Deixe Que Ele Venha | Capítulo Quarenta E Quatro
Sara se ajeitou ao lado de Bethany, mas não se deitou. Ficou inclinada num travesseiro, recostada na parede. Virou-se para a menina, desta vez encarando-a com atenção e aproveitando o primeiro momento que tiveram sozinhas até então.
— Você está bem? Seu pai e Noah me contaram que passou por muita coisa — perguntou cuidadosamente, levantando a mão para acariciar seus cabelos e enrolando uma mecha molhada entre os dedos.
Bethany assentiu, mas Sara viu certa relutância no gesto.
— Estou melhor, me afastar daqui me fez bem. Cass me ajudou muito também, conversamos bastante — confessou numa voz rouca de cansaço, puxando a coberta para cima. Sara sorriu e assentiu, feliz que ela e Clarissa se deram tão bem. — Foi difícil sem você aqui — ela desabafou, ajeitando-se para que ficassem bem próximas. Sara afundou na cama para ficar mais perto dela, sentiu o cheiro de incenso preenchendo tudo ao seu redor. Sorriu tristemente, sem conseguir conter a própria melancolia.
— Sinto muito, princesa, queria ter estado aqui para ajudar. — Bethany tinha uma expressão leve ao lhe encarar, os lábios curvados de maneira compreensiva.
— Tudo bem, já passou e papai me ajudou enquanto isso — tranquilizou, se aproximando um pouco para apoiar a cabeça em seu braço. — Você conhece Candace? — questionou depois de um tempo em silêncio.
— Seu pai falou comigo antes de pensar em apresentá-la para vocês, mas então tudo isso aconteceu — respondeu Sara, fazendo carinho nos cabelos escuros dela. Tinham cheiro doce de shampoo. — Mas, sim, eu a encontrei uma vez. Conversamos sobre os poderes dela, eu a ajudei em algumas coisas. Eles não estavam juntos ainda. — Liam lhe ligara e pedira ajuda, encontrou a loira ainda no hospital, ela parecia um tanto aterrorizada e estava cheia de machucados. Passaram horas conversando, Sara a acalmando e explicando para Candace sobre as criaturas que ela vira e como se proteger, como usar os próprios poderes ao seu favor. Notou as sobrancelhas erguidas de Bethany, cheias de desdém. — Beth, eu e seu pai não somos mais casados, preciso que seja legal com Candace. Estou bem com isso, é sério — pediu, porque Liam havia falado sobre como fora o primeiro encontro das duas, que ela ainda guardava certa mágoa, apesar de estar tentando lidar com o novo relacionamento. Bethany revirou os olhos de uma forma teatral, Sara sentira falta dessa dramaticidade. — Ei, eu vi isso — reclamou, mas estava rindo levemente porque sabia que Bethany só estava exagerando. A menina riu também, mas a risada se transformou num bocejo em poucos segundos.
Bethany lhe abraçou levemente, fechando os olhos.
— Eu amo você — murmurou. Sara a abraçou de volta.
— Eu também te amo, princesa. — A chamava assim desde sempre, Bethany nunca reclamara.
— Me acorda quando papai e Noah chegarem? — Sara prometeu que a acordaria, então Bethany se ajeitou no travesseiro. Ela devia estar exausta depois de usar tanta energia para manipular a espada. Silêncio por um momento, Bethany levantou a cabeça alguns poucos minutos depois. — Por que você não está com ninguém? — Sara ficou surpresa demais para esboçar uma reação imediata, mas então começou a pensar na resposta.
Deveria falar sobre Arthur? O que deveria falar sobre ele? Não haviam definido nenhum rótulo. E, principalmente, como falar sobre ele sem que Bethany fizesse milhares de perguntas que não poderia responder no momento? Não queria estragar o descanso e a alegria dela.
Sara deu uma risada anasalada, disfarçando o desconforto.
— Porque minhas prioridades no momento são outras, tipo impedir o apocalipse e cuidar de dois filhos que estão sempre enfiados em encrencas sobrenaturais — brincou com leveza, mas Bethany balançou a cabeça de forma insistente.
— Não é desculpa, você está sempre de salto e batom vermelho, que cara não adoraria isso? — Ela se inclinou para levantar, como se tivesse se empolgado com a conversa. — Você tem esse ar de acadêmica pesquisadora séria, mas sexy. — Aquilo lhe fez gargalhar, incrédula.
— Estou sempre arrumada porque passo o tempo inteiro dando palestras e coordenando grupos de estudo, não é para agradar nenhum homem. — Sara fez com que a menina se deitasse de novo, fingindo seriedade ao lhe encarar. — Vai dormir. — Bethany riu também, mas desta vez dormiu de verdade, em poucos minutos estava respirando profundamente. Esperou mais um pouco, só para ter certeza de que não a acordaria quando saísse do quarto, e foi encontrar Aislinn e Clarissa na cozinha. Elas estavam conversando baixo, num tom quase conspiratório.
— Você vai ficar por aqui? — perguntou para Clarissa, curiosa sobre o que ela planejava. Não sabia se ela sumiria de novo com Azazel, ou ficaria na cidade para ajudar.
— Por enquanto, acho que é o melhor a se fazer. Talvez Azazel esteja planejando ficar na cidade também — concordou a loira, e seus olhos arroxeados assumiram um tom mais escuro de tensão. — Agora que temos a espada, aposto que Mamon virá atrás de nós. Talvez ele decida esperar pelo eclipse, talvez ataque antes. — Sara olhou para a espada no canto da cozinha, recostada numa parede tão branca que destacava seu brilho de obsidiana. Era um ponto importante a se considerar.
— Vocês o viram na cidade, certo? Não vale a pena atacar? — sugeriu Aislinn, mas sem muita convicção. Clarissa parou por um momento, analisando as chances. Sara não arriscou responder, porque queria falar com Arthur antes de tomar uma decisão tão grande.
Ele estava esperando por uma batalha final, precisava poupar esforços — quando atacasse, seria para finalizar a guerra.
— Acho que o que vimos foi um momento passado, antes da espada ser tirada de lá, julgando como os dois pareciam felizes com o incêndio. Eles podem ter saído daqui — argumentou Clarissa, Sara pensou por um momento e assentiu.
— Deixe que ele venha, é o que esperamos.
« ♡ »
— Você voltou! — Bethany se escondeu debaixo das cobertas, Noah falava alto intencionalmente para lhe acordar. Manteve os olhos fechados, colocando a cabeça embaixo do travesseiro.
— Não, não tem ninguém aqui — rebateu com um bocejo, ainda zonza de sono. Ouviu a risada de Noah, mas estava quase cochilando de novo.
— Os ensaios de Heathers voltaram hoje, estou indo para lá agora. Por que você não vem? — Isso fez com que a menina saísse debaixo das cobertas, interessada. Aquilo parecia uma boa ideia depois da tensão dos últimos dias, talvez lhe ajudasse a se distrair. — Estamos tentando algo acústico, já que não temos eletricidade. — Bethany não precisou de mais nada para ser convencida, levantando a cabeça para encarar Noah. O ensaio de Heathers e as músicas lhe confortariam, ajudariam a tirar Mamon da mente.
Se arrumou o mais rápido de pôde e colocou uma faixa no cabelo espetado — deveria tê-lo secado antes de dormir, o travesseiro o deixava impossível. Seu pai também estava ali e lhes levou de carro para o ginásio da escola, que não havia sido afetado pelo terremoto e tinha um pequeno palco nos fundos.
Observavam as ruas movimentadas durante o trajeto, a cidade estava cheia de funcionários uniformizados arrumando fios de eletricidade e removendo entulho com grandes máquinas.
O ginásio já estava movimentado quando entraram, havia cadeiras espalhadas num círculo no centro da quadra. O lugar estava escuro, mesmo com as luzes de emergência ligadas — a quadra era muito grande e as luzes não cobriam todo o lugar, dando a impressão de que as paredes cinzentas estavam ainda mais escuras e frias.
Nicholas estava sentado numa das cadeiras do círculo, além dele, só reconhecia Leah no elenco, ela faria o papel de Heather Chandler. Os outros rostos eram desconhecidos, só notou a professora Hellen quando ela se levantou, sorrindo abertamente ao lhe ver.
— Beth, como é bom te ver! Você voltou de vez para os ensaios? Está melhor? — A professora se afastou do círculo de cadeiras para lhe abraçar. Ela usava um vestido florido e longo, os cabelos castanhos estavam mais curtos do que Bethany se lembrava.
Sentiu cheiro de rosas vindo do perfume dela quando se afastaram.
— Sim, estou bem. Não vou voltar para as aulas, mas os ensaios estão liberados — disse, alegre por ela lhe dar a chance de retornar para o musical. Hellen não estava envolvida na escolha do elenco, mas insistira para que Bethany se mantivesse como protagonista com os outros professores.
Não conhecia os professores para quem havia apresentado, mas eles deviam ter corrido um risco grande ao lhe deixarem pular os ensaios.
— Bem vinda de volta, querida — falou ela, e então se virou para Nicholas, que estava concentrado no próprio violão e mexia nas tarraxas para afiná-lo. Noah já havia se sentado ao lado dele. — Nicholas, você pode repassar as mudanças com ela?
— Claro — concordou o menino, meio automaticamente. Ele ainda pressionava uma das cordas esporadicamente para avaliar a mudança de som, Bethany foi se sentar numa cadeira vazia perto dele e de Leah.
Noah riu quando Bethany se ajeitou na cadeira, levantando as sobrancelhas.
— Eu tinha me esquecido de como você é nerd e de como os professores te amam. — Bethany fez uma careta e teria revidado a provocação, mas Leah lhe puxou para um abraço antes disso.
Quando Nicholas deixou o violão de lado, Bethany abaixou-se para pegar o roteiro na bolsa. Havia estudando-o nas horas vagas, esperava que fosse o suficiente.
— Não fizemos muitas alterações no roteiro que você já tem, mas é claro que os professores acharam melhor suavizar a conotação sexual em Dead Girl Walking, porque teríamos problemas com os pais. — Nicholas passou a própria cópia para que Bethany pudesse acompanhar, mas a menina parou por um momento, arregalando os olhos.
— Mudaram Dead Girl Walking? — Não tinha nada muito explícito no número, gostava do roteiro original e não queria mudar. Nicholas riu de seu espanto.
— Sua obsessão pelo musical é estranha, deveria estar feliz por terem mudado. Nada contra você, mas eu meio que namoro o seu irmão — observou ele, enquanto Bethany folheava as páginas para encontrar o trecho e atualizar as falas. Noah deu risada e revirou os olhos.
— Acredite, estou radiante porque a experiência mais próxima de sexo que já tive em dezoito anos de vida não será em um musical com o namorado do meu irmão — retrucou Bethany, fazendo com que os dois rissem. Nicholas se voltou para o violão, Bethany baixou o olhar para o roteiro e começou a estudar.
A professora lhe deu algum tempo para se adaptar ao roteiro enquanto o resto do elenco principal testava os arranjos musicais; Noah já estava na bateria, Nicholas dera um jeito de incluir o violão na peça. Vários dos alunos da classe de música trouxeram outros instrumentos acústicos também, a professora improvisava e tentava sincronizar tudo.
Bethany não estava conseguindo se concentrar com a barulheira, finalmente desistiu e largou o roteiro. Leah era uma das poucas pessoas que permaneciam na roda de cadeiras, os outros estavam repassando falas e posições, todos espalhados pela quadra.
Foi se sentar na cadeira ao lado dela, começaram a conversar sobre qualquer trivialidade. Em certo momento, Leah se virou e lhe encarou com uma expressão meio perplexa, pouco depois de comentarem a mudança na cena em que havia certa apologia sexual.
— Então, você nunca... — começou ela, mas deixou a voz morrer. Transou, Bethany completou mentalmente. Porque conhecia aquele olhar, aquele olhar perplexo, uma mistura de choque e pena. Leah lhe encarava como se estivesse vendo uma criança, alguém muito inocente. Bethany remexeu-se, desconfortável.
— Não. Na verdade, eu sou assexual. — Não sabia se devia ter falado isso. Uma coisa era ser aberta com Nicholas e Noah, que conheciam os espectros e sexualidades bem o suficiente para não terem uma visão estereotipada, além de não lhe julgarem por sua sexualidade. — Não que isso signifique que eu não posso fazer sexo, ou que odeio sexo, mas influencia — completou rapidamente, antes que Leah presumisse que a assexualidade era uma espécie de celibato.
Leah era uma pessoa legal, mas tinha algumas ideias estereotipadas de senso comum.
— Mas você já beijou pessoas. — Ela estava perplexa. Bethany riu e assentiu com a cabeça.
— Eu gosto de beijar, beijar é legal — respondeu. Não sentia repulsa aos beijos e nem nada do tipo, mas alguns assexuais sentiam. Bethany só não entendia muito bem o apelo, mas achava legal. Leah piscou, tirando os cabelos castanhos do rosto.
— Mas nunca quis transar com ninguém? Tipo, como sabe que não sente atração sexual se nunca transou? — indagou ela, sem nunca diminuir aquele tom perplexo. Bethany deixou a mente vagar para uma conversa que tivera com Ally no início do ano.
— Você acha que estou atrasada? — havia perguntado para ela, que estava inclinada sobre um espelho e tirava a própria maquiagem. Ally adorava passar maquiagem pesada para sair, Bethany preferia algo leve. — Tipo, quase todo mundo que conheço já transou, às vezes acho que sou um projeto falho de adolescente — confessou com um suspiro, afundada na cama dela. O início do último ano de ensino médio fora estranho, porque se sentia cada vez mais pressionada a viver experiências que até o momento evitava.
Tipo sair para festas lotadas. Transar com pessoas.
Ainda bem que havia desencanado daquilo e passara a viver as coisas no próprio ritmo.
— Meu Deus, isso é horrível. — Lembrava-se até hoje da expressão chocada de Ally ao se virar, ainda segurando um algodão na mão e a boca borrada de vermelho. — Bethany Crowford, quem enfiou na sua cabeça que isso é uma competição? Não existe nenhum ranking de quem transou primeiro.
— Você fala isso porque já fez essas coisas com dois garotos. — Estava impaciente naquele dia.
Ally sempre estava saindo com alguém. Bethany não sabia como ela conseguia aquilo, simplesmente se relacionar com outros com tanta facilidade, sair com pessoas aleatórias e se apaixonar por elas. Não entendia todo o drama dos términos de Ally, muito menos a necessidade que ela sentia de sempre estar com alguém.
— Não é como se fazer sexo dissesse algo sobre quem eu sou — retrucara Ally, umedecendo um algodão limpo com desmaquilante para terminar de tirar o batom. — Só diz que eu gosto de sexo e que eu transo, isso não importa.
— Importa — insistira na época, porque Ally nunca saberia como era se sentir de fora, nunca sentiria a sensação inquietante de que estava fazendo algo errado, de não conseguir ser normal. Mas o que era ser normal? Ally tinha razão. Sexo não dizia nada sobre ninguém, nem definia parâmetros de normalidade, sendo assexual ou não. — Não quero ser virgem pelo resto da vida só porque estou esperando um príncipe encantado que nunca chega.
— Eu odeio essa palavra. — Ela fez uma careta e jogou o algodão manchado no lixeiro embaixo da penteadeira. O quarto dela era lotado de maquiagens, perfumes e sandálias com saltos enormes. Bethany não sabia como conseguiam ser tão amigas e tão diferentes ao mesmo tempo. — Virgindade é um conceito cristão machista pra caralho! Ninguém perde a virgindade, pelo amor de Deus, é só sexo, merda nenhuma muda depois disso. — Bethany riu daquilo, mas parara de usar aquela palavra desde então. Não gostava do peso que carregava, de como glorificava a experiência sexual. — Mas não fica neurótica, toma seu tempo. Se encontrar seu príncipe encantado com trinta anos, ainda será perfeito. — Mil anos pareceram se passar desde então, Bethany quase riu quando percebeu a mudança de prioridades. Ally havia conseguido o que queria, havia parado de ficar tão paranoica com o assunto.
Voltou-se para Leah, dando de ombros antes de respondê-la.
— Acredite, eu sei que nunca me senti sexualmente atraída por alguém, porque eu nunca senti isso — afirmou com uma risada seca. Por que ela não podia simplesmente acreditar? Por que era tão difícil aceitar que nem todas as pessoas viam sexo como algo essencial? Necessário?
— Talvez você esteja com medo, ou esteja insegura — insistiu ela, e Bethany inspirou muito fundo. Suavizou a expressão antes de olhar para Leah, tentando soar paciente.
— Leah, não. — Bethany parou para pensar, considerando como conseguiria explicar melhor. — Você gosta de sardinha? — Ela balançou a cabeça negativamente.
— Eca, não. — Bethany levantou uma sobrancelha e sorriu.
— Já comeu sardinha?
— Não.
— Talvez você esteja com medo, como sabe que você não quer comer, se nunca provou? — provocou-a com uma risada, Leah arregalou os olhos como se tudo tivesse se encaixado.
— Meu Deus, você é tipo um mestre das metáforas.
— Não sinto nojo de sexo, nem medo, parece algo legal, mas é como a sardinha: Nunca provei, vivi dezoito anos sem e não sinto atraída a experimentar — continuou meio nervosamente, porque tinha medo de que ela continuasse insistindo que aquela não era uma sexualidade válida. — Alguns assexuais têm repulsa à sardinha, outros são neutros, outros adoram sardinha. Não é sobre gostar ou não da sardinha, é sobre você olhar a sardinha na prateleira do mercado e literalmente preferir qualquer outra coisa, porque a embalagem não te chama atenção. Atração sexual é diferente de atração romântica. Eu gosto de garotos, me vejo em relacionamentos com garotos, mas nunca desejei sexualmente um garoto. — Havia demorado muito tempo para aprender a separar as coisas, mas Leah apenas assentiu firmemente, lhe escutando com atenção. Bethany sorriu ao ver a compreensão dela, depois fez uma careta. — E eu não deveria ter misturado essas duas coisas, porque ficou nojento.
— Sim, definitivamente — concordou Leah, gargalhando. Depois ela baixou o olhar e mexeu nervosamente no botão da blusa, as sobrancelhas estavam curvadas numa expressão arrependida quando levantou o rosto. — Me desculpe, não quis ser inconveniente. — Bethany sorriu balançou a cabeça para mostrar que estava tudo bem.
— Tudo bem, obrigada por me ouvir e entender — falou sinceramente, porque era legal da parte dela reconhecer o erro sem insistir no assunto. Leah ergueu o roteiro.
— Quer repassar as falas? — Bethany assentiu no mesmo momento, porque precisava se adaptar com todas as mudanças do roteiro.
« ♡ »
Bethany deu tudo de si no ensaio. Decorou as mudanças nas falas, foi bem em todas as músicas e a professora ficou feliz com o resultado, ainda mais animada porque Bethany voltaria para os outros ensaios.
Sara combinou de lhes buscar no final do ensaio, então esperou que Noah se despedisse de Nicholas e seguiram para o lado de fora — o céu já estava escurecendo, a noite contornava os prédios da cidade e faróis de carro se destacavam no crepúsculo. Ficou surpresa ao ver que a mãe não estava sozinha, imediatamente trocou olhares com Noah. Não esperavam que Liam estivesse ali também.
Quando seus pais apareciam juntos sem avisar, geralmente era para dar alguma bronca, ou alguma notícia ruim. Se aproximaram com cuidado, encarando os dois recostados no carro de Sara.
— O que está acontecendo? — Noah foi o primeiro a perguntar, desconfiado. Bethany não teve tempo de fazer mais perguntas, porque seus pais trocaram sorrisos. Percebeu que Liam segurava o próprio celular.
— Saiu o resultado da Universidade de Manchester — disse ele, e então esticou o aparelho para Bethany. A menina o pegou de uma forma meio trêmula, ansiosa demais para exibir firmeza.
— Nós temos internet? — Noah soou animado e automaticamente puxou o celular do bolso. Bethany percebeu que alguns postes estavam funcionando e as ruas estavam levemente iluminadas, surpreendeu-se mesmo assim quando viu o sinal da operadora no celular.
Bethany olhou para a tela, reconhecendo a plataforma que usara para se inscrever na universidade. Candace insistira para que fizesse a inscrição, mesmo que Bethany não tivesse tantas esperanças. Inscrever-se na Universidade de Manchester era mirar alto, muito alto.
— Eu... — Olhou para a tela, muda quando leu a mensagem. Quando decidira ir com Clarissa, dera para seu pai a senha da plataforma para que ele pudesse acompanhar a inscrição e não perdesse nenhuma data importante.
Parabéns!
Você foi aprovado pela Universidade de Manchester.
Bethany leu e releu, piscando algumas vezes e um tanto perplexa.
— Eu passei? — A voz falhou um pouco e ela levantou o olhar, mas as letras ainda brilhavam na frente de seus olhos. Seu pai sorriu, os cabelos loiros se iluminaram quando ele assentiu.
— Você passou.
— Beth, isso é maravilhoso! — Sara lhe puxou para um abraço, genuinamente empolgada. Bethany retribuiu o abraço, ainda um pouco entorpecida com a notícia e tentando assimilar aquilo.
— Mas Manchester é na Inglaterra, é muito longe — falou quando se separaram, e sua mãe balançou a cabeça.
— Sim, também é uma das universidades mais renomadas do mundo — complementou ela, ainda sorrindo abertamente. Bethany olhou para o celular.
— Eu não acho que vocês ouviram, é em outro continente — repetiu lentamente, estranhando a empolgação deles.
— E podemos nos planejar para isso, temos quase quatro meses antes do início das aulas — afirmou Liam, tão calmamente que Bethany arregalou os olhos numa expressão fingida de espanto. Sentia um frio estranho na barriga, mais medo do que empolgação.
— Quem são vocês e o que fizeram com meus pais? — Os dois riram, mas não contestaram. Bethany sentiu-se ainda mais nervosa quando os olhares caíram sobre si.
— E então? O que acha? — perguntou Sara, deixando uma pontada de ansiedade escapar na voz. Ver que ela estava empolgada lhe deixava mais nervosa ainda, fazia o frio na barriga crescer.
— Eu... não sei se consigo fazer isso. Nem mesmo sei se quero estudar artes, ir pra outro continente.... — Balançou a cabeça e tentou organizar os pensamentos. Conhecer novas pessoas, estar longe de todos e de tudo o que conhecia...
E se tivesse uma crise de pânico? E se o curso fosse horrível? E se as pessoas fossem horríveis e não conseguisse fazer amigos?
— Se você preferir ficar, tudo bem — tranquilizou seu pai, e não havia nenhum julgamento em sua voz. Bethany sabia que teria o apoio deles se decidisse recusar a proposta, mas não sabia se conseguiria viver consigo mesma sabendo que recusara estudar numa cidade estrangeira e na Universidade de Manchester, uma das universidades mais conceituadas do mundo. — Mas mesmo que você passe em uma ótima universidade aqui, não vai ter a experiência de morar fora do país, isso acrescentaria muito no seu currículo — argumentou ele, e Bethany não tinha como rebater aquilo. Ir para Manchester poderia ser horrível e maravilhoso ao mesmo tempo. — E estamos falando de estudar artes e literatura na Inglaterra, não vejo como você pode não amar isso. — Bethany riu baixinho e sentiu os olhos lacrimejarem. Devolveu o celular dele, a mente girando com as possibilidades. Seu pai tinha razão, não tinha como não ser bom.
— Vai ser incrível. — Abraçou os dois, só então sentindo-se um pouco empolgada. Noah também lhe abraçou e parabenizou, mas estava mais focado em atualizar tudo o que perdera no celular, Bethany percebeu.
Ele finalmente levantou o olhar para os pais e guardou o aparelho.
— Então... falando em universidade, Nick vai para Nova York daqui a quatro semanas, ficar por cinco dias e arrumar as coisas, ele me chamou para ir junto, assim posso ajudar com a mudança e podemos conhecer a cidade... — Noah deixou o resto da frase no ar, esperando as considerações de Sara e Liam.
Os dois se encararam por um momento, Bethany percebeu que era mais uma dessas conversas silenciosas em que eles se comunicavam com os olhares. Adorava quando os dois faziam isso, como eles sabiam exatamente o que o outro estava pensando com um olhar.
Depois de algum tempo em silêncio, de muitos olhares trocados, Sara se voltou para Noah.
— Tudo bem, pode ser uma boa ideia — disse ela com muita cautela na noz. Noah levantou as sobrancelhas, Bethany também se surpreendeu, porque duvidava que eles deixariam Noah ir com Nicholas para tão longe e por tanto tempo.
— Você tem razão, eles definitivamente foram substituídos — Noah murmurou para Bethany. A garota com concordou com um aceno de cabeça, sem tirar os olhos dos pais. A mãe sorriu levemente, levando aquilo de forma bem humorada, o pai apenas balançou a cabeça.
— Queremos você longe da cidade durante o eclipse, você e Nicholas estarão a salvo em Nova York, longe da bagunça — explicou Liam, e Bethany riu baixinho. Aquilo fazia muito mais sentido. Os olhos de Noah brilharam com empolgação, ele pegou o celular e começou a digitar freneticamente.
— Mas não vamos pensar nisso hoje, não enquanto temos algo para comemorar — complementou Sara, e Bethany empolgou-se com a ideia. Fazia tempo que não faziam nada juntos, o jantar com Nicholas havia sido esquecido depois de todos os acontecimentos. — Podemos ir para casa e confirmar e inscrição, pesquisar sobre as acomodações da faculdade e depois pedir sushi, o que vocês acham? — Bethany concordou com animação, Noah estava distraído demais com o próprio celular e seguiu para o carro sem objeções.
Seus pais estavam em carros separados, foram no carro da mãe até o apartamento e Liam seguiu logo atrás. Em pouco tempo, estavam acomodados na cozinha iluminada e inclinados sobre seu notebook — lendo sobre a faculdade, sobre os alojamentos e até mesmo assistindo a alguns vídeos de alguns alunos de lá.
Noah finalmente largou o celular depois de algum tempo vidrado nas mensagens com Nicholas — agora todos pareciam empolgados ao falar sobre a mudança, sobre a Inglaterra e a faculdade. Fazia tempo que não se sentia tão acolhida, era simplesmente tão bom ver a família toda reunida ao redor da mesa, conversando animadamente e num clima leve. Fazia anos desde a última vez que isso acontecera.
Passaram um tempo tentando buscar mais informações na internet e planejar a viagem, mas desistiram quando Liam saiu para buscar os sushis e a internet da operadora ficou lenta demais. Guardou o notebook e ajudou a arrumar a mesa, logo estavam todos acomodados novamente, mas Sara permaneceu recostada na pia com uma taça quase vazia de vinho na mão.
Noah a olhou com desconfiança.
— Você não vai comer? — perguntou, e ela negou com a cabeça, baixando o olhar. Bethany percebeu certo incômodo nos gestos dela, o vinho girou um pouquinho na taça quando a mãe mexeu a mão, inquieta.
— Não, querido, saí com Aislinn mais cedo e comemos num restaurante — explicou ainda sem olhar para Noah. Alguns segundos em silêncio, Bethany levantou o olhar para ela e sorriu abertamente.
Estavam tentando planejar as datas para ir para Manchester, mas uma ideia brilhou em sua mente.
— Você poderia vir comigo para passar um tempo em Manchester, sei que pode fazer seu trabalho à distância — sugeriu com empolgação, porque seria incrível se ela estivesse junto, assim não teria tanto medo de ir sozinha. — Seria legal se pudéssemos passar um mês na Europa, nós poderíamos viajar por vários pontos turísticos. — Quando sua mãe levantou o olhar, estava tão pálida e incomodada que Bethany pensou ter dito algo errado, aquilo lhe assustou. Era o olhar que ela tinha quando falava de Eric, quando lhe contara sobre ser filha de Lúcifer.
A garota sentiu o coração desabar para o estômago.
— Beth... — começou ela, então se interrompeu lentamente. Percebeu que seus pais estavam trocando olhares de novo, mas desta vez havia certa hostilidade, os olhos dela brilhavam furiosamente, os dele estavam escuros com alguma espécie de desafio. Muito, muito sérios. De novo, eles conversavam silenciosamente e travavam uma guerra interna, mas sem usar palavras.
Por fim, sua mãe forçou um sorriso nada convincente, porque seus olhos estavam apagados e nada simpáticos.
— Nós conversaremos sobre isso, tudo bem? Só não posso te dar certeza no momento. — Bethany assentiu e tentou esquecer a intensa troca de olhares de seus pais, feliz demais para querer estragar o momento com perguntas.
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