I
1920 - Rio Vermelho
Ei moço,
Eu quero te dizer absolutamente tudo o que eu sinto por você, mas não consigo. Passo os meus dias tentando encontrar um jeito de fazer você entender o meu amor por você, mas nunca será o bastante. Resolvi usar as palavras, me embriago delas, fico zonza de paixão, e com um milhão de borboletas no estômago, e mesmo assim ainda não consigo descrever você. Você não faz ideia de quão importante você é para mim, do poder que você exerce sobre mim. Eu quero que você saiba que os seus olhos castanhos são os mais doces que eu já vi e que eu morreria feliz dentro do seu olhar. Sua voz é um abraço que acalma a minha alma e todas as vezes que eu me sinto triste e solitária é a sua voz que eu procuro para me acalmar. É como se Deus tivesse me presenteado com um anjo. Você me marcou de um jeito tão único, tão seu, é como se eu agora carregasse cada pedacinho de você comigo, o que me deixa feliz, pois cada parte sua é uma dádiva. Moço, se dependesse de mim o sol seria teu, as estrelas que adornam o céu, a lua vestida de prata, todas as constelações, eu te daria o mundo, faria qualquer coisa pra te ver feliz, mas vou me contentar, eu juro, se esse pequeno texto te arrancar um sorriso, pois um sorriso seu por mais singelo que seja já ilumina o meu dia.
Gisele apagou o texto mais uma vez. Ela não achava que seria capaz de escrever o que sentia por Benjamin. Às vezes ela se sentia sufocada. Era como se aquela paixão fosse uma doença. Ela não conseguia parar de pensar nele. Ele não saia dos seus pensamentos. Era como uma ferida que nunca melhorava e Gisele também não fazia questão de passar um remédio e cuidar para que cicatrizasse.
Ela podia ouvir uma voz dentro de si dizendo: "Por que você gosta tanto de se machucar? Esqueça o Benjamin, ele não ama você, nunca vai te amar. Por que insistir tanto em ficar em um lugar onde não te cabe? Onde não há reciprocidade?" Gisele ouvia tudo aquilo e todas as vezes que se olhava no espelho e ouvia a si mesma, ela tapava os ouvidos. Não queria escutar. Amar Benjamin não foi uma escolha. Ela não acordou um dia e disse a si mesma que iria amá-lo. O amor apareceu aos poucos.
Mas ela sabia que havia se apaixonado por uma fantasia. O Benjamin da vida real era muito diferente do Benjamin de seus sonhos. E era muito pior esquecer uma fantasia. Fantasias se alastram por todos os poros e distorcem a realidade. Gisele estava confusa, porque ela não sabia em qual mundo vivia. Ela tinha tendência a sonhar demais. Sonhava muito. Adorava inventar histórias na sua cabeça. Justificava cada erro das pessoas, criava um enredo que pudesse proteger a si mesma da decepção. Era por isso que ela sabia que Benjamin era uma fantasia. De que ele criou um personagem para conquistá-la e de que ela se apaixonou por essa pessoa que não existia. Gisele não gostava do real Benjamin. Pelo contrário, ela o achava enfadonho, egocêntrico e um tanto preguiçoso. Enquanto Gisele sonhava em voar para bem longe de Rio Vermelho, Benjamin morreria naquela cidade. Ele não tinha muitos sonhos, tinha um em específico, mas era inseguro demais para agarrá-lo. Tinha tanto medo que Gisele tinha vontade de jogá-lo diante daquele sonho. Ela queria que ele fosse como ela. Gisele se achava corajosa. Ela tinha tudo pronto para se mudar para São Paulo. Tinha o roteiro de sua vida em ordem. Se formar na escola. Ir para a capital, dar aulas em um colégio de meninas até conseguir publicar um livro. Era escritora, por isso amava sonhos. Não gostava da realidade, achava o mundo real triste demais. Errada ela não estava. O Benjamin de suas fantasias era corajoso, seguro, e muito doce. Ela se apaixonou por esse Benjamin. Era triste descobrir com o tempo que ele nunca existiu. Que tudo foi um sonho.
Gisele conheceu Benjamin nas ruas estreitas de Rio Vermelho. Ela o viu na rua. Ele a viu. E logo os galanteios começaram. Ele era um excelente conquistador. Mais velho e mais experiente nesse negócio chamado amor. Gisele era ingênua. Um pouco tola, ela mesma admitia. Logo ela ficou esperando e olhando em sua volta na saída da escola esperando Benjamin aparecer em sua bicicleta. Ele a colocava no cano e a levava até a casa dela. Gisele era pobre. Benjamin também. Os pais dela gostavam dele, conversavam com ele. O tratavam como um genro. Gisele cogitou abandonar a ideia de ir para São Paulo por ele. Ela podia ser uma dona de casa feliz ao lado daquela fantasia chamado Benjamin. Ele trabalhava no armazém da cidade e era muito pobre, mas Gisele poderia arranjar um emprego em Bem-Te-Vi ou até mesmo ir trabalhar no internato Santa Lúcia em Piropó. Não era como se ela não tivesse opções. Ela as tinha. Tinha a fantasia de Benjamin.
Aqueles dias dourados de sonhos eram cheios de conversas inocentes e doces sobre a vida, o futuro, e o passado. Gisele dizia a Benjamin sobre o seu sonho de viajar. Ela queria conhecer o mundo. Sonhava em ir para a África do Sul, Austrália, conhecer a Ásia e todo o Oriente Médio. Garotas reais sonham em ir para a Europa, mas Gisele sonhava em ver o mundo dos sonhos e de histórias fantásticas naqueles lugares mais quentes e mais distantes. Sentia que lhe faltava uma aventura. Ela queria ser uma princesa egípcia fugindo de múmias e travando guerras contra faraós. Ela queria ser uma guerreira asiática ou uma jovem indiana prometida a um rei que se transformava em um tigre depois da meia noite. Gisele sonhava com histórias. Queria ser como uma personagem. Os personagens eram unilaterais, e suas vidas sempre se resolviam facilmente. Eles não tinham que lidar com escolhas, pois os escritores escolhiam suas vidas e seus finais na maioria das vezes eram felizes. Gisele detestava finais infelizes. Tragédias. Ela jamais se mataria como Julieta. Nunca achou que morreria por amor até conhecer Benjamin. E então ela entendeu Julieta, compreendeu a tristeza de Isolda. Um mundo em seu peito se abriu. Agora ela sabia porque as mocinhas sofriam tanto por amor. O amor era o combustível que movia as histórias. Uma história sem amor não existe. Ela é morna. É fria. Não há grandes motivações. E desde cedo Gisele descobriu que as maiores motivações humanas eram o dinheiro, a vingança e o amor, sendo este último o gás dos dois primeiros. Uma vida sem amor era um vazio, um abismo escuro capaz de afogar, amassar um coração. Impossível viver sem amor. Gisele soube disso à medida que Benjamin se aproximava.
" Como eu vivi dezesseis anos sem conhecer o amor?" Ela indagou a si mesma no final da tarde quando ele aproximou os seus lábios dos dela e suavemente a beijou. Aquele era o primeiro beijo deles. Mas não era também. Ele já havia a beijado antes com os seus abraços e principalmente com as suas palavras. Ele acariciou os seus lábios tantas vezes todas as vezes que ele dizia baixinho: "Você é tão linda" "Gosto de conversar com você" "Você é a garota mais inteligente que eu conheço". Cada vez que ele dizia essas palavras a Gisele era um beijo que ele dava nela. Era um beijo em sua alma. E beijos dados na alma são impossíveis de se esquecer. Eles nos marcam para sempre. Deixam em nós fragmentos do outro.
Gisele suspirava tonta todas as vezes que Benjamin a beijava. Enquanto ela fingia estar em um de seus romances, esqueceu que na realidade havia indícios muito importantes a serem notados caso contrário a fantasia sucumbia. Ela não notou que ele não a buscava na escola mais todos os dias. Que enquanto ela falava e falava até engasgar com tantas palavras entaladas dentro de si, pois ela sentia essa necessidade imensa de se expressar, Benjamin permanecia monossilábico e frio como um dia nublado. As palavras lindas ele engoliu aos poucos até que não falou mais. E quando ele abria a boca para falar, Gisele não reconhecia o seu Benjamin. Ele falava sobre si. O mundo girava ao redor dele. Tudo era estranhamente sobre ele. Ele falava sobre o trabalho dele. Os amigos dele. As garotas que ele achava bonitas mas que ele não podia convidar para sair, pois elas eram ricas diferente de Gisele. Gisele, aliás, era um step. Um casaco velho e feio que ele usava nos dias frios para esquentá-lo, mas que ele não via a hora de poder trocar por um novo e belo casaco.
Ela perguntou a ele se eles estavam namorando. A resposta foi não. Ele disse que não estava preparado. Que ela era maravilhosa, mas que ele não tinha tempo para lidar com namoradas.
Gisele descobriu naquele momento que aquele Benjamin era um estranho para ela. Ela não o conhecia. Ela percebeu uma triste realidade de todas as mulheres solteiras. Os homens eram ótimos em criar personagens com o intuito de conquistar alguém, depois que eles conseguiam o que queriam, eles não conseguiam mais sustentar aquela mentira. E então o personagem ia embora e dava lugar a um estranho. Gisele descobriu que aquele Benjamin que ela aprendeu a amar não existia. Uma bela mentira.
Benjamin parou de procurá-la. E Gisele queria ele de volta. Mas o Benjamin que ela queria não existia. Não importava, ela se contentaria com o real. Estava disposta a acordar.
Estava obcecada. Não conseguia parar de pensar em Benjamin. Ia até o armazém e ficava espiando ele de longe, observando ele, seu coração palpitando. Benjamin era tão bonito com a sua pele dourada beijada pelo sol, olhos castanhos, barba escura emoldurando o rosto. Ela suspirava cada vez que o via, mas ele não via ela. Isso a matava. Era como se ele enfiasse uma faca dentro dela todas as vezes que a ignorava. Gisele queria dar o mundo para ele, mas ele não queria dar absolutamente nada para ela. Ele era indiferente. Não existiam sentimentos da parte dele. Era cruel isso. Ele ter ganhado o coração dela e rejeitado aquele presente.
Mas as coisas estavam prestes a mudar. No topo da montanha. Na divisa entre as três cidades: Piropó, Bem-Te-Vi e Rio Vermelho, uma mansão surgia sugando toda a luminosidade do nascer do dia. Ela era faminta. Há cinquenta anos ela não se alimentava. Suas entranhas procuravam alimento para sua alma sombria. A casa era gulosa e ela não possuía limites. Uma placa de prata se erguia em frente a mansão, ela convidava, ela queria devorar a todos.
"Bem vindos a casa Gibson"
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