Confie Em Mim | Capítulo Dezessete
— Você não é o tipo de pessoa que curte a natureza, não é? — riu Lena, depois de um tempo tentando lhe explicar a diferença entre as plantas. Sara tentou prestar atenção, mas todas aquelas folhas verdes pareciam iguais, independente das lições de botânica de Lena.
— Sou mais o tipo de pessoa que mora em um apartamento para não precisar cuidar de um jardim — confessou, mas sentindo-se grata por Lena ter lhe tirado do quarto. Duvidava que conseguiria fazer aquilo sozinha.
— Foi o que imaginei, mas não desista tão rápido — insistiu ela, levantando um pequeno ramo de folhas finas e amareladas. — Sabia que as bebidas afetam a energia com forças diferentes, mesmo aqui? É como o teor alcoólico, mas tudo depende da concentração e da capacidade da planta de nos afetar. Essa aqui é tipo... uma tequila — falou, com tanta seriedade que Sara riu. Ela levantou outro ramo, uma planta mais larga com folhas verdes e escuras. — Essa aqui está mais para vodca — explicou, comparando os dois ramos. — Você acha que uma dimensão angelical certamente terá pessoas regradas e focadas, mas então encontra querubins tentando se embebedar — comentou ela, largando os dois ramos para se sentar junto de Sara no banco de madeira. Heathcliff não perdeu tempo e pulou no colo de Lena assim que ela se sentou, aconchegando-se em seus braços.
Ele ficava atrás de Lena o tempo todo, andando entre os pés dela desde que Elisa e Clarissa se foram.
— Como você faz isso? Como... consegue ficar tão calma? — indagou, depois de um tempo em silêncio.
— Não estou exatamente calma, só tentando escolher minhas batalhas — confessou Lena, os cabelos castanhos escondendo a face. Com todo o verde da estufa, podia perceber como o tom oscilava entre as mechas. — Eu, Kenan e Lucas vasculhamos cada canto daquela cidade, nós procuramos por Aislinn e Elisa com tudo o que tínhamos, mas o prazo acabou. Fiz tudo o que eu podia, mas não foi suficiente, então estou tentando focar em novos caminhos. — Ela acariciou Heathcliff, que estava empenhado em esfregar a cabeça para pedir carinho. — Não vale a pena enlouquecer e gastar tanta energia com o que está nas minhas mãos. É claro que estou preocupada, mas estou fazendo tudo ao meu alcance para tentar ajudá-las, prefiro acreditar que todas têm um plano e que estão bem — complementou, o olhar baixo no gato. Sara não falou nada, desejando ter um pouco daquele otimismo e controle.
Só conseguia se sentir caótica e inútil ali, sem poder ajudá-las.
— Como estão as coisas entre você e a Lisa? — perguntou, querendo mudar o assunto para algo mais leve. Lena deu de ombros, o olhar fixo em uma flor cor-de-rosa que se destacava em um vaso de porcelana.
— Completamente confusas — confessou a garota. Heathcliff se esparramava em seu colo, deitando-se de barriga para cima. — Não sei o que estou fazendo, ou o que vai acontecer quando precisarmos falar sobre o que está acontecendo. Só não quero criar falsas expectativas de novo — murmurou, e então suspirou quando levantou o olhar para encarar Sara. — Elas sempre foram assim? Como se todo o universo ao redor desaparecesse quando estão juntas?
— Desde que se conheceram — respondeu Sara, ao se lembrar de Clarissa e Elisa juntas durante o ensino médio, de como elas olhavam uma para a outra como se aquilo fosse tudo o que existia. — Mas talvez você devesse prestar mais atenção no modo como Elisa olha para você — sugeriu com um pequeno sorriso. — Lisa realmente se importa com você e com Cass, ela realmente ama vocês duas.
— Eu sei, conversamos sobre isso. As coisas estavam confusas antes disso, quando Clarissa passou a me ignorar e então as vi juntas, achei que... — Lena se interrompeu, tensionando os lábios. — Aparentemente, Clarissa tem os próprios planos, só tenho medo de descobrir o que ela está planejando — disse a garota, por fim. Sara assentiu, percebendo a preocupação na face dela.
Antes que pudesse responder, algo se mexendo entre as folhas chamou sua atenção. Lena pareceu confusa quando lhe viu se levantar e ir em direção ao movimento, mas Sara estava convencida de que alguma coisa havia passado entre as folhas.
Quando deu a volta na cerca viva que contornava o banco em que estavam sentadas, deu de cara com um arbusto cheio de flores brancas e frágeis, pétalas tão brilhantes que Sara piscou, impressionada com toda a beleza. Lena apareceu pouco depois, um tanto espantada ao encarar o arbusto.
— Pra que servem essas flores? — perguntou Sara, hipnotizada pelo brilho suave e puro que as flores emanavam. Se pareciam com rosas, só que mais gloriosas e simetricamente perfeitas.
— Conexão espiritual. Te tornam mais sensível às outras energias, são usadas para comunicação com guardiões espirituais — explicou Lena, e Sara não entendeu o motivo da surpresa na voz dela. — Estranho, não estavam aí antes. É muito difícil de desabrocharem, só entidades com energia extremamente pura conseguem fazer isso, nenhum querubim consegue cultivá-las — explicou, tocando uma das pétalas com cuidado, como se estivesse tocando um vidro muito frágil. — Você sentiu alguma coisa quando se levantou? Ouviu alguma coisa? Alguma energia diferente?
— Havia alguém entre os arbustos, você não viu? — perguntou, um tanto confusa. Lena estava bem ao seu lado, o movimento no arbusto não fora sutil, ouvira até mesmo as folhas se movendo. Não havia como ela não ter notado.
Mas a garota balançou a cabeça negativamente, impressionada ao encarar as flores brilhantes.
— De qualquer forma, se você as encontrou, é porque alguém quer que você as tenha. Posso transformá-las em um amuleto, se quiser — ofereceu ela, e Sara estava confusa demais para recusar, encarando aquelas flores com dúvida no olhar.
Alguém quer que você as tenha. Entidades com energia extremamente pura.
Nunca havia contado com proteção divina antes, mas não achava que uma entidade tão pura pudesse querer lhe proteger. Não com toda a energia demoníaca que lhe envolvia.
Não disse isso a Lena, porque ela parecia realmente empolgada com as flores.
« ♡ »
Alguém segurava seus pulsos quando acordou, Elisa se debateu quase imediatamente. Queimava frio, demoníaco.
Tentou soltar os pulsos, passar a mão pela roupa e pegar alguma adaga escondida, mas então lembrou-se de que não usava armas quando estava perto de Lena, não depois da visão de Kathy. Não queria arriscar, então saíra desarmada naquele dia, era melhor do que machucar Lena.
Duas figuras estranhamente humanas e sombrias seguravam seu pulso com força, a ruiva se debatia e puxava os braços. Ambos seguravam-na apenas com uma mão, pois tinham adagas afiadas nas outras. Elisa ofegou, tensa.
A única chance seria pegar uma daquelas adagas, isso se conseguisse ser rápida o bastante para pegá-las antes que lhe atingissem.
Olhou em volta e percebeu que estava em uma espécie de cela de concreto cinzento, sob uma cama de colchão duro. Não havia grades, só uma porta de ferro frio e as duas sombras humanoides segurando seus braços.
Elisa parou por um segundo, tentando bolar alguma estratégia. Antes que pudesse pensar uma maneira de colocar as mãos nas armas, a porta se abriu com um rangido estridente.
— Ei! Babacas! — Mal pôde acreditar quando ouviu aquela voz, estava atônita quando Clarissa levantou o arco e a flecha voou no ar, brilhando como um diamante e acertando o demônio da esquerda.
A ruiva não perdeu tempo, girou ao perceber o pulso esquerdo livre e chutou a criatura da direita, lançando-se para frente e pegando a adaga tão repentinamente que não encontrou resistência. Logo, a adaga demoníaca estava no peito do demônio, que se desmanchava em sombras e fumaça.
Elisa tinha os olhos arregalados, olhando para os pulsos inchados e ardentes, onde as criaturas demoníacas estavam segurando. Virou-se exasperada, sorrindo.
— Cass — murmurou, e a outra retribuiu o sorriso, os cachinhos loiros caindo ao seu redor como um vendaval de luz.
Não pensou direito, apenas atravessou a sala cinzenta e fria e a abraçou, sem considerar o que aquilo significava, sem questionar-se de que lado Clarissa estava. Apenas aproveitou a sensação de abraçá-la, vê-la tão bem.
— Eu estava tão preocupada — suspirou, a face enterrada nos cachos loiros. Clarissa retribuiu o abraço, o que lhe surpreendeu, pois parecia que toda a máscara de frieza havia desaparecido.
— Me ouça, tenho pouco tempo — pediu Clarissa, se afastando e lhe encarando com os olhos cheios de seriedade. Elisa assentiu, escutando-a com atenção. — Azazel não sabe que você está aqui, tire proveito disso e tente contatar os outros, não deixe que eles te procurem na dimensão infernal, ou denunciarão sua presença — afirmou, e Elisa apenas concordou com a cabeça. — Espere algum tempo depois que eu sair, saia pela esquerda, vire a terceira porta no corredor e encontre a saída, vou manter o caminho livre. Depois disso, procure por um antigo artefato de Lúcifer, um rubi capaz de invocar a espada dele. É a única capaz de cortar o medalhão de Azazel e o elo entre nós.
— Como vou saber em que direção ir? Ou como encontrá-lo? — indagou, sentindo-se desconfortável com o cômodo cinzento. O corredor parecia seguir o mesmo padrão, com paredes de concreto liso e frio.
— Confie em mim, você saberá — disse Clarissa, e então pegou algo do bolso da calça. Ela estava usando roupas completamente pretas e justas, percebeu, como as de Azazel. — Não fique na rua depois de escurecer, é importante. Seja cuidadosa, isso vai cobrir seus rastros — instruiu, lhe esticando um colar delicado com um pingente estranho, feito de uma pedra preta e pontuda.
Elisa levantou os cabelos ruivos, Clarissa colocou o colar em seu pescoço, inclinando-se um pouco e extremamente próxima. Não conseguiu conter um sorriso admirado.
— Cassie? — murmurou, puxando-a para si e abraçando-a de leve, aliviada por tê-la tão perto de si. — Você fica muito sexy com um arco e uma expressão brava. — Clarissa riu, lhe abraçando mais forte e afundando a face em seus cabelos ruivos. Ela costumava fazer muito isso, principalmente quando dormiam juntas.
— Encontro você assim que puder — sussurrou a loira, então se virou para voltar ao corredor. A ruiva mordeu o próprio lábio ao vê-la desaparecer, sem conseguir conter a preocupação. Apertou a adaga que tinha em mãos e saiu pelo corredor logo depois.
« ♡ »
Elisa caminhou por longos corredores cinzentos de paredes mofadas, um cheiro tão úmido e ruim que prendeu a respiração até achar a saída do prédio, o que acabou demorando alguns minutos. Sentia-se perdida naquele labirinto decadente e frio, percebendo que não havia nenhum sinal de Clarissa.
Surpreendeu-se quando conseguiu deixar o prédio e viu uma cidade vazia, com o sol brilhando no asfalto quente. Não havia nenhum barulho, nem mesmo do vento, mas ainda se sentia extremamente exposta e desprotegida enquanto caminhava.
Percebeu que as ruas eram familiares, reconheceu o bosque em que estava com Lena antes de cair no portal, a cafeteria onde estivera com Camila e Sara na primeira vez que estivera ali. Reconheceu a cidade que era palco dos conflitos demoníacos, percebendo que estavam em uma fenda dimensional, mas ainda na dimensão humana.
Aquilo lhe deixou aliviada. Não estavam na dimensão infernal, afinal. Lucas e Kenan haviam comentado que Azazel vivia explorando fendas dimensionais, por isso era tão difícil encontrá-la. Era como procurar entre as dobras de um tecido, pequenas interrupções na dimensão humana.
A ruiva olhou em volta, lembrando-se das palavras de Clarissa. Ela dissera que saberia para onde ir, mas nada ali parecia diferente, nada soava como uma pista sobre o que fazer. O sol estava se pondo, a voz de Clarissa ecoou em sua mente como um aviso.
Não fique na rua depois de escurecer, é importante. Elisa estremeceu. Calculou que ainda tinha, pelo menos, meia hora de sol, então precisava descobrir o que fazer e encontrar algum lugar seguro onde pudesse passar a noite. Não queria pensar no que Clarissa dissera, nem no que aconteceria se ficasse na rua durante a noite.
Apertou a adaga na mão, avançando e se afastando do prédio velho de onde saíra. Olhou ao redor, tentando se concentrar nos detalhes, nas placas, até mesmo qualquer pichação que pudesse lhe dar um caminho, mas o sol se punha muito rápido e precisava de um plano.
Percebeu que não estava muito longe da biblioteca, então resolveu ir para lá e pensar em algum plano, explorar o lugar na manhã seguinte. Já podia ver a lua quando subiu as escadarias, os últimos raios de sol sumindo vagarosamente no horizonte
Entrou na biblioteca e trancou as portas duplas atrás de si, certificando-se de que estavam firmes. Olhou para a biblioteca vazia, as estantes empoeiradas e abarrotadas de livros, percebendo que talvez a biblioteca não fosse tão boa ideia, já que alguém poderia se esconder entre as estantes.
Seguiu para as janelas, trancando-as e fechando as cortinas grossas. Estava prestes a ir para as estantes, para conferir se estava realmente sozinha, quando sentiu o mesmo arrepio de energia demoníaca, os músculos enrijecendo automaticamente.
Girou quando sentiu um vulto se movimentar atrás de si, jogando o invasor contra uma das estantes e prendendo-o ali com um braço. Foi automático quando avançou e levantou a adaga, apontando-a para o pescoço do inimigo, mas então falseou e reconheceu aqueles olhos castanhos familiares, os cabelos compridos presos em uma trança lateral.
Soltou a adaga com certo alívio, baixando o braço e libertando a garota.
— Aislinn — ofegou Elisa, um tanto surpresa e desorientada.
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