Capítulo três
A manhã invadiu meu quarto, percorrendo todas as paredes, com uma insistência infantil em me acordar. As recordações do dia anterior fizeram o sol brilhar mais forte e a brisa cantar mais afinada, uma felicidade pulsante e nova.
Cantarolando, não me dei o trabalho de tirar o pijama, apenas coloquei a rosa vinho de Seu Domingos no cabelo e desci até o meu café da manhã.
- Bom dia, Dona Vive, como a senhora está?
- Estou bem, Lisa. E você? Vai querer o que hoje?
- Melhor impossível. Quero um "frozen" de morango quatrocentos mililitros.
- Claro, cinco reais.
- Aqui está. Obrigada.
- Linda essa flor, foi meu marido que te deu, não é?
- Sim, ontem. Também achei linda. - aproveitando o movimento zerado pelo horário atípico, sentei-me em um dos bancos próximos ao balcão para conversar melhor. - A senhora quer ver como fica em você?
- Oh, não precisa, querida. Algum programa para esse sábado lindo?
- Estudar idiomas. Animador, não? - comentei com certa ironia na voz.
- Na verdade, parece bem interessante. Bom, se me der licença, alguém acabou de chegar. Bons estudos. - olhei para trás e vi uma mulher jovem com uma pequena menina entrando distraidamente no recinto.
- Certo, até outro momento, Dona Vive.
- Até, Lisa.
Saí do estabelecimento levando um pouco do ar ameno e agradável comigo, poucas pessoas passam nas calçadas em animadas caminhadas com roupas da academia e os sorrisos tão reluzentes quanto o ambiente. Talvez eu também faça um exercício hoje, para relaxar antes de estudar. Um carro passou tranquilo com uma família dentro, pelos objetos que estavam carregando e pela direção que tomaram, estavam indo para o outro rio da cidade.
Atravessei a rua, parando no local em que escutei aquelas vozes na noite passada e percebi que não soube o nome do segundo garoto. Diego, Bia e ...? Quem sabe eu descubro um outro dia?
No meio de minha volta despretensiosa, a porta dos gêmeos abriu rapidamente, revelando um Julian ofegante e levemente preocupado com algo. Ao me ver ali parada e de pijama, sorriu de alívio.
- Ah, docinho, que bom que é você! Aquela ajudinha ainda está de pé?
- Está sim. Do que precisa? - o copo de "frozen" acabou mais rápido do que queria.
- Você poderia entregar alguns bolos para nós? Acabamos esquecendo de um bolo temático para hoje ainda. - ri daquilo e me aproximei.
- Certo, e meu salário? - ele amava meu tom falso sério.
- Podemos acertar as contas depois das encomendas?
- Vou conceder meu precioso tempo até hoje. Deixe-me só trocar de roupa.
- Ótimo. Valeu, docinho.
Aquele apartamento bagunçado engoliu meu corpo com copo de papel e tudo, Luzia passou correndo apressada por mim como um pequeno furacão doce e colorido. Eles vão precisar de bastante organização para manter o sucesso tão certo e, sinceramente, eu posso ajudar nesse quesito também, visto que prezo por um planejamento semanal sempre.
- Irmã! Lisa disse que pode entregar para nós.
- Ah, perfeito! Lisa, você é um anjo. Olha, os endereços e seus respectivos bolos estão anotados na mesa. - ela falava tão rápido que era difícil entender, Julian era como um tradutor para mim.
Um tradutor engraçado e muito bonito.
- E os preços, Lu?
- Todas as informações estão escritas. Julian vai te mostrar onde está a bicicleta.
- Bicicleta? Isso consta no contrato?
- Aviso Caleb, caso ele chegue.
Ele não me respondeu, apenas pegou três grandes caixas e seguiu na frente como se para fugir do assunto.
O pátio na parte traseira do prédio esconde uma bela bicicleta lilás e coral, com fitinhas da mesma cor, um cesto de palha atrás com tampa e o belo logotipo em preto com traços inconfundíveis do meu pai. Era linda, perfeitamente linda. Uma pequena bolsa, uma touca do tipo rede e um chapéu também coberto de palha pela combinação colorida da marca estava pendurada no guidão, à espera de alguém.
Subi no meio de transporte, munida de todos os acessórios necessários. O peso dos doces na cesta confirma que já posso dar uma partida e assim o faço.
O primeiro endereço não era muito longe, no mesmo bairro. O pedido dos gêmeos casou-se com a minha vontade de me exercitar, porque a última entrega seria um pouco longe, em Águas Claras, último bairro de Valença.
Por mais que eu esteja acima do peso, nunca gostei de ficar parada por muito tempo e pedalar por aí é bem libertador.
Engolindo o nervosismo, pressiono o botão da campanha e espero. Um homem alto, de terno e cabelos bagunçados, atendeu com um olhar meio agitado, avaliou minha figura adolescente. Abri o sorriso mais amigável que pude e respirei fundo.
- Bom dia, senhor. Tudo bem? Poderia falar com Eduardo Simas?
- Sou eu mesmo. É o meu pedido do bolo?
- Sim, senhor. Chocolate com Brigadeiro?
- Ah sim, aqui está, muito obrigado.
- De nada. Tenha um bom sábado.
Retornando à bicicleta, tenho quase certeza de que havia algo errado naquele homem, estava estranho demais. Talvez fosse impressão minha, mas o medo parecia obscurecer o tom de avelã de suas íris.
Dei de ombros, focando em minha próxima entrega, afinal os problemas dos "meus clientes" não são da minha conta.
O declive da pista guiou meu transporte rua abaixo sem que eu me esforçasse muito, terminando ao traçar uma curva suave para a direita na parte mais baixa. O sol cresce a cada pedalada, o calor é esparramado pelo asfalto como um gato no fim do dia, os moradores de Valença voltam das suas caminhadas com mais energia e conversas, prontos para começar o almoço e lotar suas casas de cheiros diferenciados.
Dez minutos depois, já estava na reta do destino seguinte. Um dos outros poucos prédios da cidade despontou, branco de telhas marrom-avermelhadas, calhas brancas e correntes para drenar a água sem usar canos.
Uma melodia envolvia o edifício quando cheguei, fato que me fez lembrar do Festival de Literatura. Provavelmente alguém aqui vai cantar e até que a pessoa está afinada.
Toquei no apartamento anotado, esperando alguém.
Entretetida com a música, não vi quando uma garota apareceu atrás do portão e se aproximou.
- Você tem bom gosto. - era Suzana, uma das meninas que inferniza minha vida na escola. Seu sorriso transita entre gentileza e deboche, com o cabelo preso em uma trança que sai de sua nuca e termina em seu colo, onde seus braços estavam cruzados em uma pose de confiança inabalável. Seguro uma careta de desprezo, engolindo a seco e forçando minha voz a não vacilar.
- Bolo de baunilha com doce de leite? - ignoro seu comentário, não sei se era uma provocação ou uma afirmação e não queria ficar por tempo suficiente para descobrir.
- Sim, trinta reais, "né"? Aqui está.
Obrigada. - quase corro dali, por mais que eu deseje ouvir mais algumas notas da música. A cara de desgosto de Suzana por ter sua frase ignorada causou uma pontada de orgulho em mim.
Inspirei profundamente, aqui não está longe de Águas Claras, mas está longe de casa.
Está bem. Definitivamente, eu preciso de algo gelado. O calor do meio-dia confunde o que é a roupa e pele, a Praça das Estações - onde se concentra o Festival - fervia como uma estrela própria, uma multidão mesclada de moradores e turistas, uma movimentação que se tornava viva a cada página escrita, poema recitado ou verso improvisado.
A decoração era característica e iluminação adaptável ao horário, com cores e temas de acordo com o gênero literário e o momento em questão. Tinha literatura de diversas épocas, como 1800 e 1900, por exemplo. Um evento completo e invejável.
Tento não perder tempo com as mais coloridas tendas e nomes chamativos, é quase impossível resistir!
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