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Capítulo dezessete

Desperto sem um motivo aparente, ainda desnorteada pelos acontecimentos. Minha cabeça gira, hoje é sábado, não é?
Ah, a festa...! E... o beijo! Aquilo foi real ou foi fruto da minha imaginação? Talvez eu comece a valorizar um pouco mais aglomerações de adolescentes daqui para frente.

Sorrio e levanto com cuidado, os gêmeos ainda estão adormecidos, mas os lençóis que cobriam Cecília estão revirados e solitários.
Ao chegar na cozinha, encontro a garota de cabelos rosa pastel preparando o próprio café da manhã no maior silêncio.

- Bom dia, Cily. - sussurrei ao me aproximar da bancada extremamente organizada.

- Bom dia, Lisa. Servida? - ela aponta para um saco de pão e uma pequena pilha de três rodelas de peito de peru.

- Não me parece ruim. O que você está fazendo aí? 

- Achei goma para tapioca na geladeira, espero que eles não se importem de eu ter pego. Quer uma? - a dita comida já recheada de queijo e peito de peru desliza da frigideira quente para o prato pequeno disposto ao lado do fogão.

- Não, não. Obrigada. Normalmente, meu café da manhã é um copo de "frozen".

- Não brinca! Eu adoro comer bastante de manhã.

- Eu acho mais prático. Tem uma loja de "frozen" aqui embaixo, então eu vou tomando enquanto caminho para a escola. Mas vou abrir uma exceção para hoje.

- Ótimo, adoro a sua companhia. 

- Eu também gosto da sua. Por mais que eu tenha te conhecido ontem. - Cily ri e eu a acompanho. O silêncio não dura muito, pois ela torna a falar quando eu termino de montar meu sanduíche.

- Lisa, minha irmã mexe com você há muito tempo? - Desde as férias entre sexto e sétimo ano, penso em responder, Desde que a convidei para minha casa e ela conheceu meus pais .

Me lembro até hoje de quando as aulas voltaram depois de ela passar o resto do mês de janeiro sem falar comigo...

- Dália! Ei, Dália! - corri aos tropeços até a garota, que estava sentada em um banco com um grupo de meninas. - Está tudo bem? Você não falou comigo desde que foi lá em casa.

- Ah! Olha só o que temos aqui. - seu olhar estava diferente, toda a cumplicidade e o carinho deram lugar à maldade e ao veneno. - A baleia adotada, hein? - as outras três garotas riram.

- O quê? Por que está fazendo isso, Dália? 

- Porque você é nojenta. E seus pais são nojentos também. Quer dizer, seus pais biológicos são para lá de admiráveis. Nem eu iria querer uma criança como você. - a garota levantou bruscamente e me empurrou contra o chão arenoso do canto do jardim. 

- Mas... Mas... Por quê? - um chute na barriga foi a resposta inicial. O sinal tocou e as outras meninas começaram a se dirigir para dentro, porém Dália ainda me encara de cima, com um olhar superior.

- Cale a boca, rolha de poço.

E assim começou o inferno mais longo que já conheci. Ninguém apareceu para me ajudar. Estava apavorada com fato de ter perdido minha única e grande amiga. O que eu fiz de errado?
Não, eu não podia ter feito nada de errado.

- Lisa? - a mão de Cecília passa freneticamente na frente de meus olhos. - E então? 

- Não. Não. E eu não me importo com isso. Mas obrigada pela preocupação.

- Você mente mal, Lisa. Muito mal. Prometo bater uma papo com ela, ok?

- Por quê?

- Hã? - com certeza, ela não esperava por uma reação assim.

- Por que você está indo contra sua própria irmã para me defender?

- Porque eu sei do que ela é capaz, mas nunca vi esse "potencial" em prática. Dália é extremamente problemática com algo que a contrarie e você não é a primeira vítima dela. Eu fui, quando éramos crianças e não consegui reagir. Agora eu posso, entende?

- Obrigada.

- Não precisa agradecer. Agora vamos tomar café finalmente?

Afirmei com a cabeça e sentamos no sofá, ligando a televisão no canal de filmes de animação. Luzia acorda após uns minutos, unindo-se a nós rapidamente para não perder mais nenhum detalhe do filme.
Posso dizer que estou feliz de um modo bem singular hoje.

- Bom dia, meninas. - exclamou Julian ao despontar no corredor. Internamente, desejei poder agir tão normal quanto ele mesmo depois de ontem.

- Bom dia. - respondemos em uníssono.

- O que acham de irmos ao rio hoje de tarde?

- Eu não posso. Segunda começam as provas e eu preciso estudar.

- Então podemos te ajudar a estudar. - propôs Luzia, descontraída.

- Eu topo.

- Eu também.

Passamos a manhã estudando filosofia. Foi bem mais divertido do que imaginei, meus amigos encenaram filósofos (de pijama  mesmo) e atribuíram um drama cômico às descobertas de cada um. E deu certo! Eu gravei muito bem os dois capítulos pedidos para a avaliação.

Já era perto do horário de almoço quando começamos uma guerra de travesseiros: os gêmeos contra Cecília e eu. A briga estava acirrada quando o apito da campainha soou, entreolhamos-nos e Luzia saiu para atender, colocando um lençol sobre os ombros com proteção.

- Bom dia, Luzia. Lisa está? - reconheço a voz e o carisma de Thiago imediatamente. Solto meu travesseiro e caminho até a porta.

- Está sim.

- Bom dia, pai.

- Bom dia, filha. Caleb está fazendo o almoço, você vai almoçar conosco?

- Claro. Só vou pegar o bolo e os docinhos que guardei para vocês. - mas não precisei ir até a cozinha, Cily estava atrás de mim com o pote plástico nas mãos e entregou-o a ele. - Pai, essa é Cecília, a aniversariante. Cily, esse é o meu pai Thiago.

- Prazer. - disseram ao mesmo tempo e sorriram com a situação.

- Bom, vou levar essa pequena para casa. Obrigado por tê-la convidado. É tão difícil vê-la interagir socialmente.

- Pai! - ele sempre sabe me deixar com vergonha. - Nós não tínhamos que ir almoçar?

- Tudo bem, tudo bem. - o loiro ri. - Obrigado por terem cuidado dela.

- Não foi nada, ela é um amor.

- Ei, eu não sou uma criança que precisa de cuidados, ok? Vamos, pai, vamos. - saí empurrando meu pai até a nossa porta.

- Príncipe, chegamos.

- Ótimo. Tratem de lavar as mãos que eu já estou levando a comida para a mesa.

- É macarrão? - pergunto ao sair do lavabo.

- Com orégano, linguiça e queijo ralado.

Salivei. Caleb conseguia superar grandes restaurantes com seu "Macarrão à Caleb", como gostávamos de chamar. 
Nossa conversa foi muito animada, meus pais exalavam uma alegria genuína por eu ter ido a uma festa e não paravam de perguntar detalhes. Obviamente ocultei meu momento com Julian, nenhum deles precisava saber disso, não é?

Devoramos os docinhos e o bolo enquanto brincávamos com jogos de tabuleiro. Meus pais sempre gostaram desse tipo de passatempo, dizem que ele estimula muito mais do que o espírito competitivo, mas prefiro não me aprofundar nesse pensamento e só me divertir mesmo.

Gastamos o resto do domingo juntos e, quando chega a noite, um nervosismo forte me ataca. Saudade, talvez? Desejo boa noite aos meus pais e me tranco no quarto, esperando.

- Cinderela, suas tranças!

- Diego! - é bom ouvir sua voz, ele me soa realmente bem.

- Da próxima vez, a gente nem vem. - reclama Bia.

- Deixe disso, Bia. Eu só estava preocupada com ele por causa da última visita.

- Dessa vez passa, mocinha. Mas só porque estou curiosa para saber: você também foi a uma festa ontem?

- Sim, acredita? E eu suspeito que seja a mesma que vocês estavam.

- Não brinca! - exclamou Caio. - Princesa Mecânica?

- Exata... mente.

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