Capítulo 2
Ela estava de bruços sobre a cama. Não chorava. Há tempos deixara de ter lágrimas para seu pai. Por entender que nunca conseguiria um só olhar piedoso de Jesus, logo aprendera a poupar energias. Agora, havia apenas um foco de raiva entalado em sua garganta.
Tentava não reviver as injúrias sofridas, quando escutou a porta do quarto ranger ao ser aberta, e logo em seguida fechar. Mesmo sem ver, ela sabia que era Breno. Sim, ele sempre vinha consolá-la.
O jovem sentou ao seu lado na cama e acariciou-lhe os cabelos.
— Ah Nana... Não dê ouvidos ao que ele fala. — A voz suave trazia calma e uma pitada de alívio.
— Somente se eu fosse surda, para não escutá-lo. — Já não havia raiva no tom que usou, mas uma boa dose de auto piedade.
Ele segurou-a pelos ombros e forçou-a a virar-se na cama. Seus olhos estavam marejados e as faces rubras, o que a deixava ainda mais bonita.
— Não há nada errado com você, Nana. Nada. — Ele olhou de relance para a porta e sussurrou. — O pai é doido por dizer que você não tem beleza. O problema dele é um só: raiva da vida. E desconta em você porque é frágil e submissa!
— Para de tentar me consolar, Breno. Sei que sou diferente, mas não posso lutar contra aquilo que sou. Não tenho culpa se não me sinto à vontade em andar em bandos, como as moças daqui! — Ela sentou na cama e respirou fundo, antes de continuar. Ajeitou os cabelos e segurou as mãos do irmão, quase em uma súplica. — Não suporto ficar com Domitila e as outras, com aqueles risinhos irritantes. Elas riem por tudo! E quando não estão rindo de alguém ou de algo sem graça alguma, apenas para serem coquetes, estão falando sobre enxovais ou mexericando sobre a vida alheia. Eu detesto isso! Além de quê, quando não têm nada mais interessante para fazer, fazem coro com meu pai, me criticando.
Só então Triana percebeu o riso discreto nos lábios do irmão.
— Até você, Breno? — A indignação imposta na voz.
— Não, não. Não estou rindo de você. — E o riso lhe escapou dos lábios. — Mas não tem como não achar graça de como fala das senhoritas. Por acaso não é uma garota também? Tens apenas dezessete anos, Nana. Também deves gostar de falar da vida alheia.
— De jeito algum! — E odiou-se por sentir o rosto queimar em rubor e o tom esganiçado com o qual saiu sua voz. — Prefiro mil vezes meus livros que, apesar de calados, só me dão bons conselhos. O que há de mal nisso?
— Nada. Não há nada de mal, mas como você falou, é diferente. Papai não aceita bem as diferenças. Por que não se esforça um pouco para ser... Mais igual?
Ela ergueu o olhar e depois tornou a baixá-lo, como se já estivesse farta do assunto. E de fato estava.
— Tudo bem, você tem razão. — Breno beijou-lhe a testa e deslizou o polegar pelo rosto suave. — Você é linda e maravilhosa, justamente porque é diferente.
Porque havia tanta sinceridade e ternura naquela frase, Triana entregou-se ao abraço de irmão, recebendo-o como se fosse uma manta de conforto e amor.
— Eu só quero ser livre para fazer o que tiver vontade. Não quero precisar ser simpática com os rapazes daqui. Eles não falam de outra coisa, senão da quantidade de medalhas e de condecorações que terão, se algum dia forem à guerra. Coitados... Se algum dia forem à guerra, logo estarão enterrados, com suas reluzentes medalhas. — Respirou fundo e ajeitou o vestido, tentando se recompor. — Não serei eu mesma, se tiver que utilizar todos aqueles grampos, corsets, crinolettes e saltos que tanto machucam. É justo isso? Fingir ser o que não sou, apenas para agradar meia dúzia de pedantes e acabar casada com um deles? Prefiro o convento!
Breno rompeu numa gargalhada, demovendo o resto de mágoa dos olhos da irmã. Ele simplesmente a amava ainda mais quando estava irritada. Seu atrevimento, e o rubor que criava nas faces, tornavam-na irresistivelmente divertida e sedutora.
— Só se fosse para matar o Senhor Jesus de uma vez! Imagine só, ele tendo que pagar seu dote para a igreja, sem qualquer perspectiva de retorno? Seria o fim!
Triana abriu os lábios em um sorriso límpido, como um estio, após tempestade.
— Já pensou? O padre usando sua autoridade com o papai e dizendo que seria um pecado ele negar a vida religiosa à uma filha, por causa do vil metal? Pagaria todo o sofrimento de uma vida!
A gargalhada inundou o quarto, levando para longe a raiva e a escuridão plantada na alma.
A pequena horta, ao lado da casa, era bastante sortida e um orgulho para Isabel, a despeito das dores nas costas que o plantio lhe custava.
As cenouras e as beterrabas já estavam em tamanho suficiente para serem colhidas. Pensava em fazer um cozido com carne de coelho e, se houvesse maçãs bem maduras, faria uma torta de sobremesa.
Otelo, seu filho mais velho, um jovem bem apessoado e forte, no alto dos seus vinte e um anos, vinha assobiando uma canção, ao cruzar o portão de entrada da propriedade. Tinha um semblante despreocupado e nem mesmo viu, quando pisou as sálvias.
— Otelo! Veja só! Está destruindo tudo!
Ele ainda tentou recuar e sacudir as botas, mas as pobres ervas já estavam amassadas e três mudas perdidas.
— Me desculpe, mãe, eu estava distraído. — Beijou-lhe a testa e alisou seu ombro. O clima estava frio e o carinho aqueceu o velho coração de sua mãe. — Tenho a cabeça cheia, Dona Isabel. Cheia de poesia e encantamento.
Isabel já havia se dado conta de que Otelo andava muito na companhia do senhor Damião, um velho vizinho, alvo da inveja de seu marido e pai de uma bela senhorita: a jovem Domitila.
— O que anda aprontando, menino? Em nome do Bom Deus, não vá trazer ainda mais problemas para o teu pai.
— Que problema, mãe? Que problema pode haver em amar alguém?
— Alguém? — Breno chegou por trás e prendeu o pescoço do irmão com um dos braços. Costumavam brincar desta forma, como a maioria dos rapazes. — Isto é singular? Não seriam... Algumas?
Isabel revirou os olhos e deu uma palmada no ombro de cada um deles. Seus meninos não iriam crescer nunca.
— Parem com isso! — Reclamou em vão.
— Para com isso de "algumas", Breno! O que a mãe vai pensar? Vai que ela acredita? — Otelo protestou, enquanto ajeitava o terno, que era um dos poucos que tinha. Embora Isabel insistisse que ele o deixasse para ocasiões mais formais, Otelo era vaidoso demais para esperá-las.
Mas o que Breno dizia não era nenhuma novidade para Isabel ou para toda a vila. Otelo era um rapaz muito bonito e galanteador, o que despertava certo furor entre as moças da região. No entanto, ela também já percebera que seu primogênito estava ficando muito mais tempo do que deveria na casa do senhor Damião. Isto certamente significava algo.
— Otelo, meu filho... — Isabel colocou as verduras no cesto e com uma careta de dor, pôs as mãos na cintura. — Se você está mesmo com boas intenções para com a menina Domitila, o melhor mesmo é ir falar com teu pai. Sei que ele fará gosto no casamento de vocês.
— Claro que fará. O pai está de olho nos contatos de negócios do Damião há umas duas safras!
— Cala esta boca, Breno! — Isabel tornou a dar uma palmada no ombro do caçula, desta vez, com mais força. — Se teu pai te escuta falar assim, a surra que irá ganhar será de dar pena.
Otelo estava pensativo... Isabel estava certa. Ele realmente estava interessado em Domitila e, por conta disso, passava muito tempo em prosa com Damião. Jantava com a família, ajudava o vizinho com pormenores e até mesmo com a contabilidade. Exatamente por isso, conhecia a real situação financeira daquela família. E este era o motivo pelo qual ainda não havia proposto o casamento.
Damião estava falido. Sua produção de uvas havia sido vendida sim, como contou Jesus na última visita do Giuseppe, mas ninguém, a não ser Otelo, sabia que ele sofrera um golpe e que nenhuma das promissórias do comprador pode ser descontada. Se Jesus descobrisse isso, o casamento seria totalmente descartado, já que não haveria dote a receber.
— Eu gosto da Domitila sim, mãe, mas não quero me casar agora. Veja só.. — E deu um giro em seu eixo, forçando um ânimo que não condizia com suas preocupações. — Ainda sou muito jovem e bonito!
— Jovem sim, mas bonito... — Breno levou mais um peteleco por esta, desta vez, do próprio irmão.
— Não sei não, Otelo... Isso de se envolver sem compromisso pode não acabar bem. Você sabe que a relação entre seu pai e Damião não está na melhor fase, não é? Além do mais, o dote de Domitila deve ser pomposo, e seria de grande valia neste momento. — Isabel acariciou o belo rosto do filho. — Pense direitinho. Este casamento pode ser bastante oportuno.
Breno saiu abraçado à sua mãe e, para irritar o irmão, foi cantarolando: "Pobre Otelo, tão jovem e bonito..."
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