Uma hora depois

— Nenhum, nenhum? Nada, nada? — Jenny perguntou fazendo carinho na bola de pelo branco, Kyrie, pequena e encolhida no seu colo.

— Não, nenhum deles — comprimi meus lábios.

Isso era engraçado, ver que nem mesmo minhas amigas estavam acreditando que eu não havia beijado aquelas pessoas.

— Eu pensei que você tinha ficado com outros, mas você estava com vergonha de contar para nós com medo dos julgamentos de Jenny — Carrie apertou sua mão contra as teclas do piano mostrando como ela sabia e gostava de tocar, porém quando seus pais estivessem em casa, ela erraria até mesmo o básico.

Isso deveria ser difícil dado a experiência dela.

— Você iria julgar tanto quanto eu — Jenny reclamou coçando a cabeça de sua gatinha.

— Não era vergonha, eu realmente não fiquei com nenhum deles, deixei que as pessoas pensassem isso — comentei comendo mais uma fatia de bolo, estava mesmo delicioso, ainda que fosse feito de abóbora.

— Por que faria isso? — Carrie perguntou.

Jenny apenas bufou com aquela pergunta, pois era quase como... óbvia a resposta.

— Eu não queria que eles sentissem pena de mim; não queria ouvir falar sobre William ou algo relacionado. Eu queria mentir para mim mesma, então eu pensei que se eles falassem sobre as minhas “aventuras” com diferentes garotos, eles se esqueceriam do meu irmão — concluí o raciocínio parando para analisar o que eu tinha falado e as expressões delas.

— Você é ridícula, aproveitando o momento de sinceridade — a loira platinada retrucou retirando a bola de pelo de seu colo e colocando-a no chão — vá, procure outra pessoa, minha mão está doendo.

Carrie e eu compartilhamos um olhar cúmplice; era óbvio que ela adorava aquela bola de pelo, só não queria admitir na nossa frente — pensava que aquilo não combinava com o seu visual.

— Eu prefiro dizer que eu tenho uma mente engenhosa — escolhi as palavras com cuidado, não queria dar uma brecha para que elas vissem por trás dos meus olhos.

— Quer dizer que durante todos esses meses você não beijou um garoto até hoje? — Jenny perguntou pontuando os meses com os dedos, levantou sete deles e ficou me encarando como se aquilo fosse loucura.

Estava prestes a concordar quando fiquei presa em algo que faria a afirmação se tornar uma mentira, e eu estava cansada de mentiras sabendo que eu era péssima em mentir.

Havia o beijo de Jason.

Elas iriam me importunar durante muito tempo sobre esse assunto, mesmo que fosse só um beijo, e um beijo muito bem dado.

— Não — afundei no sofá colocando o bolo de lado e preenchendo o seu espaço com uma almofada.

— Não, você supôs certo, ou não, eu beijei? — Carrie saltou do piano e se jogou ao meu lado piscando aqueles seus grandes cílios.

— Eu... eu não tinha beijado ninguém até sexta a noite — o quanto menos elas soubessem, mais fácil seria, entretanto não havia chance delas me deixarem escapar desta vez — e você Jenny, como vai o seu coração?

— Não estamos falando dele. Foi na festa? Eu conheço? Ele é bonito? — ela também se juntou a nós no sofá e esticou suas pernas em cima do meu colo, em cima do travesseiro.

— Eu realmente não pronta para falar sobre isso devido ao meu estado emocional...

— Guarde suas desculpas. Queremos um nome — Carrie tinha aquele olhar que eu soube que ela não iria me poupar.

Estava encurralada.

— Jason — puxei a almofada e a coloquei na frente do meu rosto ouvindo as garotas soltando gritinhos femininos e os comentários já previsíveis sobre como elas sabiam que isso iria acontecer.

Não sei quanto tempo as bochechas podem ficar coradas, porém eu sabia que não conseguia parar de sorrir, incansavelmente, ao me lembrar dos lábios dele contra os meus.

Não me lembrava do gosto e nem da textura. Teria que experimentar mais uma vez para refrescar a memória.

Meneei a cabeça rindo de mim mesma. Eu não iria beijar Jason de novo. Ele era meu amigo. Nunca ouvi um caso de amigos que se envolveram sem um gostar do outro daquela maneira romântica e dar tudo certo no final.

Eu não estava procurando romance.

Amor...? Não.

“E se eu não te amar de volta?”

Não queria isso para mim.

Obrigada William por envenenar minha mente com suas ideologias que doíam por serem verdade.

Toquei em meu bolso sentindo a segunda carta dele, aquela que estava no fax que acabou molhando e não conseguiria ser recuperada.

Talvez fosse melhor deste jeito, assim eu não precisaria ler mais um pedido de perdão dele.

Não queria isso, ele já havia me abandonado.

— Eu pensei que ele havia saído com Becca Senes para ir ao penhasco — Jenny comentou inclinada na nossa direção ainda com o rosto animado.

— Nós nos encontramos na praia — eu estava contando a verdade, mas acho que elas não precisariam saber que eu quase havia sido afogada.

Will sabia demais e morreu.

Bliss sabia demais e morreu.

Jason e eu éramos os próximos.

Não queria mais ninguém naquela maldita lista.

— Vocês se beijaram na praia? Que fofo — Carrie estava com seus olhos até brilhando de tão entusiasmada que estava, não conseguia parar de roer sua unha e retirar o esmalte dela.

— Não, nós nos beijamos em casa — respondi quase instantaneamente.

— Ele levou você para casa? Que cavalheiro — Jenny brincou fingindo apreciar o gesto — como foi o beijo?

— Não foi longo, ele só me colocou contra a porta e beijou — pensando por outro lado, não havia sido tão romântico assim.

Não havia sido nada romântico. Eu estava floreando com a minha mente metade do acontecimento.

— Nossa, que voracidade, quem ouve pode pensar que também houve... — Jenny fez alguns gestos com a mão e eu ouvi a risadinha contida de Carrie.

— Não, ele se comportou, mas quase me empurrou para fora da cama — tapei minha boca imediatamente depois de pronunciar as palavras.

Culpa estampava-se na vermelhidão de minhas bochechas e pelos meus olhos arregalados.

— Eu sabia! — Carrie comentou apontando para Jenny com um sorriso triunfante — eu disse que eles não tinham feito sexo!

Olhei para as duas e fiquei sem entender o que estava acontecendo.

— Fofocas viajam rápido — Carrie deu de ombros com seu olhar inocente — não sei quem espalhou, mas a pessoa disse que o viu entrando na sua casa sexta de noite depois da festa. Muitos estão achando que ele é o novo nome em sua lista.

— Isso não é nada, nada bom — apoiei minhas costas no encosto do sofá comecei a brincar com a ponta dos meus fios de cabelo.

Eu estava brincando quando disse que ele tinha que tomar cuidado comigo por causa da minha fama. Ele me disse que não saiu com Becca para não ser mais um em sua lista; e foi isso o que ele acabou de se tornar para mim. Mais um em minha lista.

A única diferença é que com ele realmente houve um beijo e com os outros não.

Só isso.

— Por que não? Vocês são suportáveis, podem fazer um casal tolerável — Jenny me cutucou com seu cotovelo e eu me esquivei.

— Nós somos amigos, está perfeito deste jeito para nós dois. Conversamos sobre isso e o beijo foi só um beijo, nada demais — falei e não deixei mostrar que eu queria outro, muitos outros.

— Então vocês não estão mais juntos? — Carrie pareceu decepcionada.

— Foi só um beijo, não há muita história atrás disso. Ele dormiu em casa e foi embora no dia seguinte. Fim — queria que elas não tivessem tantas esperanças sobre este romance que nem mesmo havia começado.

— Isso é tão frustrante de se conversar — Jenny se levantou e pegou no colo sua bolinha de pelo ambulante — até a minha gata tem uma vida amorosa mais animada.

— Não começa...

— Tarde demais — ela pegou o celular e discou esperando — Gabriel? Não sabe quem acabou de confessar que o boato era verdade. Exatamente. Eu deixo. Sua vez de descobrir o que puder. Mantenha-me informada — ela desligou e sorriu para mim mostrando os dentes, predatoriamente, de maneira feliz — agora está ficando mais interessante. Gabriel vai ver se ele descobre o que Jason tem a dizer.

Carrie sorriu e começou a escrever uma mensagem no seu celular.

— Tudo bem, disseram que Becca quer bater em você. Eu disse que se ela se aproximar, vai ter que enfrentar a fúria de Gabriel — ela começou a rir e eu me juntei a ela. Gabriel não era tão intimidador assim.

não sei o que eu fiz para merecer duas pessoas como aquelas duas em minha vida.

Não poderia imaginar alguém melhor do que elas para estarem do meu lado até mesmo quando o meu chão parecia sumir.