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A companhia perfeita

Nem tudo é da forma que esperamos, pensou Luiza enquanto passeava com os lençóis pelo hospital. Já estava na hora de ir embora, mas Amargareth a fez trocar os lençóis de quase todos os leitos, a coluna quase rangia.
Ia passando pelo quarto de Nando quando o viu, ele tentava ler o livro, estava muito mais pálido e com os olhos vermelhos, parecia que o livro pesava muito.
Num movimento em falso o livro caiu de sua mão.
— Eu pego. – Ela largou os lençóis e pescou o livro do chão.
— Obrigada. – ele tentou sorrir. — Estava tentando ler, mas acho que minha visão não me acompanha.
— Descanse, talvez amanhã estará melhor.
Luiza também parecia triste, os olhos estavam marejados de chorar por horas. Ela tinha um semblante cansado. Fernando pensou que um poderia distrair o outro.
— Já está indo embora?
— Já era pra ter ido. – Ela sorriu.
— O que acha que me ajudar. Queria muito saber se o Bentinho deixará mesmo de ser padre.
Ela sorriu, sabia de cor que ele deixaria.
— Não me conta! – Nando se defendeu.
— Minha mãe vai ficar preocupada.
— Avisa que vai ficar mais vinte minutos. – Ele argumentou.
— É que meu carro está meio ruim, e com o frio ele demora a pegar.
— Te chamo um Uber. Vamos... Eu juro que te chamo um Uber.
Não havia mal algum, ele estava em tratamento, e ela poderia ir pra casa de qualquer forma. A mãe vivia dizendo que ela deveria arranjar amigos e sair mais, ou acabaria velha e amargurada.
— Espera um pouco.
Muito apressada Luiza terminou os afazeres, trocou a roupa, mandou mensagem avisando que chegaria tarde, mas que pegaria um uber.
A resposta foi a mesma.
"Vem com Deus, filha".
Quando chegou, Fernando a olhou com intensidade, mas logo desviou os olhos. Estendeu a mão com o livro e fechou os olhos.
Luiza leu com calma. Podia até mesmo imaginar a agonia de Bentinho ao ouvir da mãe que seria Padre. A cobiça por Capitu, a amizade. Leu até sentir a visão debilitada doer.
— O que foi? – Nando perguntou um tanto sonolento.
— Eu... É que eu tenho a visão fraca sabe.
— Miopia?
— Um pouco pior. – Ela disse. — Ceratocone.
— Humm  – Ele sabia o que era, mas queria ouvi-la.. Adorava a companhia dela. — Pode me contar sobre ela?
Sentada ali, na cadeira ela o contou sobre a doença, as implicações e até como descobriu. Quando terminou já era tarde.
Fernando ouvia maravilhado enquanto encarava o teto. Se lembrava das viagens que fazia, e das noites que dormia ao ar livre.
— Preciso ir. Está um pouco tarde.
— Eu.. Eu peço um Uber. Espera.
Ele realmente pediu um Uber. Faltando pouco para a chegada ela se aproximou, ia despedir de longe, mas Nando lhe puxou e depositou um beijo na bochecha, quase na boca.
— Até amanhã, Luiza.
— Até amanhã, Nando.
Tímida ela deixou o hospital e aceitou a carona.
Quando chegou em casa as duas estavam dormindo. Foi fácil pegar no sono mesmo com todos os problemas.

No dia seguinte Fernando teve alta. Até o segundo ciclo da Quimioterapia demorariam alguns dias, e nesses dias ele precisava se manter saudável.
Esperou por Luiza, mas o motorista chegou antes.
— Seu motorista chegou. – Sophia apareceu, com um sorriso no rosto.
— De esse papel para a Luiza, diga que esperarei a ligação dela.
Sophia pegou o papel e quando a porta do elevador se fechou, o jogou no lixo.
Margareth que observava tudo de longe pegou o papel da lixeira e o guardou.

(***)

Luiza logo de manhã lembrou- se que estava de folga. Era uma folga merecida.
Aproveitou para arrumar o quarto, ajeitar as coisas e passear com a avó.
— Vamos vó. – Luiza se levantou e deu a mão a ela.
— Agora não posso. Tião logo passa por aqui e eu quero ficar de namorico.
Dona Amelita vivia no passado, e para ela ainda era uma jovem namoradeira. Hoje ela namorava Tião, o homem que se casou na mocidade e viveu quarenta anos.
Ela esperou por Tião até esquecer.
— Vamos vó. – Luiza a chamou outra vez.
— Meu Deus Luiza, arruma um namorado. Parece uma velha coroca. Que horror.
Luiza riu, adorava provocar a avó.
— Vem pra casa que teremos nosso dia de princesa.
— só se pintar minhas unhas de vermelho. – Ela esperou a neta concordar. — E meu cabelo também.
— O cabelo também. – Luiza fingiu anotar.

Mas Amelita repetiu a palavra vermelho até que Luiza acabou entrando em uma loja e comprou a tinta e o tonalisante para agradar a avó.

Já era tarde quando Luiza conseguiu comer, a mãe ainda não havia aparecido, o que era até normal, sendo ela uma faxineira. 

Depois do jantar, Luiza se ocupou com a louça, estava quase terminando quando viu um carro parando, era luxuoso. A porta abriu e dele saiu Edson, de camisa cinza, a calça era preta, do lado dele, dois homens, todos mal encarados.

Ele não chegou a bater palmas, sabia que em algum lugar daquela velha casa, a sua caça da noite estaria o olhando.

— O que quer aqui? – Luiza se adiantou até o portão. — Ainda estou em tempo. Vá embora.

Edson riu, tirou a mão do bolso para olhar as horas e voltou a encara-la.

— Não posso sentir saudade?

— Vai embora, minha mãe logo chega. – Luiza voltou a falar.

— Belas pernas Lu. – Edson a olhou de cima a baixo. — Um pouco frio para isso não?

Luiza engoliu em seco. Sabia que ele gostava de tirá-la do sério.

— O que quer aqui? Fala logo.

— Seu irmão precisa de roupas, as dele alguém roubou. – Edson deu de ombros. 

— Vou ver o que tem aqui.

Luiza mal se afastou, passou pela porta e rumou para o quarto pequeno. Walter mantinha tudo organizado. Não foi difícil encontrar roupas, e bolsa. Luiza tentava não pensar na solidão do irmão quando se virou e deu de cara com Edson, olhando fixamente para ela.

— Puta merda. Pulou o portão? – Luiza se assustou.

— Não. Ele estava destrancado. – Ele sorriu, sínico.

— Toma, não tem muito mais, ele vendeu as melhores a troco de droga. 

Edson pegou a bolsa e a jogou na cama, na verdade ele foi ali querendo outra coisa. Pegou Luiza desprevenida em um beijo lascivo, forte, e agressivo. Sentiu a garota se debater contra ele, mas queria outra coisa, aquelas pernas o deixou louco. 

Luiza era mais baixa que ele, e não tinha forças para se livrar, usou ao seu favor o que sempre usava quando apanhava dos mais velhos na escola. 

— Maldita! – Edson se afastou com a mão na boca. — Me mordeu?

— Sim. – Luiza aproveitou e passou por ele. — Agora sai daqui, não te dei liberdade para tentar algo comigo.

— Me deu sim, e sabe disso. Agora, – Edson sorriu com a boca machucada. — Você sabe que não terá escapatória, não será dentes ou chutes que vai te livrar de mim. Até segunda querida.

Ela escutou a conversa alegre dele com Dona Marli, escutou ele dizendo que fora ali pegar mais algumas coisas, e que no caminho se acidentou, mas que a Lu cuidou dele.

Dona Marli mal sabia o que tinha acontecido, entrou cansada como sempre, e foi até Luiza.

— Lu. Cheguei.

— Mãe. – Luiza segurou o choro. — Chegou tarde.

— Desculpa querida, fiquei cuidando dos meninos  um pouco a mais. O bom é que vou receber por isso.

— Que bom mãe. – Luiza respondeu.

Ficou com a mãe enquanto ela jantava, conversou sobre o hospital, até mesmo sobre Nando.

— Mas o que ele tem?  – Dona Marli quis saber.

— Não sei. Ele não me fala sobre isso. – Luiza respondeu. — Deve ser alguma doença crônica.

Enquanto falava em Nando, a mãe notou que os olhos dela brilhavam. Não era a primeira vez que Luiza se apaixonava, e não seria a última que quebraria a cara. 

— Vou dormir, mãe. Boa Noite.

Luiza se despediu da mãe e se deitou ouvindo a movimentação na casa. Não queria chorar, ainda tinha tempo de pedir ajuda. Bastava esperar.

Escutou uma conversa no outro quarto. 

— O que é isso mãe? – A mãe dela dizia.

— A Lu pintou meu cabelo ué! – A avó respondeu.

— Vermelho mãe? Você é uma senhora de idade.

— Velha é você, eu sou jovem, e nesse final de semana o Tião vem me pegar para passear. 

— Mãe!

— Mãe nada. Me respeita. Credo. Cuida da sua vida. – Amelita disse, bem alto. — E para de me chamar de mãe, não tenho idade pra ter filha velha e mal-humorada.

Até mesmo Luiza riu. As vezes se esquecia que por trás de toda a confusão engraçada da avó, tinha também o lado triste das complicações.

A casa silenciou, e nem assim Luiza conseguiu pegar no sono. 

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