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Capítulo 4



Não seria exagero dizer que todas as boas famílias da região estavam presentes. As moças mais formosas e elegantes, os rapazes bem-apessoados e até os oficiais estavam lá, com suas medalhas no peito e olhares orgulhosos.

A música vinha de um conjunto de cordas, que fazia a animação. As moças estavam prontas e afoitas para as danças, e corria-se o boato de que dois novilhos haviam sido abatidos para o churrasco.

Otelo e Domitila já faziam par para as danças, e Breno estava junto aos outros rapazes, bebendo algo que parecia vinho. Divertia-se como nunca.

Triana permaneceu junto a Isabel, enquanto Jesus discutia algum assunto com os demais senhores. Certamente, estavam comentando a "esnobação" do senhor Damião.

Depois de comer um pouco, divertir-se vendo Breno dançar e acompanhar sua mãe às rodas de conversa com as senhoras, Triana aborreceu-se de escutar mexericos sobre a filha de uma, que acabara de "enlutar"; sobre o marido da outra, que fora acometido de uma tosse que não passava; e outras frivolidades. Pediu licença à sua mãe e escolheu o pátio superior, para sentar-se um pouco e de lá apreciar a festa.

Cumprimentou algumas pessoas pelo caminho e respirou aliviada quando, finalmente, subiu a escada em forma de caracol e alcançou o pátio. Ele estava quase vazio, salvo por um par de garotas que conversavam secretamente ao lado dos gerânios. Triana sentou-se no banco de ferro, que fora pintado de verde, mas que, a esta altura, suplicava por uma segunda mão de tinta.

De onde estava, podia ver os casais dançando e ainda tinha uma vista privilegiada da enorme mesa, onde algumas pessoas aproveitavam para repetir a refeição.

Dava boas risadas vendo Breno rodopiar com uma moça, em uma dança desconjuntada, quando fora atraída por um olhar insistente, dentre as pessoas no térreo.

Um arrepio incendiou todo o seu corpo quando se viu presa no olhar daquele homem. Não o conhecia, e nem mesmo o tinha visto alguma vez pela Vila. Ele a olhava obstinadamente e havia em seus lábios um sorriso intrigante, discreto... Quase imperceptível, mas persistente.

De onde estava, o homem fez um gesto com a taça em sua mão, oferecendo a bebida à Triana. Instintivamente, ela balançou a cabeça, em negativa. Então, o viu sair de seu campo de visão ao embrenhar-se por entre os convidados.

Procurando ser discreta, Triana esticou-se para procurá-lo e até ergueu um pouco o corpo do banco, para buscá-lo além das plantas que caíam como cascatas do terraço, mas ele havia sumido.

Triana analisou a posição em que se encontrava e, por fim, concluiu que não era o alvo do olhar daquele cavalheiro. De longe parecia muito elegante e bonito, então, certamente não era para ela que ele olhava.

Voltou a distrair-se com a dança empolgada de Breno, quando uma voz rouca e segura cortou sua tranquilidade como uma adaga afiada.

- Desculpe incomodá-la, senhorita, mas não pude me conter.

Ele estava ali, bem ali! O homem que a observava de longe estava agora ali, na sua frente. E que esplendorosamente lindo ele era! Triana não encontrou qualquer palavra que pudesse falar sem parecer uma tola. Ele tinha olhos tão azuis quanto o céu e seu porte era atlético, como se fosse um maratonista. Estava muito bem vestido e o sorriso... Ah, o sorriso! Era algo realmente inebriante.

- Não... O senhor não incomoda. Quero dizer... Não me sinto incomodada com presença alguma. Não que o senhor...

Ele sorriu largamente. Uma mão estava mergulhada no bolso da calça e a outra ainda segurava o cálice que havia lhe oferecido minutos atrás. Com esta mesma mão ele apontou para o banco descascado.

- Posso? - Triana apenas assentiu com a cabeça, permitindo que ele sentasse ao seu lado. - Qual a sua graça?

- Triana Marcussi - respondeu sem muita certeza do que estava fazendo.

- Marcussi? - Ele franziu a testa e depois, sorrindo, levou o cálice aos lábios e bebeu um pequeno gole. - Então, tem algum parentesco com o jovem Otelo?

- Somos irmãos.

- Irmãos? Vejam só... Que esperto é o Otelo. Está cortejando a minha prima, mas esconde em casa uma joia como esta. - Os olhos azuis penetraram os seus com intensidade.

Triana não conseguia conter os impulsos nervosos que corriam por seu corpo. Pequenos espasmos contraiam de leve seu abdômen.

- Não sei do que o senhor está falando exatamente, mas compreendi que é primo de Domitila, certo?

- Sim. - E balançou a cabeça, mostrando-se um pouco constrangido. - Me desculpe, por favor. Fui extremamente indelicado em não me apresentar. Sou Renato Seabra, moro em Curitiba, mas vim ajudar o tio Damião com suas contabilidades. Ficarei um bom tempo.

Aquelas palavras vibraram no cérebro de Triana como sinos de igreja: "Ficarei um bom tempo".

- Que bom. Quero dizer... Espero que goste da Vila. Embora suspeite que depois de morar em uma cidade como Curitiba, nada pode ser interessante em um vilarejo como este.

- Engana-se.

A palavra foi seca, cortante e perturbadora. Ele a observou atentamente por um tempo e Triana pode sentir o olhar percorrer cada traço de seu rosto, cada mecha de cabelo. Ela também aproveitou para inspecioná-lo melhor. O cabelo preto era bem cortado e brilhante, o nariz aristocrático formava um conjunto harmonioso com os lábios finos e sensuais.

- Tenho à minha frente tudo o que pode me interessar neste lugar. - Renato concluiu.

Triana sentiu que o ar simplesmente parou ao seu redor. Apenas o coração pulsava veloz e gritante em sua garganta. Então, naquele momento, fez uma busca mental frenética e urgente em todos os livros que já lera, mas não encontrou uma única sugestão do que poderia ser dito em uma hora como esta. Ao menos, nada sensato.

- O senhor é contabilista?

Ele sorriu de forma encantadora e tomou mais um gole de seu vinho.

- Não. Sou comerciante. - Renato a observou desviar o olhar para o movimento no pátio de baixo, mas logo retomou sua atenção. - Tenho uma loja de tecidos bastante lucrativa no centro de Curitiba.

- E a sua temporada na Vila não irá atrapalhar os negócios?

- Não. Deixei pessoas de confiança à frente dos negócios.

- Ahãn... - Então, ele era rico, bonito e inteligente. Triana logo pensou no por que dele estar ali, conversando justamente com ela, se havia garotas muito mais interessantes na festa.

- E você... Se é que me permite chamá-la de você, é claro. - Diante do consentimento mudo de Triana, Renato prosseguiu. - Então, e você, o que gosta de fazer?

- Gosto de ler... - E temeu amedronta-lo com seus gostos "excêntricos". - Também gosto de caminhar, andar pelos campos e pela plantação. Gosto do ar livre.

- E das festas?

E se ela dissesse que não? E se dissesse que odiava as festas e que não fazia parte da ala coquete das mulheres, ele sairia correndo? Será que deveria mentir?

Triana suspirou profundamente.

- Não muito. Sou um pouco reclusa.

- Ah não... Por favor, não vá me dizer que você... - Seu olhar se perdeu por um momento, mas voltou com ainda mais intensidade ao rosto de Triana. - Você não está comprometida, está?

Este foi o primeiro momento em que Triana se permitiu liberar a tensão. Ela soltou o ar junto com o riso.

- Não. Não tenho compromisso algum.

Após um breve momento de contemplação e alívio, Renato estendeu a mão e quase tocou no rosto de Triana. Ele queria sentir se a sua pele era de fato tão suave quanto parecia, mas ela recuou.

- Desculpe, não quis atrever-me, mas... Por favor, perdoe meu atrevimento, mas você é tão bonita.

Desta vez, o riso foi de nervoso e Triana teve que ajeitar-se no banco para liberar um pouco a tensão que se criou entre eles.

- É muita bondade sua, mas não. Não sou bonita e o senhor não precisa me agradar com isso. - Ela achou que o melhor era ser sincera e não fazer joguinhos. Se ele estava tentando enganá-la e a estava julgando uma presa fácil para os caprichos, aquilo deveria acabar ali. - Aliás, acho que o senhor está perdendo seu tempo comigo. Há moças muito bonitas, elegantes e vivazes lá embaixo. Tenho certeza que o...

- O meu tempo está sendo muito bem empregado aqui, onde estou. E, para que saiba, você é uma senhorita muito mais bonita que qualquer uma daquelas lá embaixo.

Antes que pudesse pensar, Triana levantou como se houvesse mola sobre o banco.

- Senhor Renato, por favor. Acho melhor pararmos por aqui. - E olhou nervosamente para os lados, receando que alguém os observasse. Ele só podia estar brincando. Ou, então, estava entediado e tencionava divertir-se um pouco, iludindo-a. - É evidente que o senhor bebeu além da conta e é mais evidente ainda que eu não estou interessada em galanteios. Portanto...

Ele também se levantou e segurou na mão de Triana, levando-a aos lábios.

- Por favor Triana, não me julgue desta forma. Não sou homem de grande consumo de álcool e muito menos de galanteios vis. - Ele a encarou, demostrando toda a sinceridade que tinham suas palavras. - Não sou um garoto de vinte anos. Já passei da casa dos trinta e já conheci incontáveis mulheres por onde passei. - Renato sentiu que ela puxava a mão, tentando livrar-se de seu toque, mas conseguiu mantê-la cativa. - Não estou fazendo joguetes e nem pretendo subjugá-la ao constrangimento. Por isso, gostaria de vê-la outras vezes em público. Talvez na companhia de sua mãe ou de uma amiga.

Correr, correr e gritar, eram os impulsos de Triana. Não de medo. Ou talvez fosse sim, um medo imensurável do desconhecido. Do que nunca havia acontecido e do que nunca imaginaria acontecer. Ela puxou a mão repentinamente e segurou as saias, para não tropeçar nos tecidos e cair, quando saísse com o coração aos pulos.

- Com licença, senhor Renato. Estou certa de que minha mãe está me procurando.

Rapidamente, desceu as escadas e não se atreveu, nem por um segundo, a direcionar o olhar para o alto do terraço. Embora nem precisasse olhar para saber. Triana podia sentir o olhar de Renato onde quer que fosse, durante os eternos minutos até o momento em que subiu na charrete e partiu com Jesus e Isabel.

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