Capítulo 9
Antônio
A mais de 700 quilômetros distante de Triana, no coração do interior paulista, Giuseppe apeava de seu cavalo. As dores nas costas, consequência da viagem incômoda da estação de trem até ali, além dos anos acumulados na vida de estrada, previa que as massagens de Justina viriam a calhar, após o jantar.
Ele elevou o olhar e foi como se as costas adormecessem, dando-lhe algum tempo para que contemplasse aquela beleza. Era como voltar para casa.
O casarão de dois andares, calhado de branco e completamente cercado por uma convidativa varanda, era um verdadeiro oásis. Sua escadaria principal e mais os jardins que se estendiam à frente eram de uma beleza ímpar.
Uma construção sem muitos arabescos, mas de extremo bom gosto e simpatia. As janelas, em estilo colonial, a grande varanda, a escadaria larga na entrada principal e, claro, todo aquele universo de árvores frondosas ao seu redor, fazendo uma composição magnífica com o canto das aves e o som mágico das águas do rio: assim era Casabela - a propriedade de seu amigo Antônio Basti.
Assim que bateu as botas no assoalho da varanda, Giuseppe sabia que não demoraria a ver passar pelo portal principal a querida Justina, com uma bandeja de refresco de caju. Dito e feito! Lá estava a índia Justina. Ele sabia da mania da índia, de ficar debruçada na janela sul, e que de lá se via a entrada da fazenda. Certamente, ela o viu chegar.
- Senhor Giuseppe, que bom vê-lo por aqui. - Já devia estar na casa dos cinquenta anos, mas a mulher ainda trazia no rosto, e no corpo, a formosura de seus idos anos...
- Querida Justina, também fico muito feliz em estar aqui.
- Como foi a viagem? - Quis saber, enquanto Giuseppe sorvia de uma vez só todo o refresco do copo.
- Cansativa, Justina, cansativa. Mas chegar aqui vale qualquer sacrifício. Onde está Antônio?
- Senhor Antônio está lá para o lado do cafezal. Quer que mande chamar?
- Não, não. Dê-me um tempo. Preciso me banhar e tirar um cochilo. A idade anda me chamando a atenção, Justina.
A índia sorriu com simpatia e verdadeira afeição. Para ela, Giuseppe jamais seria um velho.
O homem cumprimentou o moleque, que acabara de aparecer na varanda, e indicou-lhe com um gesto que pegasse as bagagens de sobre o cavalo. Não eram muitas, o que decepcionou a índia Justina. Isto significava que a estadia seria curta.
O sol já começava a cair e o vento gelado soprava nas montanhas e entre os vales. Giuseppe cochilava com tranquilidade no sofá da antessala, quando o barulho de risos e pisadas de botas o despertaram. Enfim, seu amigo Antônio chegara. Amigo, ou talvez estivesse mais para um filho, afinal, o pai de Antônio, Calixto Basti, a vida inteira fora seu fiel companheiro e irmão. Lutaram juntos em algumas batalhas que disputaram sem qualquer motivo válido, dividiram segredos e dores e, por fim, escolheram destinos diferentes, mas nunca se afastaram de fato. Tratava-se de uma amizade verdadeira e eterna.
Quando Calixto sofrera o enfarto, Giuseppe estava do outro lado do país, e quanto a isto ele jamais iria se perdoar. As últimas palavras, as últimas vontades de seu irmão de vida, não lhe foram confiadas.
Calixto morrera deixando Antônio ainda um menino e Giuseppe não estava ali para orientá-lo e apoiá-lo na imensa dor. Estes não eram os únicos, mas certamente, alguns dos muitos motivos que o levavam a considerar Antônio como um filho.
- Giuseppe?! Anda perdido por estas bandas?
Ele chegou largando o rebenque e o chapéu sobre a mesinha.
De cabelos castanhos, o moreno de mais de 1,80m e pernas longas, atravessou a antessala com três passadas. Afastou o cabelo do olho com um movimento rápido de cabeça, apoiou as mãos no quadril e encarou o velho amigo com um belíssimo par de olhos cor de uísque da melhor qualidade.
Estava bronzeado e mais forte, Giuseppe reparou.
- Antônio! É aqui mesmo que me encontro! - Giuseppe fez grande esforço para erguer-se do sofá, mesmo com Antônio o ajudando.
O abraço e os tapinhas nas costas ecoaram pela sala. Ao fundo, dois índios, vestidos adequadamente como homens brancos, assistiam a cena com alegria. O velho italiano conhecia muito um deles: Lorux, o amigo de infância e fiel escudeiro de Antônio.
- Que alegria revê-lo, amigo. E então, veio para ficar quantos meses?
- Ora, Antônio, eu adoro Casabela, mas não tanto para fincar minha âncora por aqui. Não agora.
Antônio sorriu, mostrando um sorriso tão alvo quanto belo, contrastando com o dourado avermelhado de sua pele. Cor adquirida da sua ascendência ibérica e aprimorada pelo sol suave e constante do nordeste paulista. O rosto angular, de maxilar forte e largo, era bastante harmonioso com o olhar quase felino, que lhe era peculiar.
- Sei bem o que você veio fincar aqui, velho safado - gracejou fazendo referência à relação antiga e complexa entre Giuseppe e Justina.
A gargalhada contagiou a todos e só foi contida com a chegada de Justina na sala que, percebendo o tom da conversa, tratou de levar o olhar ao chão.
- Senhor Antônio, deseja se banhar agora?
- Agora mesmo, Justina, mas não precisa se preocupar com o jantar não. Vamos comemorar a chegada do velho Giuseppe lá na vila.
Antônio chegara à Vila de São Sebastião do Ribeirão Preto ainda menino. Seu pai, um militar reformado e colecionador de condecorações, dedicara quase toda a vida ao algodão e ao café, transformando-se em um dos homens mais poderosos daquela região. Não tinha títulos, salvo os que suas batalhas no exército lhe concederam, por isto, era justamente chamado de Coronel Basti, sua verdadeira patente.
O Coronel Calixto de Araújo Basti já fazia parte daquelas terras há mais de 40 anos e foi lá que se casara com Eneida, a mulher da sua vida. Uma filha de espanhóis por quem fora tomado de amores em uma de suas viagens ao norte do país. Mas se Eneida era o seu amor, aquelas terras do interior paulista eram sua paixão.
O clima, as pequenas colinas, os rios... Nada no mundo o faria ir embora. Mas, como Eneida falecera ainda muito jovem, deixando Antônio com pouco menos que 10 anos de idade, o coronel Calixto viu-se obrigado a "correr mundo", como ele mesmo dizia. Queria mostrar a vida ao pequeno Antônio e carregava seu garoto por onde fosse, bem como o seu preceptor: um homem vivido, muito inteligente e bem pago para ensinar de um tudo ao Antônio. Com a vida sem pouso, suas aulas aconteciam tanto à beira do rio, quanto em quartos de hotel em Paris.
Voltar para casa, quase oito anos mais tarde, foi uma grande alegria para todos. Retomar os negócios e deslanchar os planos de exportação de café, que aprendera tão bem na Europa e EUA, foi promissor, tanto para o rumo financeiro da família, quanto para a própria região. Foi Calixto, com sua veia empreendedora, que encorajou os fazendeiros a investirem na exportação em grande escala.
Desnecessário dizer o quanto Antônio amava Casabela - a maior de suas fazendas - e tudo que houvesse de terra diante de seus olhos. Um amor tão grande quanto grande era a sua teimosia e firmeza, na lida com esta mesma terra.
Era jovem ainda. Acabara de entrar na casa dos 30 anos, mas seu tino e confiança se assemelhavam a de um experiente homem de negócios. Sempre tivera um olhar aguçado para o novo e rentável, e seu pai acreditava nisso. Esta astúcia e a falta de receios dobraram a fortuna do pai, mas subtraíram-lhe os amigos.
Antônio Basti era um nome demasiado respeitado em todo estado de São Paulo, mas igualmente temido e, até certo ponto, invejado. Quando todos naquela região cotavam suas sacas de algodão a preço de ouro, o menino Basti infernizava o pai com ideias sobre o café. Quando cada uma das dezenas de fazendas da região ainda investia na compra da mão de obra escrava, o jovem Basti convencia seu pai a alforriar os negros que ainda restavam em suas fazendas e, pior... a pagar-lhes salários. E, por fim, quando todos estavam cheios de receios em encher os navios de café e exportá-los, os Basti foram os primeiros a enviar toda a sua safra aos EUA. Medo era uma palavra que não encontra repouso no dicionário da família Basti.
Onde quer que suas botas caras pisassem, portas eram-lhe abertas. Onde quer que suas moedas tilintassem, suas vontades eram cumpridas. Contudo, não podia, sequer, fechar os olhos enquanto jogava cartas no clube dos cafeicultores. Era possível que jamais voltasse a abri-los.
Ao seu redor pairava a inveja daqueles que lhe criticavam as ideias, mas seguiam-lhe os passos. Nas espaldas, pesava o ódio dos que se viam desafiados por suas ideias progressistas. Suas opiniões, quando necessárias para decisões importantes na região, eram sempre discutidas e questionadas, mas com Antônio era sim ou não; preto ou branco - cinza estava fora de sua paleta. Desta forma, acumulava desafetos em todas as esferas da sociedade, exceto entre as damas.
Seus amigos eram contados nos dedos... De uma mão. E devido a isso, Antônio não se sentia muito inclinado a comparecer nem mesmo à metade dos bailes e saraus, para os quais era constantemente convidado - para desespero total das moças solteiras e de algumas "dignas" senhoras da sociedade.
Apesar de imensamente desejado como homem e cobiçado como investimento, que pai pensaria em se associar a alguém tão inconstante e propensamente perigoso, quanto Antônio Basti? Sendo assim, o rapaz seguia sendo aquele hipnotizante pote de ouro quente, bem quente. O tipo de homem que se olha duas vezes, para avaliá-lo melhor; para quem não se dá as costas e alguém não esquenta a cama - Eis Antônio.
O clube de cafeicultores estava repleto de cavalheiros, como sempre. Homens da política, da decadente mineração e do café, óbvio. A nata da nata estava ali e não se furtaram de entortar a boca, quando viram Antônio e Giuseppe cruzarem a porta principal. Os recém chegados pouco se importaram.
Sentaram à uma mesa próxima ao balcão, de onde se tinha uma vista estratégica do salão.
- Então, Giuseppe, o que me conta desta vez.
- Ah, Antônio... Não foi a minha melhor viagem. - Antônio acenou para o metre que, conhecendo suas preferências, apenas assentiu e saiu para providenciá-las. - Andei perdendo dinheiro, peguei uma baita gripe e ainda por cima, tomei as dores dos outros de uma forma como jamais fiz.
- Vamos por partes. - Antônio pegou o copo de uísque, que o garçom acabara de trazer, tomou um gole e prosseguiu: - Já se recuperou da gripe?
- Sim, sim... - Giuseppe balançou a cabeça com resignação e tomou um gole, dos grandes, do seu uísque. - Nada que um chá de limão bem forte, uma noite bem dormida e algumas carícias não sarassem.
Antônio sorriu com discrição. Um dos seus raros e preciosos sorrisos.
- E quanto aos prejuízos?
- É... Andei vendendo algumas de minhas terras lá pelo sul, mas estava com pressa para vendê-las e só depois me dei conta de que, em comparação ao mercado local, praticamente as entreguei de graça.
- Ah, Giuseppe... Por que não me consultou? De quanto foi esse prejuízo?
- Nada que abale a minha aposentadoria, mas fiquei com raiva de minha própria burrice.
- Esqueça. Negócios ruins também acontecem. Fique mais atento e me consulte da próxima vez. Não pense que irei lhe sustentar, quando começar a confundir penicos com chaleiras e estiver falido.
Embora a conversa tivesse um claro tom lúdico, o semblante de Antônio era sério, como quase sempre.
Giuseppe fez uma careta, como se houvesse bebido fel. Sabia que Antônio seria capaz de brigar com qualquer um, para ter a honra de cuidar do decrépito Giuseppe, como o próprio previa que ficaria o amigo, em suas pilhérias.
- Eu deveria ter levado você para me ajudar a negociar, você é uma raposa bem esperta, meu rapaz.
- E tenho que ser. Olha só ao nosso redor. - Alguns homens prestavam atenção nos dois sem a menor discrição. Uns com algum desdém no olhar, outros com evidente curiosidade. - Se eu não ficar bem esperto, jogam uma pá de cal sobre mim, sem nem esperar o corpo esfriar.
O comentário foi infame, mas não houve como não rir, principalmente quando se constatava o fato em cada rosto presente. Deveras, Antônio precisava andar de olhos bem abertos. Se ainda estava solteiro, quando já tinha idade para ser pai, é porque sabia que, no momento em que se casasse com uma das lindas moças com quem flertava, estaria morto no dia seguinte. E se ainda estava vivo, era justamente por conta de sua esperteza, e de alguns amigos bastante poderosos e com posições administrativas imponentes.
A bebida já havia acabado e o garçom, sem esperar que Antônio o requisitasse novamente, já lhe trazia a segunda dose.
- Que outros problemas teve dessa vez?
- Ah... - E sentiu o uísque rasgar sua garganta. - Foi lá pelos lados do Paraná.
- Claro, seu amigo Josué, não é?
- Jesus. O nome dele é Jesus. - E lhe veio à memória a dureza incorrigível do amigo, que costumava ser mais leve na juventude - Pois é, ele é um caso a ser estudado.
- O que foi dessa vez? Conseguiu matar a filha?
- Nem brinque, Antônio. Aquela pobre menina não merecia um pai daquele.
- Ela deveria se casar e sumir da casa do pai, isso sim. - Antônio rodopiava a bebida âmbar no fundo do copo.
- Ah, Antônio... Mas sabe que nem isso deu certo para a coitada?
- Não me diga que se casou com um traste como o pai?
Antônio encenou um tanto de surpresa, mas, na verdade, não estava muito interessado nos dramas familiares do amigo de Giuseppe - um cara violento e covarde, conforme relatos.
Giuseppe acenou novamente para que o garçom trouxesse mais uma dose, e quando o rapaz se aproximou, Antônio acrescentou ao pedido um pato assado com batatas.
- A coitada não tem sorte mesmo, Antônio. Ela foi deixada na porta da igreja. O sujeito simplesmente sumiu! Agora, o pai a culpa até mesmo por isso. Às vezes, tenho vontade de sequestra-la só para livrá-la das garras de Jesus.
- Do jeito que fala, é capaz do trem virar com vocês. Essa moça é azarada, Giuseppe!
- Para com isso, Antônio! - Ficou bastante claro que Giuseppe não achara graça no comentário. - Ela não merece este tipo de gracejo.
Um pouco constrangido por ter brincado com algo tão sério para o amigo, Antônio serviu-lhe o pato que acabava de chegar.
- Vamos parar com essa conversa, está bem? Desculpe se me excedi, eu não deveria ter falado de quem não conheço.
- Não é isso. Eu é que peço desculpas. Absorvi mais do que deveria do sofrimento desta menina. Vamos mudar o assunto e comer. Este pato parece delicioso.
Por algum tempo, eles apenas comeram, sem nada falar. Mas, aos poucos, com muita naturalidade, o clima começava a amenizar. Foi quando o garçom aproximou-se e, de forma bastante discreta, entregou um pequeno bilhete para Antônio. Nele, havia poucas palavras:
"Não demore. Não gosto de esperar.
V."
O jovem Basti balançou a cabeça positivamente, mas respondeu ao garçom um simples: "Diga-lhe que mandei esperar".
Giuseppe ergueu apenas os olhos, observou o amigo por alguns segundos e indagou:
- Ainda com a Vitória?
Antônio terminava de mastigar seu último pedaço de pato. Bebeu um generoso gole de uísque e encarou o amigo, erguendo apenas uma das sobrancelhas.
- Ela tem coxas fortes e mais meia dúzia de atributos que você, anjo Giuseppe, não haveria de desdenhar - disse com ironia. - A companhia é boa.
O amigo riu e balançou a cabeça, pensando no quanto aquele rapaz era debochado consigo, e no quanto seria interessante se ele passasse mais tempo de sua vida com aquele ar relaxado que estava agora.
Antônio já pensava em outro gracejo para provocar Giuseppe, quando ergueu os olhos e a viu por trás da janela de vidro, do lado de fora do clube.
Era, de fato, uma mulher exuberante. Seus cabelos ruivos e revoltos desciam até abaixo dos ombros, como chamas. Com um corpo escultural e uma petulância acima da média, Vitória conseguira muito mais do que qualquer prostituta poderia sonhar. Deixando um rastro de homens poderosos e apaixonados, conseguira dinheiro suficiente para montar seu pequeno e luxuoso "quase" hotel - já que, além de hóspedes, ela permitia que algumas moças de "má fama" fizessem seus atendimentos -, além do privilégio de escolher seus clientes de acordo com seus critérios. Mas, há pouco mais de um ano, mantinha apenas um desses clientes em sua cama: Antônio.
Ele a encarou com olhos fulminantes e, após segundos de completa seriedade, contraiu um dos cantos dos lábios, no que seria o esboço de um sorriso.
Giuseppe virou-se na cadeira, no intuito de constatar o que atraía a atenção do jovem. Então, tornou a olhá-lo, mas desta vez, com a feição coberta de malícia.
- O quê? Por que está me olhando assim? - Antônio o olhava com falsa indignação, enquanto assinava a conta que o garçom acabava de lhe entregar.
- O quê, o quê, Antônio? Agora as mulheres exigem sua presença?
- Agora não, velho Giuseppe! - E pontuou o final da assinatura com determinação - Desde que deixei de usar calças curtas.
E riram, enquanto as últimas doses de uísque lhes eram servidas.
- Sei, sei... Você sempre foi convidado de honra em camas femininas, mas... E casamento? Quando terei este gosto?
Antônio o fitou com seriedade e depois estreitou os olhos, até quase virarem apenas um risco âmbar de cílios negros.
- Amigo Giuseppe, quando quiser casar, é só me avisar que terei a honra de ser seu padrinho.
O jovem tinha o dom de dizer as coisas mais sarcásticas, enquanto seu semblante seguia quase inexpressivo.
- Deixe de pilhéria, Antônio. - E não pode conter o riso. - Estou falando de seu casamento.
- Meu casamento? Ora... Você conhece muito bem minhas condições aqui.
- Sei, mas você precisa sair deste "meio do nada"! Precisa conhecer outros lugares, outras mulheres.
- Ah, está ótimo! - Lançou o guardanapo sobre a mesa e pareceu estar aborrecendo-se, o que Giuseppe sabia, estava longe de acontecer. O velho conhecia Antônio como ninguém. - Vou largar os meus negócios e passar uma temporada no Rio de Janeiro para "arranjar" um casamento. Tenho mais o que fazer Giuseppe!
Virou parte do conteúdo do seu copo garganta abaixo, sentindo o líquido destilado lhe queimar a garganta, e prosseguiu:
- Giuseppe, o que posso fazer se não sou um bom partido para as moças daqui? Esse povo ainda vive no século passado, e para eles, sou sinônimo de mau agouro, de insanidade - e sussurrou: - Não tenho culpa se as moças daqui correm de mim como o diabo corre da cruz! Ouvi falar que sentem medo de'u obriga-las a comer com índios e negros à mesa, veja só! Além de quê, eu tenho apenas uma serventia para o povo daqui: Fazer um filho para ser meu herdeiro e morrer em seguida, deixando o caminho e o dinheiro livres para o próximo. Esqueça isso de casamento.
O mais velho passou a mão pela fronte, pensando em algo para dizer que viesse a mudar a forma de pensar do amigo.
- Eu imagino como seja, mas já está com quase trinta anos. Já passou da hora de ter herdeiros, passar o nome de seu pai adiante... De ter a sua família.
- Concordo, mas creio que casar e gerar filhos com imigrantes, prostitutas, negras ou índias não irá melhorar as coisas para mim. Não aqui. São as opções que me restam.
- Também concordo, Antônio, mas há de se levar em consideração que o mundo não se encerra nestas terras! A colheita está próxima... Deixe tudo por conta de Lorux e vá ao Norte, ou ao Sul, como queira. Não pode ficar aqui, metido com sua gente o tempo todo. São pessoas boas, mas sem muita instrução. Logo será confundido com um deles.
- Por favor, Giuseppe, como se todos que andassem em igrejas e lessem a Bíblia fossem realmente cristãos. Além do mais, não vejo diferença entre...
- Como?! - Giuseppe o interrompeu com uma expressão de surpresa e deleite ao mesmo tempo, o que deixou Antônio de sobreaviso, alarmado.
- Como, o quê?
- Repita o que acabou de dizer, Antônio!
- Disse que eu não vejo diferen...
- Não, não. A outra parte. Da Bíblia.
- O que há com você? Eu disse que nem todos que leem a Bíblia são cristãos.
Então, Giuseppe largou o garfo e olhou para Antônio com muita satisfação. Como se houvesse descoberto a roda!
- É isso! Perfeito! - Giuseppe gargalhou, mas Antônio apenas ergueu uma de suas sobrancelhas, como fazia sempre que farejava algo estranho no ar. - Uma vez, uma garota muito inteligente me disse, praticamente, esta mesma frase. E agora, me pergunto: como não pensei nisso antes?
O jovem Basti meneou a cabeça, sem muita certeza se queria escutar o que estava por vir.
- Antônio, por que não se casa com Triana?
- Hein?! - Sua traqueia deu um leve espasmo e Antônio precisou de um gole generoso do uísque do amigo para desengasgar.
- Triana Marcussi! A filha do meu amigo Jesus!
O mais velho, parecia estar à beira do êxtase, enquanto o mais jovem o fitava quase sem ação.
- Você já bebeu demais, Giuseppe. Acho melhor ir para casa. - E começava a levantar, quando Giuseppe segurou-lhe o antebraço, forçando-o a voltar para a cadeira.
- Ora garoto! Quando você começava a beber, eu já nadava em cachaça! Estou perfeitamente sóbrio e falando sério. É a coisa mais certa a se fazer!
- Certo para você, Giuseppe! - com o tom de voz foi um pouco mais alto do que pretendia, Antônio deu uma pausa para dispersar os olhares curiosos. - Até entendo que tenha pena dela, que queira ajuda-la, mas esta, definitivamente, não é a melhor maneira.
- Como não? Veja bem... Ela é jovem, saudável, bonita e precisa afastar-se do pai. Você está ficando velho... - E viu o olhar fulminante de Antônio atravessá-lo como uma espada. - Precisa de uma mulher jovem e decente, que lhe dê filhos e, já que não quer viajar e definitivamente não consegue encontra-la aqui... É a solução!
- Giuseppe, está esquecendo de uma coisinha... Nós somos completos estranhos. Não nos conhecemos. - Antônio parecia falar com alguém mentalmente prejudicado.
- Ora, e quantos casamentos já foram feitos assim?
- Ah, Sim... Há duzentos anos! - Basti respirou fundo e levantou-se - Amigo, vamos fazer o seguinte... Vá para casa, se jogue nos braços de Justina, acalme estes nervos e pense melhor. Eu vou acalmar Vitória e amanhã tudo será diferente. Está bem assim?
Mas Giuseppe segurou no braço de Antônio com força e o encarou com seriedade.
- Antônio, eu te amo como a um filho e jamais proporia algo que não fosse, no mínimo, vantajoso para você. Se eu também não a quisesse como uma filha, eu mesmo casaria com ela, e não seria apenas por piedade, mas porque ela é uma garota muito doce. Pense nisso.
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