Estamos Com Você | Capítulo Vinte E Um
— Você sabia que Ally ia morrer, não é? Por isso não nos deixou ir para a festa naquela noite — murmurou Bethany, enquanto seu pai limpava as feridas com um algodão umedecido. O branco se tornava vermelho quando deslizava pelo corte profundo, a garota apertava as mãos em punhos para resistir ao ardor do anticéptico.
— Eu não sabia que ela ia morrer, mas sabia que havia algo estranho e não queria que vocês estivessem lá — explicou ele. Bethany mordeu o lábio e observou a cozinha silenciosa, lembrando-se da madrugada em que Ally morrera. Encontrara sua mãe e Elisa quando descera as escadas, mas agora Noah e Candace ocupavam a mesa. — Algumas vezes eu posso sentir quando uma pessoa está próxima da morte, mas na maioria das vezes é como ver um céu tempestuoso, você nunca sabe se vai chover. É só um pressentimento, então ajudo como posso — continuou Liam, e ela engoliu a seco. Quantas pessoas ele atendera no hospital, mesmo sabendo que morreriam? Quantas vidas condenadas ele já tentara salvar?
Candace havia empalidecido do outro lado da mesa, os olhos brilhantes em um misto de surpresa e desespero enquanto o ouvia.
Seu pai não havia escondido nada dela, percebeu. Nem Candace pareceu assustada quando viu a criatura em seu quarto, o que lhe fazia pensar que ela estava por dentro de todo o drama sobrenatural — o que era um alívio, porque não sabia como Liam conseguiria explicar o acontecimento e a conversa que estavam tendo.
— O que acontece agora? — perguntou quase sem voz. Ele enrolava seu ombro com uma faixa, concentrado no curativo.
— Aquele demônio tinha a energia de Mamon, o que me faz pensar que Lilith esteve aqui para abrir um portal por onde os demônios possam passar. Já faz um bom tempo que Rafael e Naomi têm bloqueado toda tentativa deles de vir para cá — explicou, jogando mais um algodão ensanguentado sobre a mesa da cozinha enquanto Noah lhe alcançava o anticéptico. — Vou alertar Rafael, vamos tentar fechar o portal o mais rápido possível. — Bethany encarou a bagunça sobre a mesa com melancolia, pensando que horas antes tudo parecia estar bem, estavam sentados em volta daquela mesa e jantando como se nada de ruim pudesse acontecer.
— Por que trazer os demônios para cá? — Seu pai não respondeu, pôde perceber a tensão em sua face e nas mãos cuidadosas. Candace permaneceu calada, olhando para baixo com um ar distante.
— Guerra. Ele está planejando uma batalha. — Foi Noah quem respondeu, Bethany sentiu um engasgo na garganta, a impressão de que havia vômito preso ali.
Liam suspirou e finalmente terminou o segundo curativo, levando a mão até os cabelos escuros da garota para um afago gentil. Os olhos eram atenciosos e tranquilizadores, mas isso não diminuiu o enjoo que Bethany sentia.
Será que se chamasse por Elisa, ela apareceria?
— Tente descansar, vou me certificar de que eles não possam mais entrar aqui — disse ele. Bethany riu secamente, pensando no que veria quando apagasse a luz.
— Você quer que eu volte a dormir depois de tudo isso?
— Você precisa tentar, o segredo é não deixar esse medo te controlar — disse seu pai. Bethany engoliu a seco e percebeu que não tinha muitas opções, afinal. Precisava continuar vivendo.
Subiu para o próprio quarto, deixou a porta aberta para que a luz do corredor iluminasse o cômodo. Nem isso bastou, continuava acelerada e apavorada, sem conseguir fechar os olhos. Não tinha o celular para se distrair até pegar no sono, então resolveu se enrolar na coberta e ir dormir na sala, tentar se distrair com a televisão enquanto isso.
A casa inteira estava silenciosa, seus planos de ir para a sala foram interrompidos quando viu que Candace e seu pai estavam lá, Candace encolhida no sofá e Liam sentado ao seu lado. Parou por um momento, pois Candace estava meio encolhida e distante, havia alguma coisa errada na expressão dela.
— Foi assim que você me encontrou naquele dia, não é? Quando nos conhecemos... Eu ia morrer — balbuciou ela, o olhar baixo no tapete e a voz falhada. — Aquela... coisa — ela se encolheu entre as almofadas, os cabelos loiros caindo na frente do rosto — não teria matado apenas meu amigo se você não tivesse aparecido antes — concluiu. Bethany não soube como processar aquilo.
Candace havia desviado da pergunta sobre como havia conhecido seu pai, mas fazia sentido que ela quisesse omitir essa memória dolorosa.
— Foi por isso que insisti para que você ficasse no hospital — respondeu Liam, tentando confortá-la. A televisão estava desligada, a voz dos dois soava sussurrada no silêncio da madrugada. — Você estava em choque e machucada, mas seria liberada em pouco tempo se eu não tivesse insistido. Te mantive no hospital o resto da noite para me certificar de que você ficasse segura — explicou ele, se aproximando dela e puxando-a para si. — Você está bem? Depois de tudo o que aconteceu agora há pouco?
— Está tudo bem, sei me defender e sei com o que estou lidando, é melhor assim, não é como se eu pudesse fugir do sobrenatural. Naquele dia, eu sabia que você tinha me salvado, acho que só não percebi o quão perto da morte estava — sussurrou ela, e só então Bethany percebeu que não deveria estar ouvindo aquilo, invadindo um momento tão pessoal. Seu pai havia passado os braços em volta dela, Candace retribuiu o abraço e o rosto estava escondido no pescoço dele. — Obrigada por ter me mantido naquele hospital, eu teria enlouquecido se você não tivesse passado a noite comigo — ouviu-a dizer, quando já estava subindo as escadas para voltar ao quarto.
Foi para a cama, desta vez tentou focar os pensamentos em coisas esperançosas, como Candace sendo salva, Aislinn voltando e dizendo que estava bem, sua mãe acordando e presente na formatura, lhe abraçando forte depois que pegasse o diploma.
Dormiu pouco naquela noite, mas não teve nenhum pesadelo.
« ♡ »
Bethany ensaiou cinco vezes com Nicholas antes da audição, consideraram que foi o suficiente porque ambos tinham decorado a partitura da música, então era só questão de combinar as vozes e criar afinidade.
As audições foram organizadas na parte da tarde, no auditório da escola — a audição era um pouco antes do treino das líderes de torcida, então estava usando o uniforme do time. Era um auditório pequeno e abafado, Bethany já havia se apresentado ali algumas vezes, quando fazia aulas de música.
Noah e Nicholas já estavam ali quando chegou; Noah atrás de uma bateria no palco, Nicholas na primeira fileira de poltronas. Desceu as escadas do corredor central, que dividia as fileiras de assentos, e sentou-se ao lado de Nicholas.
Havia poucas pessoas e o auditório estava quase vazio, apenas os professores que estavam organizando o musical e outros alunos que fariam alguma audição.
Trocou poucas palavras com Nicholas enquanto observava Noah na bateria, mal notando enquanto o tempo passava. Finalmente foram chamados ao palco, Nicholas parecia tranquilo e isso lhe acalmou também — afinal, ele já tinha certa experiência cantando para grandes plateias.
Inspirou fundo quando se posicionaram no centro do palco, porque era Veronica Sawyer quem começava cantando aquela música. Noah piscou e sorriu para lhe encorajar, Bethany sorriu de volta para ele.
Quando a música começou, cantar foi natural, porque tudo era familiar em uma música que já havia escutado milhares de vezes.
Tá bem!
Fomos machucados
Realmente machucados
Mas isso não nos torna sábios!
Começou a música, as frases cantadas e meio gritadas, porque aquela era uma discussão entre Veronica e Jason Dean. Nicholas estava de costas, como na cena original do musical enquanto os protagonistas discutiam.
Não somos especiais! Não somos diferentes!
Nós não escolhemos quem vive ou morre!
Se aproximou de Nicholas e colocou a mão sobre o ombro dele, suavizando o tom e cantando com mais ritmo.
Vamos ser normais, ver filmes ruins
Roubar uma cerveja e assistir televisão
Nicholas se virou e os dois cantaram juntos, Bethany sentiu-se mais confiante enquanto a música avançava, elevando a voz e cantando com mais vontade. Conhecia aquela melodia como a palma da mão, deixou que sua voz preenchesse o auditório.
Não podemos ter dezessete anos?
Isso é tudo o que eu quero fazer
Seus olhos ardiam quando entrelaçou os braços com Nicholas, desviando o olhar. Cada pedaço da letra era pessoal, se identificava com cada frase.
Os olhos arderam ao cantar o refrão, ouvindo a voz dos dois se misturar por todo o auditório. Nicholas colocou a mão em seu queixo e levantou seu rosto com cuidado, lágrimas pingavam nas bochechas da menina.
Ele lhe encarou de forma incisiva e Bethany entendeu o que queria dizer. Veronica e J.D eram um casal, precisaria ao menos olhar para ele se quisessem se passar por um.
Deixem-nos ter dezessete anos
Se ainda temos esse direito!
Bethany o olhava nos olhos enquanto cantavam juntos a plenos pulmões. Estava tão envolvida na música que Nicholas quase desaparecia em sua frente, só restava a melodia e a própria voz.
Obviamente que pularam a parte do beijo, já era o suficiente que estivessem abraçados para interpretar a música. Bethany ofegava quando terminaram de cantar, mais lágrimas escorrendo quando finalizaram a música lentamente, cantando as últimas frases.
Nicholas se afastou lentamente e lhe encarou de forma atenciosa.
— Você está bem? — perguntou baixinho. Bethany assentiu com a cabeça, limpando as próprias lágrimas e respirando fundo. A música ainda girava em sua mente, ecoando em seu peito. Não podemos ter dezessete anos? É tudo o que eu quero fazer.
Os aplausos dos professores cortaram o silêncio, Nicholas sorriu de maneira confiante e Bethany retribuiu o sorriso com sinceridade.
« ♡ »
Cantar lhe abalou de um modo que não havia previsto, mas sentia-se mais leve depois de se apresentar. Fazia um tempo que não cantava, não se lembrava desse efeito catártico que acompanhava os acordes finais.
Estava saindo do auditório sozinha, já que Nicholas esperaria o final das audições com Noah, mas foi interrompida assim que colocou os pés para fora.
— Vem comigo! — Valerie não lhe deixou responder, agarrou seu pulso e lhe arrastou pelo corredor cheio de armários. Precisava ir para o ginásio, mas Valerie lhe puxava para a direção contrária.
— O que houve? Eu tenho treino... — começou a dizer, mas a menina lhe interrompeu.
— Eu sei, confie em mim — pediu. Bethany revirou os olhos e a seguiu pelos corredores sem graça do colégio, até que Valerie lhe puxou para um dos banheiros. Estranhou a porta fechada, porque sempre ficava aberta, achou mais estranho ainda quando encontrou o time de líderes de lhe esperando.
— O que... — começou, um tanto confusa.
— Os novos uniformes para a última apresentação chegaram — disse Leah, a líder do time. Ela girou para que Bethany pudesse ver a roupa, um top roxo metálico e shorts curto preto, o logotipo da escola estampado no peito e a mangas com desenhos delicados em veludo.
Bethany perdeu o fôlego, um sorriso enorme iluminando sua face.
— O modelo que eu desenhei — falou, ainda tentando superar o choque ao ver que todas vestiam o uniforme que havia desenhado meses atrás. — Achei que tivessem escolhido outro — deixou escapar, porque ninguém havia comentado sobre o uniforme e o assunto fora esquecido. Leah sorriu, negando com a cabeça.
— Queríamos fazer uma surpresa — explicou ela, e as meninas assentiram. Estavam todas espalhadas pelo banheiro, as pias lotadas de maquiagens e escovas, até mesmo um babyliss se destacando no meio da bagunça. — E também dizer que nós estamos com você, sabemos que você está passando por uma fase difícil.
— E Thomas é um idiota — complementou Hayley. Bethany não a conhecia tão bem, mas ela disse aquilo com tanta certeza que quase a abraçou em agradecimento.
— O time inteiro de futebol é, mas infelizmente precisamos torcer por eles — zombou Leah, e as outras garotas riram, concordando. — Somos um time, se eles vão falar aquilo sobre você, então que estejam preparados para aguentar todas nós — afirmou ela, e Bethany ouviu um ruído coletivo de apoio.
— E o treino de hoje é basicamente comer muita pizza e chocolate, xingar o time de futebol, ouvir Beyoncé e tacar muita maquiagem nessa carinha de choro — falou Valerie, com animação.
Bethany riu baixinho, os olhos marejados e arregalados. Estava impressionada.
— Vocês são incríveis! — exclamou, abraçando Valerie e Leah ao mesmo tempo. Logo, todas as meninas estavam envolvidas num abraço coletivo, Bethany notou que a música já estava ligada. Riu quando percebeu que Beyoncé realmente estava cantando.
Who run the word? Girls.
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