01 | come undone
As lágrimas são como uma inundação de alguma represa que devido ao desgaste do tempo e falta de manutenção a barragem cedeu por causa das rachaduras que aparecem na estrutura envelhecida pelo tempo. Uma analogia ao meu estado atual seria o cansaço das provações da vida, o coração cheio de fissuras causadas pelos relacionamentos e o resto pela falta de terapia.
É assim que eu me sinto. Como uma velha represa, não querendo sentir, não querendo transbordar. Mas segundo a minha mãe, querer não é poder. Se tais estruturas desenvolvidas com tecnologias um dia se desgastam e se quebram, onde estava com a cabeça ao pensar que guardar tantas coisas dentro de mim um dia não cobraria o seu preço?
Aqui estou.
Cansada demais de sorrir querendo chorar. Cansada demais de tudo. Cansada demais para levantar da cama. Cansada demais, sempre me sentindo extremamente cansada demais.
Me sinto apenas um ser existente ao qual a existência a cada dia se torna um fardo, uma sacola que fica pesada e insuportável de levar, como aquelas com muito lixo que chegam a machucar a mão. Eu sei que não estou vivendo. E apesar de ter consciência disso nada muda. E eu tento. Eu juro por Deus que estou tentando.
Eu já segui diversas listas de glowup. Já tentei acordar cinco horas da manhã, já tentei fazer academia – não durou uma semana – já tentei beber três litros de água, dormir olhando para as estrelas, comer só batata doce no café da tarde... Eu já tentei fazer listas de tarefas, já tentei outros hobbies como tricô ou fazer pão caseiro. Tenho uma péssima coordenação motora e sou uma cozinheira excepcional em estragar qualquer receita.
Diante de tanto fracasso em coisas simples como essas, eu tenho estou cansada. É como se para mim não tivesse mais jeito. Não tenho uma solução.
E se eu não conseguir sair desse buraco nunca? Aqui está frio e escuro e eu não aguento mais continuar olhando para cima e esperar que alguém estenda a sua mão. A ajuda simplesmente não chega.
E se eu nunca parar de estar cansada? E se eu simplesmente sou a única pessoa que se sente assim? Só eu que não consigo ser como as outras blogueiras?
E se eu for o problema? Ou melhor, eu sou o problema.
E se eu morrer amanhã e não conseguir fazer nada? Eu quero tanto realizar tantas coisas!
Eu tenho uma lista. E quero fazer tudo que está nela antes de morrer. Eu preciso fazer essas coisas, talvez só assim eu seja feliz. Como sou detalhista e perfeccionista tenho tudo planejado, apesar de não ser tão bem planejado da maneira ao qual eu havia desejado. É uma lista que fiz com treze anos de idade junto com um amigo idiota. Ambos tínhamos muitos sonhos na época e muita imaginação.
Eu tinha acabado de ler um livro de fantasia que a Letícia tinha insistido. Fiquei tão comovida com um trecho da estória que decidi fazer essa lista logo após ter chorado horrores com a fala de um personagem em específico.
Às estrelas que ouvem
e aos sonhos que são atendidos
meus sonhos de vida
1. Viajar para a Suíça passar uma temporada em Zurique e conhecer Valais dizem que Velaris foi inspirada nessa pequena cidade de Zermatt.
Zurique fica a 18h30 minutos de distância de Curitiba. É um destino caro.
Línguas: Francês, italiano. Valais é considerada a cidade mais ensolarada da Suíça.
2. Ter um Golden
3. Ter um piano
4. Fazer piquenique na varanda de noite e comer olhando para as estrelas.
5. Ficar na praia o dia inteiro até chegar a noite e ficar lá de noite também.
Era uma lista velha e idiota. Feita por uma adolescente mais idiota ainda. Mas continuava sendo muito especial, cheia de números e desejos para serem realizados.
A viagem para a Suíça ficou para a história. Eu não tinha dinheiro na época e muito menos agora. Talvez, eu nunca vou para a Suíça.
Talvez eu nunca consiga realizar nada disso. Eu sou uma tentativa fracassada existente mesmo.
E se eu morresse agora?
Por que eu sou assim?
Estou cansada de não conseguir. Não consegui gravar nenhum vídeo hoje. Me sinto péssima. E já é a terceira semana que isso acontece. Estou perdendo seguidores.
Eu não consigo mais.
Por que as pessoas me assistem?
Por que eu não consigo pintar mais?
Segurar o pincel é como agarrar uma faca invisível.
Eu não sou mais eu mesma.
Toda vez que encaro o reflexo do meu rosto no espelho encontro algo ao qual é desconhecido e eu não estou sabendo lidar com isso.
Um soluço se desprende de dentro da minha garganta, como um pedido de socorro inaudível, em formato de um som estranho que só intensifica a dor, o sofrimento, o cansaço e a escuridão que se apossa de pulmões exaustos e uma mente doente. Apoio a cabeça em meus joelhos e o tecido flanelado da calça do pijama fica úmido pelo contato com o meu rosto ensopado. Continuo me abraçando, sentindo o chão gélido apoiando o meu traseiro, sentindo o tremelique se intensificar por cada mísero osso, sentindo o ar faltar e...
De repente um medo muito maior e sem nome. Começo a me desesperar já que estou me sentindo sufocando e não tem ninguém. Se eu morresse agora, encontrariam o meu corpo se decompondo muitos dias depois.
Os meus seguidores seriam notificados e comentariam “sabe a tal da Lady Pennie? Foi encontrada morta no apartamento, a causa da morte? Ninguém sabe. Mas morreu, sozinha e sem ninguém ”
Sozinha.
Sem ninguém.
O meu coração parece querer pular para fora do meu peito, batendo com força nas costelas, implorando para que a pele se rasgue, o ar ainda não estava entrando, levanto a cabeça totalmente confusa.
“o que está acontecendo?”
“o que está acontecendo?”
“o que está acontecendo comigo?”
A minha mente está confusa e ao mesmo tempo apagada. Estou tentando me levantar mas a textura lisa da parede não me ajuda a conquistar um equilíbrio. As minhas pernas parecem feitas de gelatina, em meio ao desespero de encontrar oxigênio e ficar em pé me agarro no sofá, jogando todo o peso do meu corpo nele para que me sustente.
“ preciso ficar calma. ”
“calma Penélope, calma.”
“fique calma. ”
E por um segundo ouço. Escuto os gritos, os copos caindo e batendo no chão, os soluços. Escuto a menina pequena escondida debaixo da escrivaninha chorando. Escuto as mesmas vozes e os mesmos gritos repetidas vezes.
“ fique calma. ”
“ se acalme, merda.”
“calma, calma. ”
eu preciso respirar.
Continuo forçando o ar a entrar, continuo tentando fazer com que essa sensação acabe, desejando que tudo isso não passe de um pesadelo. Mas é real.
A maciez almofadada, a escuridão do cômodo, o meu corpo transbordando anos de repreensão. Esse era o preço que eu deveria pagar. E talvez merecesse sentir toda essa angústia.
Sim. Eu mereço.
Aos poucos as vozes e lembranças somem como névoa da minha mente, mas o estrago de sua passagem é notório. As minhas mãos ainda tremem, o meu corpo continua dolorido, contudo, continuo forçando o ar entrar e sair para que essa sensação horrível me deixe.
E o ar começa a fazer o seu caminho de entrada e saída. Aos poucos o alívio de respirar novamente toma conta de mim de uma forma ao qual não esperava. Me surpreendi pelo fato de estar aliviada. Um alívio por estar viva.
É estranho, já que teve tantos momentos que desejei não estar mais...
Ainda.
O peso da existência. A dor do crescer. O sentir demais. O cansaço. Tudo isso sendo carregado enquanto eu me arrasto pela estrada da vida. Exausta de lutar.
Chorar não adianta mais.
Não ajuda em nada.
Nada muda.
A solidão como uma amiga sussurra pela escuridão da sala que “é sempre assim. ”
Sozinha.
Cansada.
Me remexo no sofá, as articulações doloridas, quando uma brecha pela cortina permite a luz da lua penetrar pelo tecido all Black
e ainda sentindo a solidão, ainda com lágrimas que não cessam me pergunto como a Lua consegue continuar a iluminar uma escuridão tão profunda como a noite.
E eu podia jurar que naquela noite em específico a única coisa que brilhava no céu era aquela grande bola redonda com aquele brilho pálido olhando para mim.
• • •
Abri os olhos parecendo que foi um longo bater de pestanas. Não conseguia me lembrar como peguei no sono, mas estava no mesmo lugar de ontem, a roupa grudando no corpo como se tivesse corrido uma maratona, os cabelos desgrenhados e o som insistente do interfone da portaria.
O som era irritante o suficiente para deixar qualquer um maluco, por isso, ao movimentar o corpo percebi o quão dolorido estava. Cada articulação parecia pesar e doía muito. Me mexi com cuidado, deixando a coberta do jeito que estava e caminhei devagar pelo corredor até chegar na cozinha e alcançar aquele maldito aparelho.
“ Alô? ” perguntei divagando quem seria o insuportável que tinha me acordado daquele jeito.
“ Bom dia Senhorita Sallow, desculpe o incômodo. ” decido não dizer bom dia e muito menos imagina. Ele estava mesmo incomodando e bom dia pra quem? Era domingo. Olhei no relógio e agora são sete e meia da manhã. Palhaçada.
“ alô senhorita? Ainda está aí? ” o senhorzinho perguntou.
“infelizmente” respondi em um murmúrio sentindo as minhas pálpebras inchadas pelo chorôro de ontem pesarem.
“ tem um cara insistente aqui dizendo que é o seu amigo de infância. Ele se chama Mason Ayacida e eu quero saber se a senhorita autoriza a entrada dele e se reconhece esse nome. ”
De repente o sono foi embora.
É como se tivesse tomado uma injeção de adrenalina. Não podia ser. Não. Não, não e não. Por qual motivo Mason Ayacida estaria na minha porta em um domingo logo as sete e meia da manhã? Eu não queria saber.
“ não autorizo a entrada dele Sr. Luiz. ”
E desliguei.
Fiquei alguns segundos ainda parada no mesmo lugar tentando absorver a informação de que o Mason Ayacida que eu conhecia estava lá na portaria pedindo autorização para entrar no apartamento. E fiquei satisfeita ao recusar.
O cansaço voltou com tudo logo depois de passar pelo banheiro e ver o caco que estava a minha aparência. Entrei no meu quarto, fechei bem as cortinas e deitei na cama logo após tomar o remédio para dormir.
Dormir era a única coisa boa.
Fingir que Mason estava na portaria era só mais um pesadelo.
• • •
Depois de tomar um banho demorado e lavar o rosto e encarar a minha pele e as acnes e mexer nas espinhas e ficar chateada por que eu fui mexer nas espinhas e ficar com o rosto com bolinhas vermelhas, passei um hidratante facial e decidi que merecia comer algo bom e gostoso. Por isso fui pedir comida japonesa no Whatsapp para o melhor restaurante de comida asiática que eu já havia experimentado.
Logo a minha comida chegaria então fui até a cozinha fazer algum suco. Olhei para a fruteira e me deparei com duas bananas com a casca totalmente marrom, três limões, duas maçãs e um maracujá enrugado.
Peguei as bananas com nojo e joguei no lixo pensando que deveria comprar ainda menos já que era a fruta que eu menos gostava e por isso, a que mais estragava. Decidi fazer suco de maracujá já que era só colocar água, açúcar e a polpa da fruta no liquidificador.
Deu tempo de lavar a louça que tinha na pia e fui em direção a sala para procurar alguma coisa que prestasse na Netflix. O meu celular começou a vibrar e sorri quando a notificação de que o entregador estava na portaria e meu pedido seria entregue o meu estômago resmungou em resposta.
Encontrei um dorama que chamou a minha atenção pela quantidade de vezes que vi as pessoas comentarem no Instagram e peguei o celular para tirar uma foto da televisão, a luz apagada e as minhas pernas cobertas com um edredom. Postei nos storys e sorri um pouco satisfeita comigo mesma.
Ao mesmo tempo a campainha tocou e então levantei do sofá com pressa para pegar logo a minha comida e assistir o meu dorama no sofá quentinho.
Abri a porta e sorri para o entregador que segurava nas mãos a minha comida. A sacola com a minha comida para ser mais exata. O homem ficou parado me olhando por alguns minutos e eu fiquei com a mão estendida para pegar a sacola.
Depois desse momento constrangedor o homem colocou a sacola nas minhas mãos e ao invés de simplesmente ir embora – já que o pagamento já tinha sido feito pelo pix quando ma avisaram que o motoboy estava na portaria – ele continuou parado e eu também olhando ele erguer as mãos para a cabeça e tirar o capacete lentamente.
Foi muito estranho reconhecer aqueles olhos. Os olhos verdes. Aqueles olhos verdes que só podiam ser de uma pessoa. Aquele olhar eu reconheceria em qualquer lugar.
Mason Ayacida.
Está.na.minha.porta.
— Olá Penélope — a sua voz ecoou pelos meus tímpanos e o meu cérebro recordou do tom calmo e baixo que ele falava.
Sim era ele.
Aquele olhar.
Aquela voz.
Capítulo não revisado
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