Capítulo III
[CAPITULO III]
Tão natural quanto a luz do dia, mas que preguiça boa, me deixa aqui à toa, hoje ninguém vai estragar meu dia...
— Google, desligue a música... — Lethicia murmurou, primeiro em português, a cabeça ainda sobre o travesseiro, sonolenta. Charlie Brown como despertador a ajudava a ter forças para levantar todas as manhãs. A assistente do google home não entendeu. — Google, desligue a música! — Bradou, em inglês, projetando a voz. A música parou.
Leth jogou as cobertas para o lado, sentindo os pelos se eriçarem. O relógio eletrônico pousado sobre a cabeceira marcava 6:31. A moça abriu as cortinas e a janela, iluminando o cômodo com um feixe de luz. O amanhecer estava claro e sem nuvens, colorindo o céu de laranja, amarelo e cor de rosa. O Sol batia nas copas das árvores altas, refletindo nos prédios ainda maiores. Deixou a roupa limpa sobre a cama e saiu, bocejando.
— Mãe? — Chamou. Recebeu apenas silêncio. — Mãe! — Mais silêncio.
Ivana ainda não tinha voltado.
Leth suspirou, passando as mãos esguias pelo rosto e vestiu apenas a camiseta do pijama, se dirigindo para o banheiro. A moça amarrou os cabelos o suficiente para que não incomodasse no banho. Entrou no boxe, agradecendo a água quente e a sensação de acolhimento a engoliu. Era revigorante sentir escorrer pelos músculos, a acordando com um chacoalhar divino. Seu sabonete tinha cheiro de laranja e jasmim. Desligou a água, se enrolou em uma toalha e saiu.
Mas assim que Leth voltou o olhar para o espelho da pia, ainda embaçado pelo vapor, sentiu que suas pernas não conseguiriam mantê-la em pé. A pressão despencou e pontos pretos piscaram na visão. O ar parecia pesado. O cheiro a intoxicava, pungente, fresco, não conseguia descrever o que era.
Em uma caligrafia psicopata, com traços firmes, de cor vermelha muito escura, as seguintes palavras estavam escritas no espelho, refletindo o rosto perplexo da moça:
Ela está conosco e bem. Encontre o selo.
Lethicia se apoiou na bancada até reparar nas manchas vermelhas sobre o tampo e puxar a mão com repulsa, medo. O coração estava acelerado, corria uma maratona e lágrimas começaram a escorrer pelo rosto, carregadas de desespero.
— MÃE!
.
Tinha uma padaria vinte e quatro horas, muito conhecida na região da Aclimação, que não ficava longe do apartamento em que Lethicia e Ivana moravam. O lugar tinha a aparência de uma padaria comum, com o prédio revestido de ladrilhos azuis e um janelão de vidro, onde persianas brancas impediam a visão de dentro do estabelecimento.
Ivana se lembrava de estar ali. Ela tinha dezoito anos da última vez que pôs os pés naquele lugar, mas a padaria não mudou um centímetro. A atendente no balcão já não era mais a mesma, tinha um olhar sonhador e distante.
— Me vê esse bolo de morango, por favor? — Ivana pediu em tom baixo, encostando o corpo contra o balcão. Sorriu simpática e como um espelho, a jovem atendente repetiu o gesto, concordando com a cabeça hipnotizada.
Ela se sentou em uma mesa para duas pessoas, mais afastada ao fundo. Não estava vazio, padarias vinte e quatro horas costumavam ter grande procura na madrugada. Xícaras e mais xícaras de café deixavam um burburinho baixo e confortável no ar, quente por conta da chapa ligada. A mulher cruzou as pernas, deixando a pequena bolsa sobre o tampo de madeira e esperou, apreensiva, que um rosto conhecido surgisse.
O rosto que tanto sentiu falta.
E assim se passaram dez longos minutos.
Se permitiu deixar que a impaciência a consumisse, colherada por colherada. Procurou o relógio pendurado na viga de concreto. Os ponteiros marcavam quase uma hora da manhã e ela não queria voltar para casa sem respostas. Pensou se deveria pedir algo para beber. Talvez uma cerveja a ajudasse a suportar a tensão que a fazia batucar o sapato contra o assoalho.
Então, a porta de vidro foi aberta e Ivana prendeu a respiração involuntariamente.
O silêncio se espalhou como uma onda, mesa por mesa se calando, em resposta à presença daquele ser. Ninguém realmente prestou atenção na mulher que entrou, o burburinho voltando a se sobrepor ao som da máquina de expresso tão rápido quanto desapareceu.
O olhar de Ivana Castro se fixou nas íris de um tom impossível de azul de Eliane Bloodontop.
A primeira vista, a mulher de cabelos negros acima do ombro não tinha nada de diferente, além da extrema beleza. Ivana percorreu os olhos pelo rosto jovem e pálido como a morte, salpicado de sardas, pelas bochechas proeminentes e pelo maxilar marcado. Sua pele parecia refletir a luz das lâmpadas, os lábios avermelhados de forma natural completando o rosto esculpido. Era como uma estátua, tamanha a perfeição das feições. Ela usava um sobretudo escuro, calças leggings e uma camiseta branca folgada. Tentava não atrair olhares, escondida na máscara de normalidade, na aparência humana.
Mas Ivana já a encarou bem fundo nos olhos, mais de uma vez. Ela sabia, tinha total noção do que se escondia detrás do azul tão claro, da escuridão confusa que espreitava ali, no interior de Eliane, como um animal feroz esperando o momento de atacar.
Aquilo era a imortalidade, o elixir que corria no sangue dela. Um imenso poder, que poderia ser uma dádiva... Ou uma maldição.
Ela se sentou de frente à ela e apoiou o corpo no encosto da cadeira, expressando desconforto. Ivana engoliu outra colherada apressada, se perguntando se deveria oferecer o doce e um silêncio se instalou entre as duas, estridente. Então, Eliane pigarreou:
— Você está bonita.
A humana sorriu.
— Obrigada. Você continua linda... Uma perfeição esculpida em mármore. Gostei do corte. — Ivana percorreu o olhar pela imortal, as palavras se derramando, ansiosas.
— Agradeço. — Disse Eliane, de maneira um pouco seca.
O tom frio da imortal não era um incômodo. Mesmo depois de quase vinte e cinco anos sem vê-la, Ivana ainda conhecia sua maneira de agir. Viveram sob o mesmo teto. Novamente, um silêncio pouco acolhedor se assentou entre as duas. Eliane pediu que trouxessem um expresso. Ivana esperou até que o café estivesse sobre a mesa para dizer:
— Quando encontrei o selo dos Bloodontop em cima da minha mesa de centro... Não consegui, não tive como segurar o choro. Sorte que Lethicia não estava em casa... — A mulher remexeu com a colher. — O que aconteceu com aquela história de "será mais fácil se jamais souberem que ela existe?" Como podem me pedir algo assim, pedir isso para ela!
A de pele tão pálida quanto a morte suspirou.
— Desculpa por ter te contactado dessa forma. Mas não podemos mais ignorar a situação, o perigo que a impediu de continuar a viver com a gente está completamente diferente.
— Eu imagino. Mesmo para os critérios imortais, vinte e cinco anos é mais do que o suficiente para planejar uma guerra. — A humana riu. — E claro, querem que minha filha esteja junto, no meio da tempestade!
A mulher baixou o tom de voz para um sussurro, a fim de não atrair olhares curiosos ou ouvidos convenientemente atentos.
— Ivana, ela pode ser a chave para que não tenha guerra. Sua existência pode resultar em uma renovação, a possibilidade de que tempos melhores venham para nós. Tempos de paz! — Rebateu. — Se imagine por um momento, vivendo a eterna felicidade que buscava quando era jovem. Pelo resto dos tempos, junto à sua filha, à Conrado...
Ivana mergulhou em um silêncio birrento, encarando o chão. Eliane sorveu um gole de seu expresso, sem tirar os olhos da mulher.
— O que vocês roubarão dela, enquanto não conseguirem o que desejam?
— A imortalidade não tira nada. Não rouba uma única experiência, só adiciona novos horizontes.
— Sabe que não penso como você. — A humana respondeu, tossindo baixo. Mesmo jovem, nunca se deixou levar pelas promessas da vida eterna, seus motivos eram outros. — Há uma coisa que A Escuridão nos tira. A humanidade.
— Se bem me lembro, nunca se importou com esse detalhe.
As duas se encararam por um segundo, antes que a mulher de pele preta piscasse. No rosto de Eliane, um sorriso sádico se abria.
— Está certa, minha humanidade nunca foi algo que prezei. Mas nesse momento, essa escolha não é minha e sim de Leth, apenas dela.
— Você pode ajudá-la a decidir. — Anunciou Eliane, como se fosse óbvio. A outra não soube como rebater, deixando que o silêncio ecoasse. — Sei que não era bem eu que queria ver hoje. Está bonita, Conrado diria o mesmo. Mas precisa pensar, pesar as opções. É apenas questão de tempo para que tudo isto chegue ao mundo humano. Se a carnificina começar, ela não estará segura em nenhum dos lados.
Ivana se permitiu tempo suficiente para pensar, cogitar suas possibilidades. Nunca precisou de muito tempo para tomar uma decisão, mesmo as que trariam grandes consequências. Sentia os nervos à flor da pele, enquanto sua mente girava. Por fim, a humana disse:
— Quando descobri que estava grávida, desejei com todas as minhas forças que Leth crescesse perto da família. Mas ela seria humana, mortal, não seria possível. A única família que minha filha teve fui eu e seus amigos, alguns que vieram e ficaram, alguns que se foram. — A voz da mulher estava firme apesar de não esconder o desconforto. — Ela escolheu quem estaria junto com ela. Sempre esteve no controle da própria vida, mesmo que eu estivesse ao lado, a orientando quando necessário. Quero que minha filha conheça o seu mundo, conheça tudo o que deveria ter sido dela e por isso vou ajudar a levar ela até Conrado, até seus irmãos. Mas não vou mover um dedo a mais que isso. Lethicia decidirá o que vai fazer com as informações que receber, com o que verá lá. Sei que querem que ela fique, mas a escolha será dela e apenas dela. — Suspirou. Eliane franziu as sobrancelhas, mas o esboço de um sorriso repuxou seus lábios. A imortal sorveu outro gole de café, concordando devagar. — Essa é a vida que escolhi para mim, não vou mentir que quero voltar para ela. Mas se Leth escolher voltar para São Paulo, quero que me jure, que vão deixar ela em paz!
A outra nem ao menos hesitou em anunciar.
— Dou minha palavra, em nome do clã Bloodontop.
Ivana bufou, liberando o ar que a sufocava. Um suspiro de alívio.
— Lethicia não é como eu. Ela tem uma vida bem estruturada, com bases fortes, aqui. Vai precisar de uma, duas semanas até que possa resolver tudo, para sequer viajar alguns dias para fora do país, não pode simplesmente largar tudo de uma hora para outra.
— Ela terá todo o tempo e verba que precisar, não se preocupe. — Eliane, sem aviso prévio, estendeu o braço e segurou a mão de Ivana, um ato de afeto pouco comum. A humana se surpreendeu, o coração acelerando. Vindo de Eliane, algo assim era uma joia rara. — Vejo que amadureceu desde a última vez que nos vimos. — Comentou.
— Eu tinha dezoito anos Eliane, hoje tenho quarenta e três. Seria triste se não tivesse amadurecido...— Ivana resmungou, tossindo uma risada fraca. Sabia que as bochechas estavam vermelhas.
— Não é tanto tempo assim.
Casualmente, a imortal tomou o restante de seu café e as duas se levantaram. O clima, que antes era pesado, se dissolveu como papel em água, enquanto caminhavam em direção ao caixa. Ivana pegou sua bolsa, mas Eliane a impediu.
— Eu pago. Te trouxe aqui, nada mais justo.
Assim que saíram para o ar úmido e fresco da madrugada, em completo silêncio, a humana perguntou:
— Está a pé?
— Não, Mira estacionou a algumas quadras daqui. Vem conosco hoje?
A mulher pensou por um segundo, encarando as poucas estrelas que salpicavam o céu. A imortal se adiantou pela calçada de pedra e Ivana a acompanhou.
— Vou. Preciso passar em casa, fazer uma mala...
A de pele pálida balançou a cabeça devagar, as guiando pela calçada. Assim que o carro preto brilhante surgiu em seu campo de visão, Ivana reparou na figura esguia de Mira, se erguendo da parede, oculta em sombras.
— É bom te ver de novo. — Disse Ivana, encarando os olhos de Mira.
— Digo o mesmo. — Ela respondeu, abrindo a porta do carro para permitir que entrassem. Com um gesto floreado, indicou o veículo. — Senhoras...
O rosto da humana ruborizou. Ocultando seu desconforto, se sentou e as imortais a acompanharam, Mira ocupando o assento do condutor e Eliane, o espaço ao lado.
Seu coração se apertou e a mortal permitiu que o olhar se perdesse ao observar a paisagem, escurecida pelo vidro fumê. Durante os primeiros dez anos da vida da filha, Ivana deitava a cabeça no travesseiro e pedia a qualquer divindade que se desse ao trabalho de ouvir para que devolvesse a ela a vida que planejou, ao lado de quem amava, envolta na sociedade que se tornou seu lar. A perspectiva acabou estraçalhada em mil pedaços quando Lethicia apresentou uma redação escolar onde descrevia o que queria ser quando crescesse. Ela se lembrava da noite de quinta-feira muito fria e chuvosa, em que ela dormiu abraçada à criança alta demais para a idade. Foi por volta das duas da manhã, que a ficha de que precisava seguir em frente caiu. Lethicia não era uma criança imortal, era tão humana quanto ela. E tinha começado a construir seus sonhos, suas perspectivas...
Eles não voltariam para buscá-la. Precisava finalmente superar seu complexo da princesa na torre e criar sua menina, mostrar o que poderia fazer em seu mundo. Lethicia ganharia o mundo humano, da maneira que escolhesse.
Mas Ivana sempre sentiu que não pertencia àquele lugar. Seus pais fizeram questão de ressaltar como não servia para ser uma mulher direita, quando a expulsaram de casa. Mas ela descobriu um lar no castelo Bloodontop, descobriu uma sociedade onde podia ser quem gostaria de ser.
E ela queria, desesperadamente, voltar ao seu lugar preferido no mundo, seu refúgio.
Esperava que Leth pudesse a perdoar.
.
— Quando foi a última vez que esteve com ela? — Analu indagou, caminhando de um lado para o outro. Seus sapatos provocavam um barulho ritmado no chão que começou a irritar Leth profundamente.
Assim que a moça despertou do torpor de encontrar o espelho pintado — no que, por conta do calor do momento imaginou ser sangue, mas mais tarde se revelou apenas um de seus batons vermelhos, fedendo por estar úmido —, seu primeiro ímpeto, depois de destruir as cordas vocais em um grito esganiçado e choroso, foi ligar para Ana Lúcia. Ela costumava levantar por volta das oito da manhã, mas atendeu Leth em um tom de voz arrastado e rouco. A moça despejou sobre a amiga rápido e sem muitos detalhes o que tinha acontecido e imediatamente, ela disse que chegaria em quarenta minutos.
Agora, a jovem checava pela enésima vez os armários da área de serviço, abrindo a máquina de lavar e esquadrinhando a avenida pela janela, como se Ivana pudesse surgir magicamente e gritar que tudo aquilo era uma piada de mau gosto.
— Me escuta Ana Lúcia! Já disse, ela saiu ontem à noite para dançar e não tinha voltado quando acordei. Então, eu estava me preparando para sair e encontrei no espelho do banheiro, pintado com a merda de um dos meus batons, uma frase que dá a entender que minha mãe foi sequestrada! — A moça desencostou o corpo da parede e sentou no sofá, temendo que suas pernas não suportassem o próprio peso.
— Em algum momento ela avisou se encontraria alguém na rua? — A jovem de cabelos crespos surgiu na sala pelo arco da cozinha.
— Não, mas quando ela sai durante a semana, normalmente acaba indo sozinha. As amigas da minha mãe trabalham de segunda à sexta, em horário fixo, carteira assinada... — As duas se entreolharam, soltando suspiros idênticos. O dia mal tinha começado e Leth já se sentia exausta, ainda de pijama. A moça levantou, cruzando os braços. — Não acho que ela tenha encontrado alguém. Não sou exatamente uma perita criminal, mas nada indica que isso aconteceu. Eu não estaria tão assustada se não fosse a mensagem no espelho! Alguém entrou nesse apartamento, com a porta trancada e se deu ao trabalho de me assustar, insinuar um sequestro! Consigo contar, de cabeça, quatro leis infringidas, no mínimo!
— Já ligou para saber se ela atende? — Continuou Analu.
— Está subestimando minha inteligência Ana Lúcia, claro que já tentei ligar! Ela não atende, por mais que eu insista! — Leth disse, um pouco irritada.
— Você precisa fazer um BO.
— Vou fazer. Não sei como vou conseguir trabalhar hoje, sinto como se meus músculos estivessem pesados... — Lethicia choramingou, levando as mãos às têmporas para aliviar a tensão. Respirou fundo, sorvendo todo o ar que conseguia.
—Não vai hoje, Lê... A Joana te adora. Tenho certeza que ela vai entender sua situação se você avisar.
— Joana vai querer é me matar, mas sinceramente, contenho a fúria dela depois. Vou ligar para lá. — A moça observou o raio de Sol amarelado que entrava pela varanda e virou de novo para a amiga, sorrindo sincera. — Obrigada por ter vindo tão rápido, não conseguia pensar direito depois do susto, acho que teria surtado!
— Você teria surtado muitas vezes se eu não existisse dona Lethicia!
Leth tossiu uma risada fraca e pesada, carregada de tensão. Sentiu que um pouco do peso se dissolveu na atmosfera, junto com o ar frio.
— Verdade. Me abraça? — Estendeu os braços e sem hesitar, Analu se aconchegou sobre o peito de Leth, passando os braços em volta da cintura da amiga.
A moça se demorou um pouco no abraço, passando os dedos pelos cabelos de Ana Lúcia, sentindo a textura. A jovem tinha a pele quente e calorosa, um contraste sob as mãos frias e mesmo mais alta, Leth conseguia apoiar seu rosto no ombro da amiga.
— É uma pena que vou ter que dizer au revoir, preciso ir para o trabalho. — Analu se afastou, por fim. — Não posso fazer como você e faltar hoje...
— Fica tranquila, se tudo der certo, eu passo no Docca's hoje também para te ver. — Leth disse, passando os dedos por entre as mechas de cabelo ainda úmido.
Ana Lúcia pegou sua jaqueta jeans, e a bolsa, guardou o celular e verificou o bilhete único. Usando um pente garfo, desamassou as mechas de cabelo em frente ao espelho da entrada. Por fim, a jovem encostou na soleira do portal entre a sala e a cozinha, observando Lethicia procurar uma xícara limpa no armário.
— Estou saindo.
— Okay, cuidado no metrô. — Advertiu a moça, enchendo a xícara com café preto.
Ela ouviu Analu sumir porta afora. Leth deixou seu café e o celular sobre a mesinha de centro, tomando cuidado para não derramar e esquadrinhou a sala com o olhar em busca do controle remoto. Precisava lembrar de conectar a televisão à assistente virtual...
Porém, antes que pudesse achar o aparelho, algo chamou sua atenção. No primeiro compartimento do hack, estava um envelope incomum, um pouco envelhecido e lacrado com um selo de cera vermelho sangue, onde a letra B foi desenhada de forma decorativa. Lethicia puxou o envelope, as sobrancelhas franzidas. No verso, escrito em uma caligrafia redonda, estava o destinatário Lethicia Castro, mas não havia remetente, endereço ou qualquer outra informação.
Ela forçou o lacre, mantendo o selo intacto e tirou um papel de cor estranha. Não era um sulfite e sua textura porosa lembrava um pergaminho antigo. A caligrafia também não parecia familiar, com exceção de um rabisco no canto da folha, que reconheceu ser a letra de sua mãe, um pouco torta, como se tivesse escrito de forma apressada.
Arrumou o papel em mãos e passou o olhar sobre a carta.
À Lethicia.
Há muito tempo, espero ansioso por esse momento. Durante noites a fio, me peguei imaginando como seria seu rosto, que cor teria sua pele, seus olhos. Por muito tempo, me amaldiçoei por ser incapaz de te proteger e tê-la por perto. Não sei se me conhece, se Ivana contou de mim, mas é justo que saiba quem escreveu essa carta.
Sou Conrado Bloodontop. Teu pai.
Se ouviu histórias, me pergunto qual seu conceito sobre mim. Se não ouviu, a pergunta permanece. Mas não é apenas com palavras bonitas que quero conquistar sua confiança, mas por ações.
Ivana está conosco, com sua família. Sua mãe aceitou meu convite de voltar à Romênia. Ivana me mantém de pé, me encoraja a escrever. E alimenta a esperança de que um dia, terei as duas aqui.
Gostaria que estivesse aqui, que pudesse conhecer seus irmãos, que viesse até a minha casa, ao menos para uma visita breve.
Não poderei, jamais, expressar todo o meu arrependimento por ter permitido que Ivana e você se afastassem e tudo o que peço é a chance de recuperar o tempo que foi perdido, te dar a oportunidade de conhecer sangue do teu sangue.
Há dinheiro para comprar as passagens e terá alguém te esperando no aeroporto, se decidir vir. É tudo o que peço.
Uma chance.
C. B.
Ps: Mamãe está bem, Leth... Espero que possa me perdoar.
Subitamente, o ar parecia denso, o planeta girava mais rápido.
A pele arrepiada de sua nuca, o chão frio sob seus pés descalços, tudo parecia mais intenso. A moça sentou lentamente, onde estava, sem ousar se mover e deixou que os braços rodeassem o corpo em posição fetal, o polegar acariciando os joelhos. O olhar se perdeu na carta, relendo várias e várias vezes até a exaustão. Ela sentia o calor do Sol acariciando as costas, a mente corria em disparada, tentando assimilar.
Por fim, com o envelope pesado por conta dos mil euros em uma mão e a carta em papel poroso na outra, Lethicia Castro suspirou e deixou que uma lágrima solitária escorresse pelo rosto, contornando a curva da bochecha e pingando em seu colo, quieta.
Apenas uma. Não permitiria nada mais.
[NOTAS]
Oieee mis milhos pra pipoca! Tudo bom com vocês! Espero que sim!
E agora, realmente aconteceu, finalmente reencontramos a parte sobrenatural desta história! Acharam que havia esquecido disso? Acharam errado! Uma das partes que mais achei interessante e que é importante que vocês prestem atenção, é na Ivana conversando com a Eliane e tudo o que foi dito por elas! Coisa mais linda essas duas, de verdade, voltou com a vibe que eu queria (mesmo que ela vá sumir daqui a pouquinho). Então? O que acharam? Coloquem suas opiniões e teorias nos comentários e não se esqueçam de apertar naquela estrelinha linda, que me ajuda demaaaaiiis!!
Até quarta!
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