super Secreto de Pais? — A loira levantou as sobrancelhas. Ash assentiu energeticamente.

— É assim que chamamos vocês há alguns anos — explicou, e Sara riu. As crianças saíram para fazer alguma coisa fora do apartamento, Sara se sentou de frente para Camila e Verônica.

Mal as crianças saíram, Naomi chegou. Ela estava com Arthur, Rafael e Aislinn na biblioteca, numa reunião própria sobre os anjos, a geografia da cidade e algo assim. Sara estranhou quando Naomi apareceu sozinha.

— Arthur e Rafael engataram numa conversa sobre armas, não tem ninguém que consiga os tirar de lá — explicou, colocando a bolsa sobre a mesa e puxando a cadeira ao lado de Sara. — Então... Você e Arthur... — Naomi levantou as sobrancelhas de uma maneira sugestiva, Sara revirou os olhos e afundou na cadeira.

— Meu Deus, eu sou tão previsível assim? — reclamou franzindo as sobrancelhas. Verônica riu.

— Ele se encaixa completamente nos seus padrões — comentou ela, e Sara quase revirou os olhos de novo.

— Tudo bem, estamos juntos — admitiu em vez disso, depois hesitou um instante. Ainda não haviam falado sobre o que era aquele relacionamento, não haviam rotulado nada. — Ou acho que estamos, ainda não definimos muita coisa.

Naomi apoiou os cotovelos na mesa quando lhe encarou, os olhos claros estavam escurecidos de preocupação.

— O que você está fazendo? Se envolvendo com um querubim que não pode vir para cá? — Sara ficou em silêncio. Não sabia como começar a falar, como explicar tudo, apesar de tê-las chamado para isso. Naomi empalideceu de repente, os olhos azuis se arregalando quando lhe encarou. — Ele não vem para cá, você vai para lá, onde quer que seja — murmurou ela, quase sem voz para concluir a frase.

— Naomi... — Sara parou de falar quando Naomi se inclinou e colocou a mão em seu pulso, que estava apoiado em cima da mesa. Deixou que ela posicionasse os dedos, pelo menos assim não precisaria falar nada, ela saberia quando não sentisse nenhuma pulsação.

— Você nunca acordou — gaguejou a loira, indo para trás de súbito e tirando os dedos do pulso. Verônica e Camila também tinham olhares perplexos, Sara queria poder fugir daquelas expressões preocupadas e horrorizadas.

— É sobre isso que eu queria falar. — Tentou controlar a voz, usar um tom seguro e suave, mas não funcionou. Sentia-se rouca, fraca. — Não posso acordar, não posso ficar aqui. Acreditem, eu tentei, tentei muito, nunca vou deixar de tentar, mas simplesmente não sei como resolver isso, nem posso. — Silêncio na cozinha, ninguém parecia saber o que dizer. Os lábios de Camila tremeram quando ela falou.

— Talvez possamos procurar algo, deve haver algum modo...

— E há, mas não estou disposta a tentar porque não sou Lúcifer — falou suavemente, mas um calafrio tomou seu corpo. Lúcifer transformara sua vida em um inferno em nome de seus poderes, de sua liberdade.

Camila não disse mais nada, apenas empurrou a cadeira com um rangido alto e saiu da cozinha, os olhos brilhantes com lágrimas não derramadas. Segundos depois, Verônica foi atrás, mas Sara continuou ali, paralisada e afundada na cadeira.

— Você está bem? — perguntou para Naomi, e ela demorou para responder. A loira manteve a expressão baixa por alguns segundos, Sara viu os olhos azuis se iluminarem quando ela lhe encarou, transbordando.

— Não aguento perder você mais uma vez — confessou, e Sara sentiu o ar fugir, os próprios olhos arderem. Não queria perdê-la também, estava tão focada em Noah e Bethany que não pensara nas outras pessoas de quem abriria mão. — Nós tivemos tão pouco tempo, eu... — Sara não soube como responder, apenas a encarou, desta vez sem conseguir conter as próprias lágrimas — queria que tivéssemos crescido juntas, como deveria ser. Nós deveríamos ter sido uma família, não é justo que Lúcifer ainda tenha tanto controle sobre nossas vidas. — As palavras de Naomi giravam no ar.

Não é justo. Não é justo. Não é justo.

Havia sacrificado muito para derrotá-lo. Perdera Eric, parte da infância de Noah e Bethany; seu relacionamento com Liam fora totalmente arruinado por cicatrizes que nem eram sua culpa. Perdera anos e anos sem conhecer Naomi, sem saber que tinha uma irmã.

E agora, depois de tantos anos, tantos sacrifícios e batalhas, ele continuava ferrando com tudo. Com seus poderes, com seu legado. Estava deixando sua família por causa dele, das consequências que Lúcifer trouxera.

Não era um desfecho bonito, mas pelo menos era um desfecho. Quem sabe conseguiria expulsar Lúcifer de sua vida, manter as consequências longe de sua família. Não veria Bethany e Noah crescerem, mas pelo menos sabia que eles teriam um pouco de paz.

— Você é minha família, Naomi. Sempre foi, nunca vai deixar de ser. — Colocou a mão sobre a dela, torcendo para que Naomi não percebesse o quanto tremia. Desistira de tentar se forte, deixou que as lágrimas escorressem livremente e que ela visse. — Você nunca vai me perder, eu juro — disse com uma convicção falha, e ela forçou um sorriso fraco por baixo das lágrimas. Quando Naomi se acalmou, foi encontrar Camila na sala. Ela e Verônica estavam na sacada, encarando a cidade iluminada pelo sol alto.

Camila não se virou quando ouviu seus passos, mas Verônica se afastou para lhes dar privacidade e voltou para a cozinha. Sara andou até a sacada e parou ao lado dela, recostando-se no cercado de metal. As lágrimas de Camila brilhavam como diamantes no sol, esperou que ela falasse primeiro, então ficaram por um bom tempo em silêncio, apenas ouvindo o barulho do trânsito da rua abaixo.

— Eu odeio minhas fotos de casamento com Verônica porque vocês não estão lá — confessou ela, o olhar perdido no horizonte da cidade, a voz tremendo. — Você, Liz, Sofia... Merda, vocês deveriam estar comigo, porque pareceu simplesmente errado me casar sem vocês ao meu lado. Eu olho para aquelas fotos e parece tudo vazio, porque nós sempre prometemos que estaríamos juntas nos momentos mais importantes. — Sara já havia se rendido totalmente às emoções, apenas inspirou fundo e apertou agrade com força. Era bom que Camila não estivesse lhe encarando, porque não conseguiria olhar nos olhos dela. — Você não pode fazer isso comigo, vocês não podem fazer isso comigo. Nós costumávamos ser uma família, como foi que tudo isso aconteceu? — Sara estremeceu, sem voz, sem forças. Sabia que o momento seria ruim, só não sabia que seria tão ruim. Sentia-se uma pessoa horrível. Horrível por deixar Camila para trás, por deixar os filhos para trás, e pior, não ter coragem de contar para eles a verdade. Tudo aquilo pesava, lhe arrastava para o chão. Se desabasse, nunca mais levantaria.

Se aproximou lentamente e abraçou Camila de leve, inspirando fundo.

— Não é minha escolha, Cami — suspirou pesadamente, fechando os olhos por um momento. A visão estaria borrada por causa das lágrimas, de qualquer forma. Quem sabe assim parasse de chorar.

— Eu sei — admitiu ela. Mais tempo em silêncio, Sara abriu os olhos para encarar a cidade iluminada. Talvez, assim como a cidade, pudesse se reconstruir aos poucos, remontar sua estrutura como faziam com os fios de luz e blocos de concreto. — Beth e Noah sabem? — Aquela pergunta quase lhe fez desabar. Sara apertou os lábios, depois mordeu o interior da bochecha. Queria sentir algo que não fosse essa extrema agonia e vazio, mesmo que fosse dor.

— Eu esperava que contar para vocês me ajudasse a criar coragem para conversar com eles — confessou num tom trêmulo. Camila lhe olhou com uma mistura de pena e compaixão, depois lhe abraçou.

Sara inspirou fundo e tentou não se afogar nas próprias lágrimas. Entrelaçou as próprias mãos para que parassem de tremer. Um passo de cada vez.

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