Capítulo 3
Amanda
Admito que, após sair do teatro para terminar de arrumar minhas coisas e para Joon fazer o mesmo, fiquei imediatamente ansiosa e neurótica, o que não era nem um pouco anormal. Eu nunca tinha sido o tipo de pessoa que faz as coisas no impulso, que não planeja suas ações e não calcula todos os riscos antes de apostar. Confesso que sempre fui organizada e controladora, uma garota extremamente responsável. Então, como explicar a decisão repentina de arrumar um namorado falso só para não ir sozinha ao casamento da minha irmã?
Além disso, eu não conhecia o Joon de verdade, nem mesmo na escola fomos próximos. E se ele furasse comigo? E se eu ficasse esperando no aeroporto e ele não aparecesse? E se eu realmente tivesse que ir sozinha depois de me decepcionar com dois caras no mesmo dia? Como eu olharia para a cara dele depois? Eu deixaria ele continuar no musical sabendo que ele não tinha palavra?
Honestamente, não sei como minha crise de ansiedade não me levou para o hospital, mas, graças a Deus, Joon apareceu na hora e no lugar combinados. Apesar de ser basicamente para me ajudar, ele fez questão de pagar pela própria passagem — e ainda trocou a minha para uma poltrona ao lado dele, pagando a diferença de valor. E, assim, passamos o voo e o trajeto de carro falando sobre o casamento da minha irmã e a história que contaríamos sobre nós dois. Foi uma viagem bem agradável, que acabou com muitas das minhas inseguranças, que voltaram assim que paramos em frente ao hotel.
A mansão que hospedaria 54 convidados, incluindo os noivos, dentre os 180 que compareceriam à cerimônia e que serviria como cenário para o casório de Aline, minha irmã, era magnífica. Fiquei tão deslumbrada que levei um tempo para notar que minha família estava no jardim me esperando.
Por sorte, Joon ficou menos deslumbrado que eu, pois rapidamente saiu do carro e deu a volta, abrindo a porta para mim e me tirando do transe de apreciação daquela imagem tão diferente da moderna São Paulo. Assim que fiquei de pé em frente a ele, vi seu sorriso infantil se abrindo lentamente e senti meu corpo relaxar, abrindo um sorriso também. Repirei fundo e me preparei para as mentiras que viriam quando ele pegou minha mão e fomos caminhando até meus pais e minha irmã.
— Minha menina! — mamãe exclamou antes de me apertar entre seus braços no abraço de urso que ela adorava me dar quando me via. — Que bom que chegou!
— Já não era sem tempo — Aline falou quando me abraçou logo depois da minha mãe.
— Fico feliz que tenha vindo, minha filha. — Quando os braços de meu pai rodearam meu corpo, fiquei tensa de verdade, apertando a mão de Joon que eu ainda não tinha soltado.
Abri um sorriso simples e meio forçado quando meu pai se afastou um pouco, mantendo as mãos em meus ombros e sorrindo calorosamente para mim. Nós não éramos muito próximos, principalmente porque eu me lembrava claramente de todas as vezes em que ele deixou de cumprir suas promessas para mim porque estava bêbado demais para se lembrar. Só fui capaz de perdoá-lo porque, felizmente, a bebida nunca o deixou agressivo e ele sempre foi caloroso e amável quando estava sóbrio — quando estava bêbado também, ele só não era responsável.
— Esse é o rapaz de quem nos falou? — mamãe perguntou e essa foi a deixa para eu dar um passinho para trás e me afastar do meu pai.
Mamãe e Aline observavam Joon atentamente da cabeça aos pés — minha irmã levantava as sobrancelhas e se segurava para não abrir um sorriso de apreciação quando passava os olhos pelos músculos aparentes por baixo da roupa. Papai também o observou, mas não demonstrou nenhum interesse, apenas uma leve alegria por conhecer o cara com quem uma de suas filhas estava saindo.
— Na verdade, não — respondi, rindo e olhando para Joon, que piscou um olho para mim.
— Ué, como assim? — Aline perguntou enquanto todos arregalavam os olhos.
— Acontece que Joon acabou me conquistando e eu tive que mudar de acompanhante em cima da hora.
— Essa é uma história que eu não vou esperar para ouvir — Aline declarou, dando a volta em mim e se enfiando entre mim e Joon, dando o braço para nós dois de uma vez, a fim de nos arrastar com ela até uma das poltronas do jardim.
Nossos pais nos acompanharam, sentando nas poltronas individuais ao lado da poltrona maior onde estávamos. Obviamente, todos queriam ouvir a história — eu só esperava que o que combinamos fosse o suficiente.
— Aline, acabamos de chegar — tentei enrolá-la. — Deixa a gente fazer o check-in, colocar as malas no quarto...
— Nada disso, conta primeiro — ela me interrompeu. — Se eu deixar você escapar agora, nunca mais vou ouvir a história.
— Você é muito dramática — sentenciei.
— Sou mesmo, agora conta logo — Alina decretou, mas depois se virou para Joon. — Esquece. Conta você... eh... John, certo?
— Joon — eu a corrigi em um resmungo enquanto Joon negava com a cabeça e ria.
— Joon — Aline se corrigiu também. — Como se conheceram?
— Na verdade — ele explicou —, nos conhecemos há alguns anos. Amanda e eu estudamos na mesma sala no ensino médio.
— Sério?! Isso vai ser interessante — Aline disse, não conseguindo segurar uma risada. Olhei para ela com o cenho franzido, esperando pelo que viria a seguir, e não me decepcionei. — Amanda odiava todos os meninos da sala dela.
— Eu não odiava todos os meninos.
— Certo, só não queria nada com eles — minha irmã continuou implicando.
— Eram todos muito infantis e irresponsáveis.
— Agora me senti ofendido — Joon falou e olhei para ele para pedir desculpa, já que não o conhecia de verdade naquela época, mas percebi que era uma brincadeira, porque ele estava sorrindo.
— Pelo menos, você não era o pior deles — impliquei, mostrando a língua para ele (uma atitude infantil da qual me arrependi imediatamente, guardando a língua dentro da boca e virando para o outro lado).
— Tá, já entendemos, você odiava os meninos da sua sala — Aline implicou de novo e eu dei uma cotovelada nela, que riu em resposta antes de continuar: — E o que você achava dela naquela época, Joon?
— Está brincando? Eu já era apaixonado por ela desde que a vi pela primeira vez.
Aquilo me deixou alerta e olhei para Joon sem entender o que estava acontecendo. Não tínhamos falado sobre isso na viagem, apenas dissemos que manteríamos a história o mais próximo da verdade possível para que não fôssemos pegos em nossa mentira. Eu só não fazia ideia de que ele poderia mentir assim.
— Ah, que romântico! — mamãe exclamou, interrompendo meus pensamentos. — E vocês se reencontraram como? Onde?
— Eu fui fazer uma audição pro musical dela — Joon respondeu. — Não reconheci o nome de imediato, mas assim que a vi, lembrei facilmente. Ela não mudou muito.
— Não mesmo, só deu uma encorpada. — Dei outra cotovelada em Aline pela alfinetada sobre o meu peso.
— Continua linda — Joon corrigiu.
Suspirei, porque não tinha nada mais que eu pudesse desejar naquele momento, mesmo que fosse uma afirmação para manter um papel.
— E como você conseguiu conquistar essa menina? — papai perguntou, fazendo todos olharem para ele. Desde que tinha começado a se recuperar do alcoolismo, papai foi ficando cada vez mais calado e observador, sem falar mais do que fosse estritamente necessário. A curiosidade dele era uma surpresa.
— Talvez eu tenha mudado bastante desde a escola — Joon respondeu, rindo enquanto piscava de novo para mim. — Fiz a audição e depois a convidei para tomar um café para viajarmos nas lembranças.
— Vocês foram amigos na escola? — Aline perguntou, franzindo a testa pela primeira vez.
— Não — eu me intrometi. — Ele era da turma do Carlinhos.
— Então como...?
— E você acha que eu ia recusar tomar café com essa visão? — a interrompi antes que fizesse a pergunta.
Minha irmã sabia como eu não gostava nem um pouco do Carlinhos na escola e como eu realmente evitava todos os meninos, então não adiantava mentir sobre isso.
— Mas você não tinha namorado? — ela continuou, desconfiada.
— Podia usar a desculpa de estar tomando café com o novo ator do musical. José nunca saberia. — Dei de ombros.
— Ah... — Minha irmã balançou a cabeça afirmativamente antes de abrir um sorriso e soltar: — Eu sabia que tinha sido pelo corpo dele. — Depois ela levantou e correu para dentro do hotel.
— Eu vou matar essa garota — resmunguei, fazendo menção de levantar e correr atrás dela, mas Joon também se levantou e segurou meu pulso, impedindo-me de segui-la.
— Por que não vamos fazer o check-in e levar as coisas pro quarto antes do assassinato? — ele perguntou com aquele sorriso infantil nos lábios grossos.
— Vai ser meu cúmplice então?
— Sempre — ele respondeu, piscando um olho para mim.
Não era para ter acontecido, mas aquela simples palavra me deixou arrepiada e fez as borboletas voltarem a voar no meu estômago. Joon era perigosamente incrível. Um bom contraste com o Joon de antigamente.
Enquanto íamos até a recepção do hotel para fazermos o chack-in, peguei-me lembrando da escola. Eu realmente não ligava muito para os garotos da minha sala, na verdade, não ligava muito para garotos — claro que fiquei com alguns, mas sempre pelo menos um ano mais velho e nunca nada sério. O principal motivo para eu achar os garotos da minha sala irritantes e infantis era o Carlinhos. O garoto era um babaca, dava em cima de todas as meninas, não gostava de estudar e se achava a última bolacha do pacote. Pior, ele era adorado pelos outros meninos, mesmo que fizesse bullying com vários deles.
Olhei para Joon enquanto ele conversava com a recepcionista e me perguntei se poderia questioná-lo a esse respeito. Joon seguia Carlinhos aonde este fosse, mas diferente do idiota, Joon era muito inteligente, só tirava nota alta. Além disso, eu vi uma vez em que o Carlinhos debochou dele, não sei se chegava aos pés do que Carlinhos fazia com os outros meninos, mas ainda não era o que um amigo faria com o outro.
De repente, Joon olhou para com um sorriso simples, sem mostrar os dentes, mas que fazia covinhas aparecerem em suas bochechas. Por que eu não tinha notado aquilo antes? Estava tão fascinada com o sorriso infantil que não tinha olhos para mais nada?
— Amanda? — ele chamou, rindo, quando eu não respondi a pergunta que eu nem tinha escutado. — Ela precisa dos seus documentos também.
— Ah... — Virei rapidamente e vasculhei a bolsa, pegando a identidade e o papel da reserva na carteira.
Quando terminei minha parte do check-in, virei para Joon, que estava me observando com o esboço de um sorriso no rosto.
— Que foi? — perguntei, esperando não ter ficado vermelha.
— Nada — ele respondeu, virando e pegando a chave do quarto com a recepcionista.
Joon saiu andando depois disso, carregando nossas malas. Como assim? Corri atrás dele, o alcançando na escada.
— Ei, você não pode me olhar daquele jeito e depois dizer que não é nada — constatei em voz baixa para que somente ele ouvisse. Estávamos em um lugar onde várias pessoas da minha família estavam hospedadas, não podia deixar que outras pessoas ouvissem se um de nós falasse alguma besteira.
— Você também estava me observando — Joon respondeu e eu mordi o lábio inferior quando fui pega pela segunda vez. — Por quê?
— Não é nada...
Joon parou de andar abruptamente e largou as malas no chão. Quando me virei para olhá-lo, ele estava me observando com uma sobrancelha levantada e outro sorriso sacana nos lábios grossos. Suspirei.
— Eu estava lembrando da escola — finalmente admiti, recebendo um olhar de surpresa. — Estava me perguntando por que você era amigo do Carlinhos.
Joon abriu levemente a boca, desviou os olhos de mim para algum ponto mais abaixo na parede e soltou o ar lentamente, fechando a boca e apertando os lábios. Por que ele parecia decepcionado? Não tive muito tempo para pensar nisso, porque ele logo voltou a sorrir seu sorriso infantil e olhar nos meus olhos.
— Era uma questão de sobrevivência — respondeu e aceitei aquela lógica. Era bem possível que fosse mesmo. — Era nisso que estava pensando? — Ele atraiu minha atenção de novo, com o sorriso de covinhas, que chegava aos seus olhos expressivos.
— Era...
Eu ia perguntar se tinha mais alguma coisa em que deveria pensar, porque ele pareceu decepcionado de novo, até um pouco triste, mas fomos interrompidos por Aline, que subia a escada de braço dado com minha mãe.
— Ah, achei vocês dois...
— Foi você que fugiu da gente — resmunguei baixinho, mas Joon ouviu, porque ele bufou tentando segurar um riso.
— O jantar de ensaio é daqui a pouco — Aline continuou, passando por nós com minha mãe. — Vai ser na parte de trás da casa. Então se acomodem logo e desçam.
Minha irmã e minha mãe sumiram no corredor. Olhei para Joon, que tinha abandonado a expressão decepcionada.
— Acho melhor irmos tomar banho então — falei.
Joon assentiu, pegou as malas e continuamos nosso caminho até o quarto em silêncio. Não pensei mais na escola, mas como ele estava andando na minha frente dessa vez, fiquei analisando as mudanças que o tempo fez em seu corpo. Quando adolescente, o uniforme não se moldava aos músculos como a roupa que ele estava usando agora, talvez porque ele não tivesse muitos. E ele com certeza não era tão alto. Dessa vez, eu que sorri, pensando em como eu gostava daquelas mudanças.
Quando chegamos ao quarto, a primeira coisa que notamos foi que só tinha uma cama. Ficamos parados olhando para ela por alguns segundos.
— Desculpa — quebrei o silêncio. — Fiz a reserva pra mim e José, então não pensei que precisaria mudar nada.
— Tudo bem, não faria sentido pedir para trocar de qualquer forma — ele respondeu, colocando as malas no pé da cama king size. — Alguém poderia descobrir nosso plano.
Lindo, engraçado e ainda cavalheiro. Joon interpretava o papel de namorado muito melhor que José. De novo, percebi como ele era perigosamente encantador.
Com medo de nos atrasarmos para o jantar, nos ajeitamos rapidamente e descemos para o jardim da parte de trás da mansão, que tinha uma vista espetacular da Praia da Ferradura e do pôr do sol, algo muito mais deslumbrante do que o pôr do sol entre os enormes prédios da capital paulista. Novamente fiquei encantada com a vista e só fui despertada dos meus pensamentos quando ouvi minha tia Carina dizer:
— Que bumbum mais delicioso.
Senti o sangue subir até meu rosto e tenho certeza de que fiquei mais vermelha que as belas rosas que decoravam as mesas.
— Tia Carina! — quase gritei de vergonha, mas Joon apenas sorriu e estendeu o braço para que tia Carina pudesse repousar o dela.
— Obrigado — Joon falou quando tia Carina começou a nos acompanhar até a mesa. — Dei um duro danado nele.
— E é durinho mesmo? Posso pegar?
— Tia Carina! — Dessa vez, não deixei Joon responder. Se alguém iria pegar naquele bumbum, seria eu. — Ignora a tia Carina, ela não tem filtro — falei depois que Joon a ajudou cortesmente a sentar em uma das mesas perto da entrada do jardim.
Por sorte, Aline começou a acenar para nós da mesa mais perto do deque, onde meus pais, o noivo e seus pais já estavam sentados.
— Espero que eu não tenha atrapalhado a conversa com tia Carina — Aline falou quando nos sentamos ao seu lado, segurando o riso.
— Será que ela nunca vai aprender a não falar bobagens? — resmunguei.
— Ela não foi desrespeitosa, foi? — mamãe perguntou para Joon.
— Nem um pouco — ele respondeu.
— Muito — respondi ao mesmo tempo.
— Ela me perguntou se eu conquistei a Aline na cama e se poderia mostrar a ela como fiz isso quando nos conhecemos — Henrique, o noivo, confessou, depois estendeu a mão para Joon por sobre a mesa. — É um prazer finalmente conhecer o cara que quebrou o gelo do coração da Amanda.
— Vou te mostrar o coração de gelo — ameacei enquanto Joon ria ao meu lado.
Meu namorado de mentira passou o braço sobre o encosto da cadeira, tocando meus ombros levemente e se inclinando em minha direção.
— Amanda sempre foi muito calorosa — Joon respondeu e até eu olhei para ele com o cenho franzido. Ele estava falando de alguma outra Amanda que conhecia? Mas ele mesmo respondeu minha pergunta quando a atenção de todos foi desviada pelo pai de Henrique, que começou a contar a história de como conheceu a esposa, que aparentemente também tinha um coração gelado. — Talvez nunca comigo, mas eu via como você era com suas amigas. E, além disso, não foi nem um pouco fria desde que nos reencontramos.
— É, tenho tentado não espantar você e ficar sem acompanhante de novo — sussurrei de volta, apreciando o sorriso infantil em seu rosto.
— Não acredito que você conseguiria.
— Você não me conhece de verdade.
— Ah — Joon sussurrou ainda mais baixo, com aquela voz profunda e suave, quando se aproximou mais do meu ouvido —, mal posso esperar.
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