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Escolhas Difíceis

Fernando

Já faziam duas semanas que estava ali. As seções de quimioterapia deram início, e com isso os vômitos frequentes, sudoreses e dores de cabeça.
Fernando havia perdido a conta de quantas vezes precisou esperar o quarto ser limpo. Sempre na parte da manhã depois das seções. Mantinha consigo um caderno onde anotava todas as possíveis mães para o seu filho enquanto tentava amainar os sintomas do tratamento.
Até mesmo Ingrid, secretaria do seu amigo e a única que sabia da verdade estava ali.
Ele mantinha nome, idade, características, e o que percebia da personalidade. Estava anotando algo sobre a enfermeira Sophia quando a faxineira entrou.
Esperou que fosse a mesma, senhora simpática. A surpresa veio para os dois.
— Bo... Boa tarde. – Luiza gaguejou.
— Boa tarde. – Nando deixou o caderno de lado. — Preciso sair?
— Na.. Não. Eu vou ser rápida. – Luiza desviou o olhar.
Ele observou a garota cabisbaixa entrar com os produtos de limpeza. Enquanto ela limpava o banheiro ele instintivamente anotava no caderno.

Nome: ?
Idade: ?
Característica: Cabelos encaracolados de cor castanho, olhos castanhos. Cílios grandes. Aparenta ser tímida, sorri facilmente.
Fechou o caderno com um sorriso de descrença. Nem sabia se a moça tinha namorado, ou até mesmo se aceitaria uma loucura como aquela em que ele fosse propor.
Que ele estava se enfeitiçando pelo jeito dela, era fato. Até mesmo o perfume doce que vinha dela quando passava, o deixava estranhamente afoito.
Para distorcer os sentimentos estranhos puxou de cima da mesinha um livro.
Dom Casmurro.
Seria esse mesmo a ter o propósito de distrai-lo.
Abriu o livro justo na parte onde Bentinho descobria o amor por Capitu.
— É um ótimo livro.  – Luiza estava parada na porta do banheiro com um sorriso tímido nos lábios. — Desculpe, devo ter atrapalhado sua leitura. – Ela se abaixou para pegar os produtos.
— Não! – Ele a deteve. — Já o li algumas vezes, é que ele é tão..
— Contrário. – ela emendou. — Ele é louco, mesmo vendo todo o amor dela, provando desse sentimento, acha que ela o traiu.
— Ela o traiu?
— Não. – Luiza bufou. — Que ridículo.
Nando riu da forma como ela enrugou o nariz.
— Como se chama? – Ele a questionou.
— Luiza.
— Muito prazer Luiza, me chamo Fernando.
Ela sorriu de volta. Ele pretendia dizer algo, mas a enfermeira Margareth entrou, emburrada.
Luiza se foi ouvindo todos os tipos de desaforo possíveis. Desaforo esse que ele não deixaria passar.
Quando Margareth voltou sorridente, Fernando acabava de ajeitar o livro em cima da mesinha.
— Gosta de ler? – Ele a questionou.
— Sim.
— Então já leu algum desses. – Nando apontou para a pilha de livros.
— Ah, não. Não esses. – Margareth deu um sorriso amarelo.
— Hum. – Ele resolveu mudar de assunto. — O que acha do trabalho daquela moça?

— A Luiza? – Margareth o encarou, foi até a porta e deu uma breve olhada para os lados. — Ah, ela até que trabalha bem, mas é muito atrapalhada, as vezes troca os produtos.

— Eu vi que ficou brava com ela. – Nando continuou, despretensioso.

— Brava não. Gosto de manter tudo certo. E ela precisa saber o lugar aqui. Está aqui somente para limpar.

— Tem razão. – Fernando fez uma anotação mental.

— Vou pedir para a Sophia trocar seu acesso, – Margareth sorriu.

Fernando esperou pela outra enfermeira, e quando ela veio prometeu para si que anotaria mais algumas características, tentou conversar mais um pouco.

— Dia corrido hoje não? – Ele observou o cuidado dela em retirar o acesso e trocar pelo outro.

— Bastante. – Sophia sorriu.

— Então.... – Ele recomeçou a conversa.

Sophia recebeu uma ligação, recusou e voltou aos cuidados.

— Atende, pode ser urgente. – Nando disse.

— Não. É só meu namorado confirmando nosso compromisso..

Então ela era comprometida. Tão logo saiu, Nando arrancou a folha do caderno, amassou e jogou no lixo.

Luiza trabalhou feito louca, lavou todos os banheiros do andar. Margareth parecia irritada especialmente com ela depois de flagra-la no quarto do paciente Fernando.
Estava levando as roupas de cama para a lavandeira quando o celular tocou. Era expressamente proibido usar celular enquanto trabalhava.
Ela deu uma olhada para trás, encostou na parede enquanto o atendia.
— Alô?
— Luiza?
— Sim. Quem é?
— Luiza trago notícias do seu irmão. Pode passar aqui mais tarde.
— Amanhã pela manhã. Pode ser? Trabalho durante a tarde.
— Claro. Seja breve.
Luiza desligou o celular com o coração aos pulos.
Durante a volta para casa não tirava essa ligação da cabeça.
Parou o carro na garagem e entrou em casa tentando fazer silêncio.
— Lu.
— Mãe?
Dona Marli a esperava todos os dias, com uma xícara de chá morno, sentada na cozinha.
— Pensei que estivesse dormindo. – Beijou a mãe e se sentou.
— Perdi o sono. Não sei, parece que meu peito está apertado.
— Precisa parar um pouco mãe. Já te disse que dou um jeito de manter a casa.
Dona Marli levantou da cadeira e abriu uma gaveta, tirou de lá um papel e a entregou.
— O que é isso? – Luiza perguntou enquanto pegava o papel.
— Vamos perder a casa Lu.
— Mas mãe... – Luiza deixou o papel em cima da mesa. — A senhora me disse que estava tudo certo.
— Eu menti. Fiquei com vergonha de te contar que o meu dinheiro não deu pra nada esses meses. É que a sua avó está mais dependente, e eu...
— Mãe. Pode contar comigo. Eu vou dar um jeito.
— Lu, não faz besteira. Não pega dinheiro na mão de quem não presta e nem se vende. Por favor.
Luiza beijou a mãe, levou consigo o papel. Deu uma olhada para dentro do quarto onde a avó dormia. Dona Amelita merecia passar os últimos dias com conforto, e ela não tiraria a casa da avó. E nem a veria em um asilo.
Mal dormiu aquela noite. Não tinha nem contado sobre a ligação da clínica e já tinha outros problemas para o dia seguinte.

Acordou cedo e antes da mãe se levantar rumou para a clínica, já que ficava em um lugar afastado. Quando chegou lá, foi recepcionada e levada até a sala do Doutor Edson. se sentou e esperou, roendo as unhas pela chegada do homem.

Ainda de costas escutou a porta sendo fechada. O Doutor Edson entrou, e com o olhar lascivo se sentou frente á ela. O terno caro cinza apertado no peito lhe fez engolir em seco.

— Bom dia, Luiza. – Ele sorriu, malicioso.

— E então... – Ela disse. — O que ele aprontou agora?

— Nada. Seu irmão é um jovem exemplar, logo mais completa dezoito anos, e eu queria lhe informar que ficará um pouco mais cara a estadia dele aqui.

— Mas eu já paguei um aumento absurdo á meses atrás. – Luiza segurou a bolsa com força.

— Como vão as coisas na sua casa Luiza? – Ele mudou de assunto estrategicamente. — Sua avó.

— Estão todos bem. – Mentiu. — Porque?

Edson se levantou ajeitando o paletó caro, e sob o olhar assustado de Luiza passou a chave na porta.

— Faz quanto tempo, Lu?

Então era isso. Ela respirou fundo, assustada de mais para gritar.

— Dois anos? – Ele se abaixou e falou no ouvido de Luiza. – Nossas fotos estão meio velhas, e eu estou sentindo falta sabe...

— Mas você se casou não foi? – Luiza se levantou e passou por ele. — Sua esposa é linda, e dona disso tudo. Olha só, não é mais o diretor, agora é dono.

— Deixa a Camila de lado, querida. Tenho saudade daqueles pagamentos que me fazia.

-— Que não farei mais. – Ela disse de uma vez, virando o rosto para o lado.

— Pois então, venha buscar seu irmão esse final de semana. Quero ver como vai se virar com um viciado e uma velha doente em casa.

— Você não pode fazer isso Edson, – Luiza começou a chorar. — As coisas vão ficar ainda mais apertadas em casa. Eu trabalho horas a fio, e não posso ver meu irmão. Por favor...

— Bom. – Edson destrancou a porta. — A mensalidade desse mês vence na segunda, querida, se não pagar de uma forma, será de outra. – Ele se aproximou mais uma vez dela. — Dessa vez prometo que irá gostar.

Luiza passou por ele apressada, antes de fechar a porta, Edson lhe disse:

— Vou te mandar a localização. Até lá...

Luiza entrou no carro com a respiração presa. Dirigiu por alguns minutos e parou o carro no acostamento, socou o volante enquanto gritava de dor. Pensava ter deixado para trás a humilhação de se vender para salvar a vida do irmão. Agora, estava presa nele outra vez.

Chegou no hospital e mandou uma mensagem á mãe, avisando que precisou cuidar da papelada do irmão e já estava no trabalho. Enviou a mensagem e rumou para o décimo andar.

— Bom dia. – Luiza encostou tímida no balcão. — O Doutor Carlos está disponível?

Ingrid a olhou com piedade, deu uma olhada na tela do computador.

— Ele está atendendo uma pessoa agora, se quiser esperar, logo falará com você.

— Claro. Posso esperar ali?

Ingrid assentiu, e ela se sentou, mirando a rua movimentada. De costas para a secretária chorou, sentia que o mundo iria desabar outra vez se não conseguisse se livrar daquele homem. Estava secando as lágrimas quando a porta abriu, sentiu que alguém passou por ela. Quando olhou, nem Ingrid ou o tal amigo estava lá.

— Senhorita Luiza, – Doutor Carlos estendeu a mão. – Venha, entre.

Enquanto Luiza entrava, Nando sem perceber sua presença se preparava para conversar com Ingrid. Sentia um misto de desejo, ansiedade em estar com ela.

— Senhor Fernando? – Ingrid parou em frente ao homem. — Aconteceu algo?

— Sim. Quer dizer... Eu estava pensando.. – Ele colocou as mãos nos bolsos. — Estava pensando se quer sair comigo nesse fim de semana. O que acha? Um jantar fora daqui.

— Não está internado? – Ela perguntou, confusa.

— Enquanto eu quiser. Júnior me liberou se você aceitar.

— Claro. – Ela disse, com os olhos brilhantes. — Onde?

— o Júnior vai me passar seu endereço, passo lá as sete horas, pode ser?

— Sim. – Ela disse.

Fernando sorrindo a beijou, foi um beijo rápido, mas foi direto na boca. A loira mal podia esperar para ter uma noite com Fernando Olivar Smith. E mal podia esperar para mudar de vida.

Enquanto Fernando dava um passo em direção do sonho de ser pai, Luiza se explicava para o Diretor do hospital, deixando de lado o fato de se vender caso não conseguisse esse dinheiro.

— Vamos lá Luiza, – Doutor José Carlos entrelaçou as mãos. — Tem semanas aqui, não é nem registrada ainda, e já quer um empréstimo. Você sabe que seu irmão pode ser internado em outro local.

— Mas aí seria essa dívida, e outra nova. – Luiza abaixou a cabeça. — Olha, sempre trabalhei, nunca pedi dinheiro á ninguém, mas dessa vez Doutor, só eu sei o quanto é triste procurar noite após noite pelo meu irmão.

José Carlos respirou fundo. Nem era tanto dinheiro assim, e ele só precisava conversar com Nando, enviar para o RH e pronto. Ela teria esse empréstimo.

— Que dia ele quer esse dinheiro? – Ele perguntou.

— Vence na segunda.

— Segunda voltamos a nos falar, ok?

— Ok.

Um pouco mais aliviada, Luiza saiu da sala, pegou o elevador e saiu no corredor escuro. Ainda tinha tempo, então decidiu ligar para o amigo.

— Luiza. Aconteceu alguma coisa?

— Não. – Luiza fechou os olhos. — É que estive na clínica de novo.

— Ai meu Deus, Lu. – Gabriel disse do outro lado da linha.

— Ele vai tirar o Walter de lá, se eu não ... Você sabe.

— Se vender á ele? É isso?

— Isso...

Luiza chorou ouvindo o amigo fungar do outro lado.

— Não. De novo não. – Gabriel disse. — Qualquer coisa venha para o Rio, podemos dar um jeito na sua vida.

— Sinto sua falta Biel.

— Eu também. Olha, preciso ir. Promete que vai me ligar quando chegar em casa.

— Prometo.

O amigo voltou ao trabalho, enquanto Luiza chorava com o celular no peito.

Olhando ela, meio encoberto pelo corredor escuro, Fernando tentava entender o que tinha acabado de acontecer. Pensou ter sido puro azar ter descido pela escada e se perdeu nos corredores. Quando escutou uma voz conhecida, ia voltar mas o assunto lhe chamou a atenção. De longe escutou Luiza dizer que estava sendo pressionada por um homem podre.

Ela não usava o avental feio da limpeza, os cabelos castanhos encaracolados estavam soltos como uma cascata pela cintura. Ela usava calça jeans e mesmo aquela hora, e com o calor de Marília, usava blusa, cobrindo os braços.

Quando ela se movimentou ele se escondeu. Luiza entrou no vestiário e ele aproveitou para voltar por onde tinha vindo. Encontrou o quarto sozinho. A empolgação de sair com Sophia, de alguma forma se fora.

Assim que passou pelo corredor encontrou com a Doutora Carolina.
— Bom dia Doutor. – Ela lhe sorriu. — Andando sozinho por aí?
— Estava tomando um ar. – Mentiu. — O que faremos hoje?
Carolina riu, ele sabia o quê fariam hoje, mas preferia fingir que era um leigo.
— Hoje terminaremos o primeiro ciclo, Doutor.
Fernando a acompanhou e esperou pacientemente as enfermeiras o conectar. Queria desesperadamente estar bem para o encontro.
Se tivesse sorte, sairia dali com a mãe de seu futuro filho

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