Joon
Abri a porta da saída de emergência com a cabeça ainda na loucura que tinha acabado de me acontecer. Como eu morava no terceiro andar do prédio, esperar pelo elevador sempre me parecia perda de tempo e, de qualquer forma, eu estava tão distraído com o encontro com Amanda que fiz tudo no automático, inclusive não percebi que tinha alguém parado ao lado da porta do meu apartamento até chegar em frente à pessoa.
— Joon — ela chamou, pulando na minha frente e me surpreendendo, impedindo que eu abrisse a porta —, a gente precisa conversar.
Aquilo me enfureceu. Respirei fundo para não gritar com ela e a segurei pelo braço com firmeza, puxando-a sem muita delicadeza para fora do meu caminho — também não fiz muita força, só não fui carinhoso como costumava ser. Avancei para a porta sem responder e só não fechei na cara dela porque ela entrou correndo, passando por baixo do meu braço como se estivesse praticando um passo de dança. Quando ela parou novamente na minha frente, dentro do meu apartamento, com os braços cruzados no peito, precisei responder:
— Não temos nada para conversar.
— Claro que temos... — Ela se interrompeu, segurando-me pelo braço quando tentei passar por ela sem lhe dar muita atenção. — Claro que temos! Você precisa me deixar explicar.
— Explicar o quê, Giovana? — me exaltei. Bosta, não era aquilo que eu queria. Respirei fundo de novo (parecia que eu estava adquirindo o hábito de respirar fundo e suspirar). — Eu sei exatamente o que eu vi e o que você fez... o que vocês fizeram. Nada do que diga vai me fazer parecer mais idiota do que já me sinto e também não vai me convencer de que eu vi tudo errado...
— Não é isso! Você não é idiota... O que eu quero dizer é que não foi o que você está pensando. Foi só uma vez e não foi ideia minha...
— Para. — Dessa vez, eu estava calmo e tranquilo e isso pareceu surtir mais efeito do que minha exclamação anterior. — Pode parar aí mesmo. Acho melhor você ir embora.
Eu não queria ouvir aquilo. Giovana não ia conseguir fazer parecer que o que eu vi não foi consensual. E o fato de ter sido só uma vez não mudava os acontecimentos. Ela tinha me traído, ponto. Mesmo que eu fosse capaz de perdoá-la, o que eu não era, passaria a vida pensando que ela faria aquilo de novo. Minha confiança tinha sido perdida e eu teria que amá-la demais para me esforçar para a entregar a ela de novo.
— Joon, por favor... — Giovana tentou de novo, mas eu só balancei a cabeça em negativa, virando-me para ir até o quarto arrumar minhas malas.
Não pedi que ela saísse de novo, achei que não era necessário. Mas talvez eu devesse ter pedido, porque ela me seguiu e ficou me observando tirar as roupas do armário e jogar dentro da mala que eu tinha pegado de cima do armário.
— Vai viajar? — ela perguntou, seus olhos se arregalando e sua voz ficando mais fina que o normal. — Vamos começar os ensaios em uma semana...
— Não vou para muito longe e vou voltar a tempo, não se preocupe. — Lembrei que iria viajar com a diretora do espetáculo, então com certeza não teria problemas nenhum em voltar na data certa. — Posso fazer o meu trabalho — acrescentei para não correr o risco de mencionar Amanda.
Eu estava indo fingir ser o namorado dela para sua família, mas tinha acabado de reencontrá-la para colocá-la no meio da confusão da minha vida amorosa.
— Pra onde você vai?
Terminei de fechar a mala e me estiquei, olhando para Giovana do alto dos meus 1,82m. Normalmente, ser muito mais alto parecia me tornar intimidador e eu não gostava muito daquilo, mas achei necessário naquele momento. Eu precisava que Giovana parasse de insistir.
— Não acho que seja da sua conta. — Mais uma vez, meu tom calmo e tranquilo surtiu mais efeito do que a raiva.
Saí do apartamento tão rápido quanto entrei, com Giovana apenas dois passos atrás de mim. Dessa vez, fui em direção ao elevador. Eu podia estar terminando tudo com ela, mas meu cérebro ainda me lembrou de que ela estava de salto e seria um pouco torturante descer alguns lances de escada. Terminar um namoro não era sinônimo de anti-cavalheirismo. Se alguém perguntasse — o que certamente ninguém faria —, eu poderia dizer que foi por causa da mala.
Quando entramos no elevador e a musiquinha de fundo começou a tocar após as portas se fecharem, lembrei das muitas cenas de romance que faziam aquela pequena viagem parecer tentadora. Eu já tinha beijado Giovana naquele espaço pequeno antes, mas nunca tinha sentido a necessidade que os casais dos romances pareciam sentir quando ficavam sozinhos daquele jeito. Será que era porque eu morava só no terceiro andar?
— Você não vai mesmo me dizer pra onde vai? — ela voltou a perguntar quando saímos do prédio.
Fiz sinal para um táxi que estava passando, por sorte, naquele instante. Mas antes de entrar no veículo, eu me virei para responder a ela:
— Gi, vai pra casa. Eu já falei que nada vai mudar minha decisão, então também pode parar de me ligar. Nos vemos quando os ensaios começarem.
Antes da partida, depois que eu já tinha fechado a porta do carro e me acomodado, eu a ouvi gritar:
— Ainda não acabou, você vai mudar de ideia!
Pelo visto, aquilo continuaria sendo um problema. Eu só esperava que os dias longe um do outro, sem eu lhe dar qualquer notícia, fossem suficientes para que ela acreditasse que eu tinha terminado o nosso relacionamento. Se não fosse, eu daria um jeito quando voltasse.
De verdade, eu não me sentia mal com aquilo. Meu relacionamento com Giovana não tinha tinha sido nem de longe o melhor da minha vida. Estávamos fadados ao fracasso, mas até a noite anterior, quando entrei em sua casa e a vi na cama com outro, eu estava satisfeito com a rotina.
Olhei pela janela do táxi para as ruas movimentadas do início da tarde. A lei que impedia a poluição visual era boa, mas eu achava que deixava a cidade ainda mais cinza para uma metrópole. Levantei uma sobrancelha quando passamos na frente de uma loja da Calvin Klein, onde uma vitrine expunha uma foto minha só de cueca. Suspirei pela milionésima vez desde o dia anterior, pensando que tinha sido aquela parceria que me levara ao relacionamente com Giovana. Não que eu estivesse reclamando, o cachê tinha sido bom o bastante para me garantir um upgrade na minha moradia. Além de ter me garantido outros contratos.
Eu também não podia reclamar do meu relacionamento com Giovana. Apesar de não termos muita coisa em comum, nos dávamos muito bem e ninguém atrapalhava ninguém. Estava ficando monótono, eu devia admitir, mas nada insuportável. Se não fosse a traição, eu provavelmente continuaria namorando com ela até depois do musical.
Ou talvez não.
O táxi me deixou na entrada do aeroporto e encontrei Amanda olhando com ansiedade para todos os carros que paravam. Fiquei esperando que seus olhos encontrassem os meus para me mover. O sorriso tinha brotado no meu rosto sem consentimento e todos os problemas pareciam se desvanecer enquanto ela suspirava aliviada e sorria de volta para mim.
Eu mal pude acreditar quando a reconheci no teatro. Realmente não tinha me dado que a diretora era ela, a mesma Amanda que estudou comigo no ensino médio. Estava tão linda quanto sempre fora, mas o corpo agora era de mulher e não de menina; ela tinha crescido em todos os lugares certos.
Talvez, vendo-a todos os dias durante os ensaios e apresentações, eu acabasse terminando com Giovana para tentar alguma coisa com ela. Claro, se ela não tivesse namorado, o que, agora, eu já sabia que não tinha.
Eu estava realmente usando aquele casamento da irmã dela como uma desculpa para fugir de Giovana, que eu sabia que me perseguiria até que eu desse o braço a torcer para voltar — isso ainda podia acontecer quando eu voltasse —, mas seria muito bom ter a companhia dela e descobrir o que tinha lhe acontecido durante o tempo em que não nos víamos. Talvez, dessa vez, eu pudesse ao menos me tornar seu amigo, coisa que eu não era nem de longe na escola, tudo por culpa do Carlinhos, e descobrir coisas comuns sobre ela.
Então, pensando em todos os tipos de relacionamentos que eu poderia desenvolver com Amanda durante aquela viagem, eu tentei impressioná-la ao usar o dinheiro que tinha restado do último cachê para pagar minha passagem e dar um upgrade na passagem dela. Ainda que a viagem de São Paulo para o Rio fosse rápida, pelo menos faríamos isso com bastante conforto.
— Você não precisava fazer isso — Amanda falou comigo enquanto entregava o bilhete para a moça do aeroporto. — Você está me fazendo um favor, eu devia pagar pela sua passagem.
— Acho que estamos fazendo um favor um ao outro — admiti, também entregando meu bilhete para a mulher. — E, honestamente, talvez você esteja fazendo mais por mim do que eu por você.
— Está tão ruim assim?
— Mais ou menos. Fico feliz que tenha me deixado te acompanhar.
Ela não disse mais nada até que estivéssemos sentados em nossas poltronas.
— Acho que... devíamos combinar o que dizer aos meus pais — ela comentei meio sem graça, passando os dedos nos fios castanhos de seu cabelo para colocá-los atrás da orelha.
— Tudo bem — respondi, observando cada movimento que ela fazia e notando que muitos dos trejeitos (como colocar o cabelos atrás da orelha e retorcer as mãos no colo enquanto mordia o lábio inferior) ela levava desde a escola. — Pode decidir o que quiser.
Ela riu, virando-se para mim com os olhos apertados.
— Está tão confiante assim?
— Sou um bom ator. — Também sorri.
— Hum... E se eu disser que quero que você pareça um inglês todo pomposo que ganhou meu coração com uma serenata?
Apertei os lábios para não soltar a gargalhada que borbulhou na minha garganta. O senso de humor dela ainda era o mesmo, com certeza.
— Posso só escolher a música se alguém me pedir para reencenar a cantoria? — consegui dizer depois de um tempo e garanti uma gargalhada dela.
— Esquece, deixa pra cantar no musical — ela falou, abanando a mão enquanto se recompunha. — Vamos nos manter o mais próximo da verdade possível. Você pode ser um bom ator, mas eu não lembraria de todas as nossas mentiras.
— Posso fazer isso também.
— Mas, se vamos ficar próximos da verdade, precisamos saber mais um do outro.
— Ah... Então tudo isso era só uma desculpa para você descobrir os meus podres.
— Isso mesmo. — Ela se animou, virando-se de lado na poltrona, colocando um perna dobrada sob o corpo e ficando de frente para mim. — Pode revelar todos os seus segredos. — Eu ia fazer outra piadinha, mas Amanda me interrompeu, abrindo uma mão na frente do meu rosto. — Não, não me conta os seus segredos. Se você contar, eu vou ter que contar também. Vamos nos manter neutros.
Por um instante, desejei saber o que ela queria esconder de mim. Na verdade, não foi só por um instante, fiquei pensando nisso a viagem inteira. Claro que eu atendi ao seu pedido e conversamos sobre coisas banais, como cor favorita, comida favorita, estilo musical favorito (confesso que me surpreendi quando ela me disse que gostava pagode, achei que ela fosse uma das fãs loucas de K-pop) e outros favoritismos.
Também falamos sobre a escola, o que fizemos depois. Eu expliquei que tinha mudado de escola porque tinha me mudado com meus pais, por isso tinha saído antes do último ano. Não entrei em muitos detalhes, mas falei sobre a faculdade de Artes Cênicas e a ouvi falar sobre a faculdade de Cinema. Tínhamos tomado caminhos parecidos, ainda que cada um estivesse de um lado diferente do espectro de entretenimento.
Em dado momento, ela me perguntou por que não fui pra Coreia para virar idol, e eu disse que não tinha interesse em ser cantor, apesar de já ter feito alguns musicais e cantar bem. A carreira de ator era muito mais tentadora para mim. Ela ficou feliz com minha resposta, o que também me deixou feliz de uma maneira esquisita.
Quando finalmente chegamos no Rio, já tínhamos coberto os assuntos mais básicos e, depois que pegamos o carro que Amanda já tinha deixado alugado, seguimos para Búzios conversando sobre como teria se dado o nosso namoro. Aparentemente, manter-se perto da verdade não incluía o namorado estúpido dela a ter largado, então combinamos que eu a teria seduzido e feito largar o imbecil. Confesso que eu teria feito aquilo com muita disposição, mas fiquei ainda mais contente por não precisar espantar ninguém da vida dela de verdade.
Depois de passar aquele tempo todo de viagem conversando com Amanda, percebi que era muito fácil esquecer os problemas quando estava com ela. Amanda era tão fascinante e carismática agora quanto era na escola. Imaginei quando eu teria a oportunidade de confessar um segredo que eu tinha guardado por tanto tempo. Será que faria diferença? O que mudaria em nossa convivência quando ela soubesse da verdade? Como eu estava dirigindo, tive poucas chances de observá-la com atenção, mas sempre que o fazia, eu me pegava pensando se ela acreditaria em mim ou não.
Felizmente, eu estava prestes a descobrir sua reação àquele segredo. Só esperava que ele nos colocasse mais pertos um do outro, porque eu estava disposto a descobrir todos os segredos dela naquela semana que passaríamos juntos.
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