Capítulo dois
Já escurecia quando terminei o último capítulo de geografia e digamos que ler sobre guerras não é o programa mais divertido para uma tarde de sexta-feira.
Meu celular toca na sala, atendi sem muita pressa já que não era comum eu receber ligações (ou era meu pai Caleb ou meu pai Thiago), ouvi do outro lado a voz decidida de Caleb.
- Lisa?
- Oi, pai.
- Oi, filha. Como passou o dia?
- Bem. Acabei de estudar agora e acho que vou jantar para depois passar na casa dos gêmeos. E você?
- Tudo tranquilo por aqui. Quer dizer, nenhum perigo entrou em nossos radares ainda. Sexta-feira é sempre um dia sem graça.
- Pai! Não pode desejar que o perigo ataque, não é?
- Mas eu trabalho com isso. - ouço sua risada abafada pelo telefone e rio junto.
- Certo, acho que nesse caso, não está tão errado assim.
- Concordo plenamente. Bom, pequena, tenho que ir. Uma boa noite, ok? Até amanhã.
- Até, pai. Bom trabalho.
- Obrigado, minha estrela.
A campainha ressoou por todo o andar, dentro da casa dava para ouvir utensílios de cozinha batendo em outros de modo atrapalhado. A porta abre à minha frente, revelando uma mulher com um avental todo pintado de chocolate, doce de leite e massa de bolo. Não quero nem saber como conseguiu isso.
- Ah! Olá, Lisa, como vai? Ainda bem que chegou. Acredita que Julian não gostou do recheio de rosas? Precisamos de um veredito final e você é uma pessoa perfeita. - ela falava rápido e chegava a ser engraçada a maneira desastrada com que a garota me puxava cozinha adentro. O cheiro de doce era forte e viciante, a casa era uma mistura perfeita composta de açúcar, glacê e alegria. Julian, com seus cachos presos em uma touca igual a de sua irmã, sorriu ao me ver chegar. - Estará me devendo vinte reais se Lisa gostar do recheio.
- É impossível que ela vá gostar disso. É super enjoativo!
- Enjoativo é você, que ainda tem mau gosto! Aqui, Lisa, prove.
Uma pequena colher de chá me levou à boca um creme aerado, suavemente cor-de-rosa e com pequenos pedaços de pétalas. Limpei o talher em um segundo, declarando meu amor eterno por aquele doce no mesmo instante e exigindo mentalmente uma tigela inteira daquele pedaço do paraíso só para mim.
- Julian, você provou errado, não é possível! Isso é incrível, Lu.
- Ah não, docinho, não acredito que você foi infectada pelo mau gosto dela.
- Viu só? Quero meus vinte reais ainda hoje. - com as mãos na cintura, Luzia fez pose de vitoriosa, rindo da cara de desgosto do seu irmão.
- E eu quero um bolo com esse sabor, por favor. Precisam de alguma ajuda? Vocês vão começar a fazer encomendas, não é?
- Sim, e já estamos cheios delas. Temos dois bolos de chocolate com brigadeiro; três de baunilha: dois com doce de leite e um com rosas; e um de nozes com trufa de chocolate amargo.
- Caramba! Que sucesso! Vocês merecem, têm muita habilidade com isso. - conhecia aquela dupla e seus açúcares há tempo, tudo isso era mais do que merecido.
- Obrigado, docinho. Você pode pegar o leite condensado no armário, por favor?
- Claro, Ju. - só queria expor que eu enfrentei e ganhei da minha vontade de acabar com a caixa de leite condensado antes de entregar para ele. Obrigada, de nada.
Em poucos minutos, eu já estava com touca, avental e luvas plásticas cobertas dos mais diferentes cremes e massas, rindo feito uma criança boba. Batia nove da noite quando terminamos de colocar todas as encomendas na geladeira.
Na verdade, demoramos um pouco mais do que o esperado, porque tivemos que fazer um bolo extra ... Não resistimos ao ver o bolo de nozes e chocolate amargo triste e solitário no cantinho e tivemos que reparti-lo enquanto fazíamos maratonas de pequenas séries .
Acordei no meio da madrugada, encostada no ombro de Julian e com a tela da TV exibindo informações de fim de temporada. Pensei em ficar por aqui, mas não avisei a Caleb e não quero levar bronca em um sábado. Foi uma missão quase impossível sair do sofá sem despertar um dos gêmeos, peguei a louça suja e lavei, antes de deixar um recado. Algo como um agradecimento pela noite incrível e pela confiança, além de exclamações de incentivos ao negócio.
Depois de tomar um banho quente, me permiti que fosse engolida pelas cobertas da minha cama, senti uma sensação maravilhosa de começar a pegar ou dormir até que ...
- Como você consegue perder em Valença, Bia? - uma voz masculina e jovial invadiu meu quarto.
- Ela não é tão pequena quanto parece, é? Vamos parar aqui rapidinho, quero ver o sinal "tá" pegando. - o tom feminino e irritado respondeu à altura.
- Só espero não ser assaltado. - dessa vez, foi outra voz do garoto que se posicionou.
- Vira essa boca para lá, Diego! Que saco! É só um minuto.
- Será que dá pra calar a boca aí embaixo? Tem gente querendo dormir. - reclamei sem mostrar o rosto. Quem são os adolescentes que estão atrapalhando a minha noite?
- Quem foi que falou isso? - o tal Diego provavelmente estava olhando para todos os lados.
- Aqui no prédio. Ou algum de vocês acha que ninguém mora aqui? Agora, se não for pedir demais, está na minha hora de dormir.
- A Cinderela precisa sair do baile, galera.
- Fica na sua, Diego. - respondi sem ocultar um sorriso. Estava gostando disso e parecia que eles também.
- Ei, como sabe meu nome?
- A Bia acabou de falar.
- Ei!
- Eu também ouvi seu nome.
- Desce aí, Cinderela. - Diego exclamou animado como se me conhecesse há muito tempo.
- Estamos precisando de uma ajuda aqui. - o outro garoto que eu ainda desconheço comentou.
- Eu não ... Posso. - por mais divertidos que sejam, não poderia me revelar de primeira. O que foi? Eu preciso ficar com um pé atrás, ainda são estranhos para mim. - Mas em que posso ajudar?
- É que nós acabamos de sair de uma festa aqui perto, no salão Sonhos Diversos, sabe? Então, não faço ideia de como voltar para casa. Para que direção fica o Sabugueiro? - foi a menina que perguntou, já sem tanta brincadeira na voz.
- Bom, sabe uma loja de esquina do outro lado da rua? Então, siga à direita nessa esquina e sigam reto, tem um ponto depois do segundo cruzamento. Ali vocês podem pegar um ônibus para o Sabugueiro, passa de meia em meia hora. O último passa às onze, se não me engano.
- Ah sim, obrigado, Cinderela. Agora só falta o sapatinho de cristal para podermos te encontrar novamente.
- Claro, claro. Pega esse sapatinho. - virei uma garrafa de água em Diego, que reclamou, mas riu.
- Boa, princesa! Até outro dia.
- Até. - respondi naturalmente, sem pensar na possibilidade real de algum retorno deles apenas para falar comigo.
Deitei com a mente a mil, algo estranho borbulhava no meu peito tão viciante, tão real, parecia água em ebulição. Ri sozinha, lembrando cada palavra proferida durante aquela conversa tão espontânea, por menor que ela fosse.
É assim que é ter amigos? Quer dizer, é tão bom assim? A sensação de satisfação me afagou, me trouxe uma tranquilidade alheia a mim, até que a voz dela ecoou na minha cabeça: " É porque eles não puderam ver. Princesa ... Que insulto às princesas. Baleia patética!"
- Cala a boca, Dália! E me deixe em paz! - rolei na cama, embolando os lençóis que já me cobriam.
Apertei os dois lados da cabeça, implorando que parasse, implorando que mais lágrimas não caíssem depois de um acontecimento tão bom. Não, ela não deveria ter o poder de estragar a minha noite.
No meio dessa dualidade, dormi um sono sem sonhos. Apenas uma tela escura como a noite, isenta de estrelas ou luar.
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