O sequestro
A porta estava aberta. Senti aquele vento gelado adentrar a minha casa. Minha mãe estremeceu. Meu pai não se mexeu, seus olhos estavam vidrados. Eu não conseguia enxergar o que era aquilo que os dois olhavam. Então, desci as escadas, bem devagar, até chegar ao andar térreo. Finalmente avistei. Um homem e uma mulher, ambos enganosamente elegantes. O rapaz estava de terno e chapéu, a mulher ao lado vestia um longo vestido azul. Eram jovens, aparentavam ter seus 32 anos.
- Podemos entrar? – Perguntou o rapaz, em um tom melodramático e pausado.
- Qu... Quem são vocês?! – esbravejou o pai. – E o que querem a esta hora da noite?
O homem exibiu um sorriso torto e malicioso.
- Se falássemos quem nós somos vocês certamente não nos deixariam entrar. Agora, ande logo com isso, pois estamos com pressa.
Naquele momento, meu pai hesitou por um breve segundo, minha mãe e ele se entreolharam, receosos. Lembro-me de ter prendido a respiração, quando aquele rapaz olhou para seu relógio de bolso e, com uma sutil indicada de cabeça, fez com que a mulher tomasse à dianteira. O movimento dela foi assustadoramente rápido e em um piscar de olhos, eu vi um clarão prateado, como uma linha cortando o ar, se deter no pescoço de meu pai. Era uma faca. Naquele momento senti como se o mundo tivesse parado. Eu não tive tempo para assimilar a situação. Meu pai caiu de joelhos e depois de breves segundos seu corpo sem vida despencou ao chão. Minha mãe era a próxima, tentei impedir. Corri em sua direção, sentindo o meu sangue correr por minhas veias. Pensei ter chegado a tempo, mas algo me impediu de tocá-la, pela última vez. O rapaz havia me segurado pelo pescoço, ele era extremamente forte, apesar de não aparentar. Quando ele olhou em meus olhos, senti uma escuridão tão profunda que me vejo incapaz de expressá-la em palavras. Medo, e logo em seguida o grito de minha mãe antes do golpe fatal. Seu corpo caiu perto ao do meu pai, supus. Infelizmente não consegui avistá-lo. Só me lembro daquele olhar escuro e sombrio, me fazendo apagar lentamente e, relutantemente. Não fazia ideia de quem eles eram, ou o do porque estavam fazendo isso.
Dois dias se passaram depois daquela noite. Meus olhos não se abriram desde então, tendo carregado comigo a imagem trágica da morte de meus pais. Eu precisava acordar, meus sentidos pareciam estar voltando. Não sabia onde eu estava ou com quem estava, mas era um lugar quente, aconchegante e levemente familiar. Eu me encontrava deitado, em algum colchão no chão e em frente a uma lareira acesa, que agora me despertava certo incomodo. Finalmente acordei. O brilho intenso da fogueira somado a luz do sol que vinha de fora, ofuscaram meus olhos acostumados à escuridão de dois dias. Olhei assustado ao redor. Estava deitado em um colchão no chão, com algumas cobertas. Parecia uma sala de estar, havia uma fogueira bem a minha frente, e atrás dois sofás de couro. Levantei-me, meu corpo doía, minha cabeça latejava. Alguém veio ao meu encontro. Era uma senhora.
- Olá querido, que bom que acordou. Deve estar morrendo de fome. – Disse ela, sorridente. Minha cabeça latejava, ouvia um zunido vindo de dentro dela. Eu estava vivo, mas meus pais estavam mortos. O que eu não conseguia entender era "por que não me mataram também?". Por um momento desejei que o tivessem feito... – O almoço vai sair logo log...
Ouviu-se um estrondo de uma porta do outro lado da casa se abrir com força. Uma mulher entrou trazendo uma caixa preta, aparentemente pesada. Ela não notou o rapaz acordado, largou ao lado da porta e foi em direção à sala.
- Ainda não localizamos o paradeiro deles! – Disse a mulher, em um tom alto. Parecia haver mais alguém naquela casa com quem ela falava. – Precisamos esperar o... – Parou de falar imediatamente, quando me avistou, parado, completamente confuso.
Ela ficou estática bem a minha frente. Não era a mesma mulher que matou os meus pais. Esta era diferente, era um pouco mais baixa, tinha os cabelos extremamente escuros, contrastando com sua pele pálida. Seu nariz era fino e pontudo e quando ela me viu, pareceu ainda mais surpresa do que eu. Nunca vou me esquecer daquele olhar, um olhar de quem escondia algo. Durou exatamente cinco segundos, me lembro bem. Nesses cinco segundos ela não conseguiu minimamente disfarçar que já me conhecia, não conseguiu disfarçar que esperava que eu a reconhecesse, um olhar suplicante e esperançoso que, passado o tempo, se desfez tão rapidamente quanto um piscar de olhos.
- Ah, que bom que acordou. – Disse ela, um pouco desapontada e tentando, ao mesmo tempo, parecer solidária por minha perda. Não consegui sofrer o luto a moda da época, mas o fiz do meu jeito durante as 48 horas em que fiquei desacordado.
- Quem é você? – Indaguei, de forma estúpida e hostil. Reconheço isso hoje, mas naquele momento, não me importava à cordialidade e as meras apresentações. Afinal, eu não sabia quem era ela ou o porque me conhecia.
- Me chamo...
- Elvira! – Chamou um homem, enquanto descia as escadas que eu mal tinha notado que existia. Ele tinha uma longa barba, cabelos castanhos, era alto e exibia um olhar sinistro. – Você trouxe os armamentos? – Ele parou em frente à caixa, olhou em minha direção. Senti meu corpo inteiro paralisar por um breve instante. Ele veio ao meu encontro e voltou-se para Elvira.
- Podemos conversar a sós, por um minuto?
Elvira assentiu, com uma expressão séria. Os dois se afastaram de mim. No entanto, para minha surpresa, eu conseguia ouvi-los de forma clara. Minha audição estava diferente, notei.
- E então. Ele se lembra de alguma coisa? – Perguntou o homem.
- Artur! Eu te disse que ele não iria lembrar!
- E então o que fazemos com ele? – Indagou Artur, irritado.
- Do que você está falando? – Elvira também se irritara.
- Bom, se ele não lembra, não serve para nada. Isso só vai nos atrapalhar em nossa busca pelo
- Shh! – Elvira, de alguma forma, naquele momento eu não fazia ideia de como, sabia que eu estava ouvindo. – Não fale sobre isso aqui. E não me importo que ele não se lembre, nós não iremos abandoná-lo agora.
Artur se irritou, encarou a moça a sua frente e apontou o dedo em seu rosto.
- Você vai acabar nos matando por conta de uma paixão inútil que não existe mais e, talvez nunca tenha existido. Ele nunca vai se lembrar e você sabe disso, já que foi você mesma que...
Naquele momento uma fúria incontrolável invadiu Elvira por inteira. Ela agarrou o dedo apontado em sua direção e o torceu com força. Artur tentou gritar, mas Elvira tampara sua boca com uma das mãos, e com a outra agarrou seu pescoço fortemente e o empurrou na parede de uma forma feroz.
- Não se esqueça de que você só está vivo por minha causa – Disse ela, ameaçadoramente, enquanto segurava o homem, quase sem ar, contra a parede. - E se um dia eu me sentir, sequer, quase arrependida, eu te mato sem nenhuma hesitação.
Ela, então, soltou o homem, que caiu de joelhos sem fôlego. Ele se recompôs depois de alguns segundos. Ela o fitou, com um olhar assassino e disse.
- Agora nós vamos voltar para a sala e fingir que nada disso... – Elvira fez uma breve pausa. Permaneceu um misterioso silêncio por algum tempo que, sinceramente, não sei quanto foi. Artur a olhou, intrigado. – Ah não!
Ela disse isso pelo mesmo motivo do qual eu não sei dizer o tempo em que eles ficaram em silêncio. Isso porque há exatamente dez segundos, eu que estava ouvindo tudo, me aproximei da cozinha. Lembro-me de ter lançado uma falha tentativa de um sorriso sedutor à senhora que cozinhava, e naquela época isso significava que eu queria alguma coisa para comer. Ela entendeu, pois me dera um pedaço de pão com cebola. Eu o devorei em alguns segundos; estava com muita fome. Por fim, me aproximei sorrateiramente da porta e, depois em que a abri eu corri para o mais longe possível daquele lugar...
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